Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

A poesia é necessária?

 

Alejandro

Saturnino Valladares

Tradução: Inácio Oliveira

 

A Noelia Valladares López

 

Entre antigos brinquedos quebrados,

Alejandro, como um deus derrotado,

austero e solene, recostado

em uma suja caixa de papelão,

carrega em seu brilho manchado e encardido

o que um dia, delicada, foi a vida.

O vento do passado entre meus dedos:

a carícia furtiva que a infância

deixou atrás dela.

 

Alejandro, um boneco Baby Feber,

vivia com minha irmã entre as coisas,

era o privilégio e brilho da festa,

o verdadeiro talismã da aventura,

o carinho, o cuidado e a alegria.

 

Aquela menina saiu uma noite

com batom e salto alto,

com rímel de quem nunca chorou

por amor, ainda que tentasse,

para nunca mais voltar a suas bonecas.

 

Estou em casa e a memória

me conduz, sem o fio de Ariadne,

por labirintos nunca visitados.

Ouço passos se aproximando

e uma voz cultivada na lembrança.

Me afasto, deixo minha irmã entrar

discretamente em seu passado cúmplice

e saio na ponta dos pés deste poema.