João Pinto
Amor, eu já sabia que ao subir aqueles degraus na Joaquim Nabuco, teria na minha presença um defunto cheio de novidades. Um top criativo das metáforas.
E há essa coisa de todo mundo atrás de morto: a gente diminui os passos e olha os viventes ao lado no velório. É outro contexto sentimental. Ninguém acredita na morte daquele defunto que, antes, a gente copulava na conversa. Num papo de alegria. Ou que um dia se tenha almoçado juntos no Samaúma.
Com o vivo que, agora, se passava para regime de estático. E que antes o contexto dos nossos olhos era ver a vida como o grande espetáculo: o som das coisas, a neblina do sol e todo dia o amanhã amanhecer. E ouvir nas manchetes dos jornais o desvario que os homens maus deixam como legado.
Pois bem, o salão estava completo de pessoas e muitas coroas ao lado dele. De repente ao chegar perto do caixão, eu deveria fazer um gesto de carinho nele. Coisa que nunca havia feito senão bater no ombro dele e apertar as suas mãos.
E fiquei com medo de fazer tal carinho. Se fosse beijá-lo na testa, o gesto talvez chamasse atenção. Sofria pra burro.
E, num instante, eu tinha que aproveitar o momento, pois estava sozinho diante do caixão. E levei a mão direita por cima das duas mãos geladas dele. E disse a ele: Estou aqui para te ver. E acarinhava com as mãos as duas mãozinhas pequenas dele.
O rosto dele estava encolhido e sua urna parecia uma concha de brinquedo. E parecia mais um brinquedo lúdico no meio da poeira dos homens. E por que se morre? Para a gente despejar a nossa poeira de peles numa cova.
Seus olhos estavam apagados. Alguém havia fechado os queixos, os homens da funerária sabiam dar um molde de beleza à morte para disfarçar o óbvio.
Depois sentei num banco e espiei tudo no salão. O ar refrigerado tocava o caixão dele. Mas sua face cor de cadáver mesmo se mantinha inalterada. E ele queria sua paz junto àquelas flores. Junto aos amigos.
Depois desci as escadas. E pensei que aquele poeta descendente de maranhense tinha vivido além do seu hipotálamo. Gostava de livros e música. Fumava para ver na fumaça que saía do cigarro para sentir as rimas mais criativas dos produtos das feiras da sua cidade. E, quando chegasse ao paraíso dos outros poetas sumidos dos copos de bebida, do colete do paletó tocaria na sua flauta de barro.
Luiz Bacellar, em dezembro de 2008, num de seus pontos favoritos: o Pina Lanchonete. Foto: Áureo Lúcio Souza. |