João
Bosco Botelho
A necessidade incontrolável de dar
sentido à vida, diferente da dos outros animais, e minimizar a dor determinada
pela morte de entes queridos, está expressa com transparência em todas as
culturas, materializando como opostos a saúde e a doença. A primeira, sinônimo
de vida, ficou ligada ao bem, ao bom, ao belo; a segunda, compreendida como mal,
ruim, feio, antecipando o falecer temido.
A pulsão inata para desvendar a
forma visível, em especial a do corpo, sadio ou doente, dotado com propriedades
sensíveis de comunicar-se e locomover-se, para fugir da dor, pode ser considerada
como a arqueologia que materializa a vontade atávica para viver! É verdadeira em
si mesma, porque dá forma ao viver, num movimento metafórico, composto pela presença
da carnalidade da pele quente, pela realidade dos sentidos, da respiração e do
ritmo cardíaco.
Atinge e entrelaça o ser no mundo
por meio de reconstruções. O novo surge dessas reconstruções, em muitas
circunstâncias, oferecendo consistência
ao pensamento que transforma e consolida a consciência-de-si do corpo sadio ou
do corpo doente.
O conjunto sociocultural, presente
na memória, adquirida e transmitida, geração após geração, desempenhou papel de
extrema importância nas mentalidades. Os atuais saberes ocidentais, em parte marcados
pela influência cultural greco-romana, uniram e solidificaram esse patrimônio, perdido
nos confins enigmáticos do tempo indivisível. A
pólis, organizada à semelhança do corpo saudável, passou a ser compreendida
como organismo vivo. Ao contrário, o caos social era sinônimo de doença. O político
competente era aquele que curava a sociedade doente. No mesmo patamar, o juízo
de valor das condutas fora estabelecido utilizando as emoções humanas como parâmetro.
No mundo das ideias e crenças
religiosas, a passagem de um para o outro lado, da saúde à doença, envolvendo
mudanças nas coisas e nos acontecimentos, implicando riscos à saúde e à vida, funcionando
como pólos opostos, tem sido comunicada às sociedades pelo sacerdote, o
representante da divindade. De modo geral, esses especialistas do sagrado, apesar
de não negarem o conhecimento empírico da natureza circundante, confessam serem
incapazes de compreender a vontade divina, limitando-se a obedecer e implorar a
misericórdia, por meio dos ritos específicos para abrandar a ira transcendente.
O poder de curar pessoas e
sociedades e adivinhar com antecedência os infortúnios, evitando as doenças, para
melhor organizar determinado grupo social, oferecendo a saúde e adiando a morte,
tem sido historicamente utilizado pelo poder político, como mecanismo ora de coesão,
ora de dissolução sociais.
O sofrer e a morte da pessoa amada determinam
transtornos complicados, em diferentes níveis do corpo, trazendo incontáveis
sinais físicos de desconforto, variando em cada pessoa. Os sistemas nervosos, central
e periférico, liberam substâncias que alteram o ritmo biológico e estabelecem a
baixa global da defesa imunológica.
A ansiedade, entendida como sensação
de perigo iminente, interferindo na sociabilidade das pessoas, provoca
complexas mudanças nos ciclos do sono, da fome, da sede, da libido e da afeição,
ainda pouco compreendidas.
O lento avançar da medicina
molecular identificou a substância conhecida como GABA (ácido
gama-aminobutírico), como o principal neurotransmissor, inibitório do sistema
nervoso central. A maior parte das milhares de trocas químicas específicas processadas,
em cada instante nos tecidos, estão voltadas para manter o ser vivo e embotar, temporária
ou perenemente, as sensações desagradáveis e perturbadoras.
Parece lógico pressupor que as
atitudes específicas, usadas no enfrentar da adversidade temida, minorando o sofrimento
do homem e da mulher, tenham sido valorizadas e, continuamente, aperfeiçoadas
pela ordem social, por trazerem resposta de bem-estar, para manter a vida,
sempre!