Amigos do Fingidor

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Morte rejeitada: busca da vida



João Bosco Botelho

 

            A necessidade incontrolável de dar sentido à vida, diferente da dos outros animais, e minimizar a dor determinada pela morte de entes queridos, está expressa com transparência em todas as culturas, materializando como opostos a saúde e a doença. A primeira, sinônimo de vida, ficou ligada ao bem, ao bom, ao belo; a segunda, compreendida como mal, ruim, feio, antecipando o falecer temido.

            A pulsão inata para desvendar a forma visível, em especial a do corpo, sadio ou doente, dotado com propriedades sensíveis de comunicar-se e locomover-se, para fugir da dor, pode ser considerada como a arqueologia que materializa a vontade atávica para viver! É verdadeira em si mesma, porque dá forma ao viver, num movimento metafórico, composto pela presença da carnalidade da pele quente, pela realidade dos sentidos, da respiração e do ritmo cardíaco.

            Atinge e entrelaça o ser no mundo por meio de reconstruções. O novo surge dessas reconstruções, em muitas circunstâncias, oferecendo  consistência ao pensamento que transforma e consolida a consciência-de-si do corpo sadio ou do corpo doente.

            O conjunto sociocultural, presente na memória, adquirida e transmitida, geração após geração, desempenhou papel de extrema importância nas mentalidades. Os atuais saberes ocidentais, em parte marcados pela influência cultural greco-romana, uniram e solidificaram esse patrimônio, perdido nos confins enigmáticos do tempo indivisível.         A pólis, organizada à semelhança do corpo saudável, passou a ser compreendida como organismo vivo. Ao contrário, o caos social era sinônimo de doença. O político competente era aquele que curava a sociedade doente. No mesmo patamar, o juízo de valor das condutas fora estabelecido utilizando as emoções humanas como parâmetro.

            No mundo das ideias e crenças religiosas, a passagem de um para o outro lado, da saúde à doença, envolvendo mudanças nas coisas e nos acontecimentos, implicando riscos à saúde e à vida, funcionando como pólos opostos, tem sido comunicada às sociedades pelo sacerdote, o representante da divindade. De modo geral, esses especialistas do sagrado, apesar de não negarem o conhecimento empírico da natureza circundante, confessam serem incapazes de compreender a vontade divina, limitando-se a obedecer e implorar a misericórdia, por meio dos ritos específicos para abrandar a ira transcendente.

            O poder de curar pessoas e sociedades e adivinhar com antecedência os infortúnios, evitando as doenças, para melhor organizar determinado grupo social, oferecendo a saúde e adiando a morte, tem sido historicamente utilizado pelo poder político, como mecanismo ora de coesão, ora de dissolução sociais.

            O sofrer e a morte da pessoa amada determinam transtornos complicados, em diferentes níveis do corpo, trazendo incontáveis sinais físicos de desconforto, variando em cada pessoa. Os sistemas nervosos, central e periférico, liberam substâncias que alteram o ritmo biológico e estabelecem a baixa global da defesa imunológica.

            A ansiedade, entendida como sensação de perigo iminente, interferindo na sociabilidade das pessoas, provoca complexas mudanças nos ciclos do sono, da fome, da sede, da libido e da afeição, ainda pouco compreendidas.

            O lento avançar da medicina molecular identificou a substância conhecida como GABA (ácido gama-aminobutírico), como o principal neurotransmissor, inibitório do sistema nervoso central. A maior parte das milhares de trocas químicas específicas processadas, em cada instante nos tecidos, estão voltadas para manter o ser vivo e embotar, temporária ou perenemente, as sensações desagradáveis e perturbadoras.

            Parece lógico pressupor que as atitudes específicas, usadas no enfrentar da adversidade temida, minorando o sofrimento do homem e da mulher, tenham sido valorizadas e, continuamente, aperfeiçoadas pela ordem social, por trazerem resposta de bem-estar, para manter a vida, sempre!