João
Bosco Botelho
As ações humanas, transformando a
natureza, para controlar a dor, são imperativas. Estão ligadas direta e indiretamente
aos mecanismos neuroquímicos endógenos autorreguláveis. As dores, física e mental, determinadas pela ferida, na carne dilacerada
no acidente traumático ou na morte da mulher amada, são sempre temidas. Têm
sido, ao mesmo tempo, a inspiração dos poetas e a arma preferida da insanidade para
aqueles que exigem o apagar dos sentidos, a fim de limitar, pelo pavor, o
confronto das ideias no exercício da livre consciência.
Diversas circunstâncias, do homem
chorando a perda do amor ao suplício do torturado pelas ditaduras de todos os
matizes, determinam o alerta dos sentidos e modificações significativas em
todos os órgãos, em níveis moleculares, hoje inacessíveis.
Uma das características mais
intrigantes é como a dor altera a noção do tempo. Suportar o desconforto
doloroso, por um minuto, é como estar sofrendo na imensidão do infinito. Durante
a manipulação dentária, quando a pequena broca alcança o nervo sensitivo, as
sensações cerebrais são indescritíveis. Ao contrário, a hora de prazer corre
como um breve instante.
Por essa razão, é impossível manter,
durante muito tempo, a dor fulgurante. De pronto, todos os sentidos natos
atiçam para evitá-la ou os sentidos são apagados, pela inconsciência forçada, para
aliviar o desastre biológico.
Por outro lado, quando a vítima da tortura
associa, de maneira persistente, alguém ao suplício da dor, a lembrança do
algoz faz a ansiedade alcançar um nível difícil de suportar. A morte, antecipada
pelo suicídio, pode significar a única saída.
A espécie humana elabora uma
substância específica para diminuir as dores e tornar a vida possível: endomorfina
(morfina produzida no próprio organismo) autorrequisitada pelas trocas
biológicas, independentes da vontade, para modular a dor.
Em complemento, existem moléculas
especiais, acopladas às membranas celulares, no sistema nervoso central, dotadas
de especial receptividade aos derivados dos opiáceos naturais e sintéticos, utilizados
como alucinógeno e analgésico.
A incrível disseminação das drogas
proibidas também não é um problema social exclusivo. A sedução exercida pelo
consumo ilegal é diferente em cada pessoa. Está contida na individualidade
material molecular e é transmitida geneticamente. Não é possível tantas pessoas,
espalhadas no mundo, algumas coagidas por métodos brutais, continuarem desafiando
o controle social sem coerência biológica.
As investigações realizadas nos
símios responderam, favoravelmente, a essa assertiva. Os animais produzem
substâncias, em nível molecular, para atenuar todas as circunstâncias
exteriores e interiores capazes de determinar a dor.
Se considerarmos a dor determinada
pela morte dos entes queridos, a crença no renascimento pode ser também
entendida como mecanismo atávico, formado ao longo do processo de hominização,
como um dos mais extraordinários mecanismos para entender a morte como parte da
vida e, assim, minorar o sofrimento.
Esse pressuposto é reforçado a
partir da melhor compreensão da escrita cuneiforme das tábuas de argila, encontradas
nos sítios arqueológicos assírios e babilônicos, onde se tornou possível
esclarecer o intrigante sinônimo das palavras sortilégio, malefício, pecado, doença
e sofrimento.
A crença no renascimento após a
morte continua sendo um dos mais valorosos artifícios da ficção, para atenuar a
morte rejeitada.