Zemaria
Pinto
Ficha biobibliográfica
Autor: Almir Diniz
Nome
completo: Almir Diniz de Carvalho
Naturalidade:
Cambixe, município de Careiro da Várzea – AM
Nascimento:
6 de novembro de 1929
Falecimento:
28 de maio de 2021
Obra
poética:
· Encontros com
a natureza (1996)
· Caminhos da
alma (1996)
·
Corpo de mulher (1996)
· Andanças
poéticas (1997)
· Os deuses (1998)
· O elogio do
caboclo (1998)
· Floradas da
alma (2000)
· Plumas
humanas (2000)
· Algemas de
ternura (2001)
· Floradas do
corpo (2001)
· Corações em
chamas (2002)
· Magia e
sedução (2010)
· Melodia pagã (2011)
· Minha roça de
urtigas (2011)
· Mulheres (2011)
· Pétalas e
penas (2012)
· O jardim da
minha mãe (2014)
TRISTEZA
Cavalgo, triste, meu
corcel alado
pelas pistas sem fim do
pensamento,
de rédea solta, solto meu
lamento,
meu protesto, de lágrimas
molhado.
Galopando sem rumo, e
magoado,
carpindo no selim meu sofrimento,
chego a pensar que todo
este tormento
é mero sonho, e sonho
malfadado...
Mas, se passo trotando
contra o vento
e ouço um tropel alegre
pelo prado,
aperto o arreio... sei...
eis-me acordado!
Ai, sim, sofro a dor que
me vai dentro,
essa dor, que mais dói,
sem ferimento,
que as feridas de todo
meu passado!
É espantosa a
concentração de títulos de Almir Diniz, no gênero poético: dezessete, em
dezesseis anos. O autor nos explica que essa poesia veio sendo construída,
lentamente, desde a juventude, na segunda metade dos anos 1940, até os dias de
hoje. É uma poesia em que à simplicidade se alia uma grande precisão técnica,
calcada na reflexão sobre o homem amazônico e a exuberante natureza que o
cerca, externando o sentimento que lhe vai n’alma, porque “ninguém doma um
coração de poeta”, como cantou o grande Augusto, dos anjos e dos demônios.
A rigor, mesmo
pertencendo, do ponto de vista cronológico, à geração Madrugada, Almir Diniz
não militou no Clube. E seus livros começaram a vir à luz quando o Clube já não
mais existia. Antes disso, apenas publicações esparsas, em jornais e revistas.
Mas isso são detalhes que não o excluem de uma apreciação rigorosa da poesia da
época.
O poema “Tristeza”, do
livro Caminhos da alma, representa
uma síntese da poesia de Almir Diniz: entre o telúrico e o urbano, o lúdico e o
sentimental, o poeta constrói, sem invencionices, uma poesia que a um só tempo
comunica e comove – no sentido mais primitivo desta palavra: promover
deslocamento, agitar com força. A poesia de Almir Diniz nos coloca no centro da
vida cabocla – seja do caboclo lavrador, campônio e campeiro, seja do caboclo
intelectual, afeito às lides da política, do direito e do jornalismo. Almir
Diniz, advogado, ex-prefeito, jornalista premiado, fazendeiro – de plantar e de
criar –, traz na pele acobreada as marcas dessa vivência múltipla.
No poema em tela, o
corcel alado que o eu lírico cavalga é uma metáfora para um permanente estado
de poesia. O eu lírico está possuído pela poesia. Mas, ao contrário do uso que
se faz nas religiões afro-brasileiras, onde o cavalo é a pessoa que recebe o espírito,
Almir Diniz coloca o poeta a cavalgar o cavalo-poesia, “pelas pistas sem fim do
pensamento”, abrindo todas as possibilidades para esse encontro com o
cavaleiro-poeta.
A “rédea solta” em plena
cavalgada, uma situação de risco, é uma metáfora para o estado de desespero em
que o eu lírico de encontra, pontuado pelos substantivos que se lhe seguem –
lamento, protesto, lágrimas –, de alguma forma relacionados com a decisão
intempestiva de manter a rédea solta, com todos os riscos advindos dessa
decisão. Basta-nos esta primeira quadra, para ilustrar o que dissemos da
composição como síntese: a metáfora do corcel a cavalgar é telúrica; se o
corcel é alado, acrescentamos o elemento lúdico; pistas, substituindo estradas
ou mesmo caminhos, ambas de caráter rural, é o elemento urbano que se
acrescenta ao poema; por fim, o toque sentimental é dado pela expressão física
daquele momento – o lamento-protesto “de lágrimas molhado”.
Na segunda estrofe, a
confusão mental do eu lírico, em função do desespero em que se encontra –
“galopando sem rumo” –, o faz pensar que ele vive um pesadelo, um “sonho
malfadado”. No terceto que se segue, o eu lírico esclarece a si mesmo – e ao
leitor – que seu estado é de plena vigília, contrapondo as imagens de si mesmo
“trotando contra o vento” com o sentido atento para um “tropel alegre pelo
prado”. Essa superposição do lúdico com o real, do metafórico com o banal
cotidiano garante o tensionamento da nota poética: se não houvesse o lúdico, o
metafórico, estaríamos diante de um texto prosaico. Não é o caso,
absolutamente.
A última estrofe coloca o
eu lírico de volta à realidade da qual ele escapara pelas artes da poesia: não
mais corcel alado, não mais rédeas soltas, não mais galope sem rumo. Apenas a
consciência da dor que dói “sem ferimento”. Essa dor presente que sentimos
todos, sempre que pensamos sobre o nosso estar-no-mundo. Como refletiu com
sublimidade o filósofo Schopenhauer,
Reproduzem-se na poesia lírica do genuíno poeta o íntimo da humanidade
inteira e tudo o que milhões de homens passados, presentes e futuros sentiram e
sentirão nas mesmas situações, visto que retornam continuamente, e ali
encontram a sua expressão apropriada. [...] O poeta é o espelho da humanidade,
e traz à consciência dela o que ela sente e pratica.[1]
Esta é apenas uma amostra
colhida no universo da poesia de Almir Diniz. Poesia cheia de verdade, mas
também vibrante na sua tensão lúdica, pois é disso que se faz o poema – da vida
reinventada, amalgamada nos quatro elementos: o fogo fundindo a mistura de
barro e de água, resultados do sopro do vento.
[1] SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. 1.º tomo. Tradução: Jair
Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 328-329.