Amigos do Fingidor

domingo, 30 de setembro de 2012

Cruz e Sousa e a academia dos bacharéis


Zemaria Pinto 

 
No último dia 25, ao noticiar a eleição do acadêmico que irá ocupar a cadeira n° 23 da Academia Amazonense de Letras, o jornal onde o eleito trabalha noticiou o fato, informando que o patrono da referida cadeira era um tal de Cruz e Silva. Como notícias de jornais são descartáveis, imaginei que a pessoa que escreveu a matéria no calor da luta confundiu o poeta Alencar e Silva, o ocupante anterior, com o genial poeta catarinense Cruz e Sousa, o verdadeiro patrono da cadeira 23.

Já esquecera o incidente quando, há pouco, lendo o tal jornal onde trabalha como advogado e assina colunas o futuro acadêmico, deparo-me novamente com a aberração: o “patrono Cruz e Silva”, citado em matéria de mais de meia página, com o sorridente bacharel e futuro acadêmico. Jornalistas não precisam conhecer literatura, claro. Mas acadêmicos não podem ignorar seus símbolos. Quem deu a informação errada? O próprio “novo nome da academia”? O presidente, bacharel e jornalista? Os eleitores bacharéis? Tenho certeza que o vice-presidente, também bacharel e jornalista, não foi, porque em seu “dicionário biográfico”, ele dá a informação correta, apesar de tropeçar na grafia – Cruz e Souza, com z -, o que não chega a ser incomum.

Podia continuar calado, no meu canto, mas agredir o autor de Broquéis e Faróis duas vezes em menos de uma semana é demais pro meu estômago.

Como a poesia continua sendo necessária, apesar dos bacharéis, dos jornalistas e dos acadêmicos, fiquem com um poema de João da Cruz e Sousa:

Acrobata da dor



Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que, desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta, clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço. 
      
 
Cruz e Sousa (1861-1898)