Amigos do Fingidor

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Lábios que beijei 4


Zemaria Pinto
Ana

Ana devia ter o triplo do meu tempo de vida, o que é uma eternidade quando se tem sete anos. Ana era meiga, embora rigorosa; graciosa, ainda que circunspecta; delicada, mas severa; e carinhosa sempre. Impossível não levá-la comigo em meus pensamentos, quando acabava a aula, desejando que um novo dia amanhecesse para encontrá-la de novo, naquela rotina entre o mormaço e o azul. Quando soube que eu mudaria de escola, ela abraçou-me e me beijou o rosto com ternura, desejando-me felicidades. Na hora, apenas engasguei. No caminho de volta para casa, chorei a separação, transbordando uma tristeza que me acompanha até estes dias sombrios, quando não me restam mais que as lembranças por companhia. Branca, magra, os cabelos lisos levemente castanhos, encontrei-a muitos anos depois como padrão de heroína romântica: todas elas, em todas as épocas, tinham os mesmo traços gentis e senhoriais, o mesmo porte aristocrático de Ana. Quando soube de sua morte precoce, eu já adolescido, não pude evitar um sentimento de perda por alguém a quem um dia amei. E chorei por Ana, mais uma vez.