Paisagem
aquática
Almir
Diniz (1929-2021)
Imaginei-me
poeta
quando me vi
remar sonhos
na igarité
das ideias
singrando o
líquido dorso
dos lagos de
minha infância:
– o do Rei e
o Marajá –
bordados de
canarana
e lendas de
cobra-grande
e ilhas de
matupá
de bubuia
contra o vento
nas asas do
meu momento.
De passagem,
as oiranas
povoadas de
ciganas
compunham a
valsa da vida
no dolente
baticum
dos remos
tangendo notas
nas falcas
do casco leve
feito de
louro-gamela,
fendendo o
doce mistério
da ternura
adolescente,
na corrente
e nos sonidos
dos paranás
dos meus idos.
No remanso e
no rebojo
o meu remo
garimpava
salpicos de
melodia
vertendo
brilhos difusos
que iam
tingir de prata
os fornos
esmeraldinos
da deusa
vitória-régia
repletos de
jaçanãs,
falenas,
socós, intãs,
de aruás e
de magia
a semear
poesia.
A viagem dos
cardumes,
demandando
corredeiras,
em fúria
reprodutiva
desabrochava
em minha alma
uns pendões
de melodia
permeando de
perfumes
as flores da
inspiração
nos domínios
da ilusão,
nos teclados
da estesia.
Dos frisos
das piracemas
nasciam
belos poemas.
Imaginei-me
um esteta,
pintor
nativo, um aedo,
quando vinha
a primavera,
ouvindo do
passaredo
suaves
canções nativas
de japiins,
sabiás,
canários e
curiós,
rouxinóis,
uirapurus
saudando
manhãs de luz,
a alma de
sons vestida,
os olhos
tecendo a vida.
O sol vindo
desatava
clarões de
rara beleza
tingindo de
luz nenúfares,
sensitiva,
mururés,
e os curvos
pendões dourados
de
arroz-brabo e canarana
atraindo a
passarada
ao repasto
matinal.
Então o
vento lançava
chuva de
grãos saciando
a piracema
passando.