Zemaria Pinto
Começo
agradecendo a presença de todos: a família – esposa, filhas, netas e irmãs; os
parceiros Mauri Mrq e Tenório Telles; o time da Valer – Isaac Maciel, Neiza
Teixeira, Bruna Chagas; amigos velhos, ex-alunos, pessoas que estou conhecendo
hoje... E destaco ainda a presença do mestre Marcos Frederico Krüger, e do
nosso decano Elson Farias, em cujas personas cumprimento a todos os presentes.
Num hipotético país parlamentarista das letras, o Marcos seria o primeiro
ministro e o Elson, o presidente.
Vigésimo
oitavo livro publicado, ainda não me acostumei com o estresse dos lançamentos,
e às portas dos setenta anos, tomo o cuidado de trazer estas breves palavras
pré-escritas, para não correr o risco de gaguejar ou de simplesmente esquecer –
não só o que ia falar, mas o que estou mesmo fazendo aqui?...
E olha
que setenta anos não é pra qualquer um, que o digam os meus amigos Antônio
Paulo Graça, Anibal Beça, Sérgio Luiz Pereira... e Torquato Neto, Paulo
Leminski, Ana Cristina César... e Glauber Rocha, Raul Seixas, Sergio Sampaio,
Cazuza... e Jimi Hendrix, Janis Joplin, Amy Winehouse... Mas, de uma coisa
fiquem certos: com a chegada da velhice, nós aprendemos que não sabemos nada do
que pensávamos que sabíamos quando jovens. Por favor, não me cancelem, isto não
é etarismo; é apenas uma autocrítica. Se não, vejam.
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Professora Neiza Teixeira, que conduziu o evento. |
Entre
os 15 e os 17 anos, estudei o Científico, equivalente ao ensino médio de hoje,
no Colégio Estadual (ou simplesmente Estadual). Ficava vendo de longe os
componentes do Clube da Madrugada que frequentavam o Café do Pina, na praça em
frente – a da Polícia. Moleques, eu e Geraldo dos Anjos ficávamos horas a falar
mal dos “funcionários públicos da literatura amazonense”. Estúpidos, nós dois,
não demoraria muito para tomarmos consciência dessa estupidez. Mas, a juventude,
vocês sabem, não acaba aos 17 anos... É um processo. E de repente vem a
artrose, a artrite, a arritmia, a glicose, as viroses a pressão alta, a pressão
baixa, a falta de... razão... E estamos irremediavelmente velhos.
Folia
no seringal é um
balanço da minha aventura como ensaísta, reunindo doze exemplares da minha
produção no gênero, desde “Maranhão Sobrinho, o místico de Satã”, publicado em
1999, como prefácio de Papéis Velhos... roídos pela traça do Símbolo, na
histórica Coleção Resgate, coordenada por esse mítico guerreiro das Letras
amazônicas, Tenório Telles, até textos escritos nesta década, vinte e tantos
anos passados. E tudo tendo como eixo o Clube da Madrugada, fundado em 1954.
Com este livro, celebramos os 70 anos do Clube.
Folia
no seringal faz um
passeio pela trajetória do Clube, que é o caminho traçado pela literatura feita
no Amazonas, mostrando que há um antes e um depois do Clube da
Madrugada, sendo o durante a própria existência do Clube. Comecemos pelo
princípio.
Mauri Mrq, músico e compositor.
Antes – o ensaio de abertura, “A paisagem
na literatura de viajantes e nativos”, começa com Frei Gaspar de Carvajal, que
escreveu, no seu relato, Descobrimento
do rio de Orellana, a nossa certidão de nascimento; e faz um breve
inventário dos viajantes e nativos que tomaram a paisagem como personagem:
Cristóbal de Acuña (Novo descobrimento
do grande rio das Amazonas), Henrique João Wilkens, o poeta do genocídio (Muraida), Julio Verne (A jangada, 800 léguas pelo Amazonas),
Conan Doyle (O mundo perdido), Raul
Pompeia, autor de O Ateneu, escreveu Uma tragédia no Amazonas, com 17 anos;
Euclides da Cunha (que estava escrevendo Um
paraíso perdido quando foi parado pela bala de um desafeto); Ferreira de
Castro (e o superestimado A selva);
e os amazonenses Octavio Sarmento (A
Uiara) e Violeta Branca (Ritmos de
inquieta alegria).
Destaco,
no já citado “Maranhão Sobrinho, o místico de Satã”, o poeta que, vivendo em
Manaus, na minha Cachoeirinha, e aqui morrendo, foi o autor que logrou maior
reconhecimento nacional na era pré-Madrugada. Nenhuma antologia séria do
Simbolismo brasileiro o ignora.
O
terceiro ensaio, fechando esse grupo, diz ao que veio já no título:
“Romancistas e contistas: a literatura de ficção na Academia Amazonense de
Letras”. Porque sempre tem um incomodado a reclamar que a Academia tem
escritores de menos. E é verdade, mas isso não chega a ser nenhuma catástrofe,
porque os escritores da AAL dominam outros saberes, além da literatura de
ficção. Vejam. Em cem anos de existência, 1918-2018, contam-se 15 ficcionistas,
em um total de 148 acadêmicos; 10%, portanto; o que significa que os outros 90%
dominam outros saberes. E escrevem livros sobre eles.
Tenório Telles, escritor e crítico literário.
Clube
da Madrugada – o
ensaio que abre este capítulo não se isenta de polêmica, em três frentes; duas afirmações
e uma pergunta. Primeira afirmação: o Clube da Madrugada não se constituiu como
um movimento, uma vez que não tinha um programa estético, e sim político. Segunda
afirmação: o Clube da Madrugada não foi o Modernismo no Amazonas. E a pergunta:
até onde vai, cronologicamente, o Clube da Madrugada? Costuma-se dizer, eu
mesmo já o disse várias vezes, que o Clube da Madrugada foi fruto de uma
geração excepcional. Na verdade, foram pelo menos três gerações.
Na
sequência, quatro ensaios sobre quatro autores emblemáticos do Clube: Luiz
Bacellar (Frauta de barro), Astrid
Cabral (Alameda), Elson Farias (Memórias literárias) e Ernesto Penafort
(uma visão geral de sua obra, mostrando que havia muita poesia além do azul).
Esses quatro autores representam as mais de duas dezenas de autores que
gravitaram em torno do Clube.
Eu
lembro que, há exatos 10 anos, em um 9 de março, Eu e o Mauri, juntamente com o
Tenório, o Marcos Frederico, o Alisson, a Nícia e outros amigos, lançávamos na
sede da Academia o livro-objeto Lira da
Madrugada, homenagem aos 60 anos do Clube – aliás, não fomos eu e o Mauri, mas sim o Mauri e eu. O Mauri
cantou, tocou, fotografou, produziu, deu palpite em tudo. Eu só desorganizei as
ideias poéticas, para dar um toque de não sei quê. Parece que faz tanto tempo: até
o conceito de livro-objeto, nestes tempos virtuais, fica difícil de entender.
Vou tentar: eram dois livros e um CD. O CD era um disquinho compacto, um
compact disk... É melhor parar por aqui...
Depois – reunindo três ensaios de autores
que surgiram após o auge do Clube da Madrugada, comenta-se a dramaturgia
amazônica de Marcio Souza – A paixão de
Ajuricaba, Jurupari, a guerra dos
sexos, A maravilhosa história do
Sapo Tarô-Bequê, As Folias do Látex,
Tem piranha no pirarucu e muitas
outras; o romance histórico de Rogel Samuel, O amante das Amazonas; e
três títulos da escritora Márcia Antonelli, que tem a figura de um adulto
portador de nanismo como protagonista e como isso se desenvolve entre o grotesco,
o fantástico e o marginal: são eles O
enterro do anão, O anão do açougue e
O anão trompetista. De novo, quero
deixar bem claro que isso não é capacitismo, até porque os anões de Márcia,
além de protagonistas, são personagens com uma carga trágica muito forte. E foi
isso o que me encantou neles, além da já conhecida capacidade da autora de
engendrar tramas fantásticas. Antonelli representa, no livro, a literatura
produzida no Amazonas neste século 21. É, portanto, o que há de mais novo em
nossa literatura.
Fechando
o capítulo, um ensaio – “Miniconto, microconto, nanoconto, contos são?” – onde
se discute uma tendência minimalista do conto contemporâneo, que chega a usar os
muros da cidade como veículos para o texto, lembrando a Poesia de Muro, teorizada
pelo poeta madrugadense Jorge Tufic.
Por
fim, sempre me têm perguntado “por que Folia no seringal”? Talvez
estranhando um súbito relaxamento na sisudez com que se trata a literatura
sobre a época. Lembro o amigo Márcio Souza, a quem presto todas as reverências
que um discípulo deve ao mestre: a peça As folias do látex, encenada
pela primeira vez em 1976, me deu a senha. Então, eu li o lírico romance do
amigo Rogel Samuel como se fora um desfile carnavalesco, trocando o circunspecto
Bakhtin, teórico da carnavalização, por um glamoroso e feliz Joãosinho Trinta.
Evoé!
O livro é de vocês!
Fotos: diversos autores; obrigado a todos.