Amigos do Fingidor

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Luiz Bacellar além da poesia 2/2


Zemaria Pinto

Frustrada a intenção inicial de passar ao largo da literatura, tento redirecionar a conversa para assunto mais ameno, mas sem desviar o rumo. Sei que Bacellar é um leitor compulsivo. “Leio para manter a mente ocupada. É mais que mero lazer; tem efeito terapêutico.” Literatura policial é a preferência, embora aprecie a literatura culta e ensaios sobre assuntos diversos. Nero Wolfe, criação de Rex Stout, é seu detetive favorito – cultor de orquídeas e gourmet requintado, “Wolfe é um crítico da sociedade burguesa capitalista de Nova Iorque.” Maigret, de George Simenon, e Rippley, de Patricia Highsmith, “autores extraordinários como estilistas e de uma erudição extraordinária”, compartilham a preferência do poeta de Sol de feira. No Brasil, aprecia o detetive Espinosa, criação de Luiz Alfredo Garcia-Roza, um refinado e inverossímil intelectual a serviço da polícia civil do Rio de Janeiro. 

Bacellar, em 2007, no seu aniversário de 79 anos.
Foto: Zemaria Pinto.
Da alta literatura, cita como seu preferido o francês Flaubert, “toda a obra, com destaque para Salambô e Bouvard e Pécuchet”. Na sequência, os também franceses Marcel Proust, de Em busca do tempo perdido, e Victor Hugo, de Os trabalhadores do mar, além de “alguma coisa” de Zola. Entre os russos, destaca Tchekhov e Gorki – “romances, contos, dramaturgia”. Em língua inglesa, Henry James e Norman Mailer, além de uma “descobertarecente: Truman Capote, especialmente por Música para camaleões e Bonequinha de luxo. No Brasil, “Guimarães Rosa e Clarice Lispector são os maiores”. 

Formado em Antropologia pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e Sociais – CBPES, fundado por Anísio Teixeira, onde foi aluno de Darcy Ribeiro, Bacellar tem uma outra faceta pouco conhecida do público: sua carteira na Ordem dos Músicos do Amazonas tem o número 03. Copista e especialista em transposição (“passagem de um tom ao outro ou de um instrumento a outro”, como ele mesmo explica), foi professor de História da Música, no Conservatório da Universidade Federal do Amazonas. Particularmente, o poeta do Quatuor aprecia a música negra norte-americana, mas sua paixão é mesmo a música erudita, de Bach a Schönberg. 

Celibatário, Bacellar tem um explícito carinho por crianças. Cinéfilo, hoje prefere os filmes destinados àquele público, além de comédias e aventuras: “nada de sofrer!”, ele diz. Lembra-se do primeiro filme a que assistiu, na companhia de seu pai, “em 36 ou 37”, no Cine Manaus, dos padres salesianos do Dom Bosco: Ben-Hur, de 1926, com Ramon Novarro, no papel que, mais de 30 anos depois, consagraria Charlton Heston. Foi o cinema que lhe provocou o seu primeiro alumbramento: Hedy Lamarr, atriz austríaca, correndo nua pelo campo, aos 19 anos, no filme Êxtase, de 1932. Bacellar lembra que Lamarr, de extraordinária beleza, era também inventora, tendo patenteado uma tecnologia chamada Spread Spectrum, usada durante a Segunda Guerra para despistar os radares nazistas. O fundamento dessa invenção foi aperfeiçoado e hoje é a base para a telefonia celular.  

Momento de descontração, em 2007, no legendário El Perikiton.
Foto: Zemaria Pinto.
Para encerrar, depois de falar de tantas preferências, pergunto-lhe do que não gosta. Ele abre um meio-sorriso maroto que termina numa sonora gargalhada: “eu não gosto de dar entrevistas, porque, invariavelmente, deturpam tudo o que eu disse!”