Amigos do Fingidor

quarta-feira, 5 de julho de 2023

AAL lança livro póstumo de Anisio Mello





Sobre Anisio Mello, por ocasião do lançamento de Estrela Viva

Zemaria Pinto

 

Como não poderia deixar de ser, começo agradecendo a oportunidade de homenagear o amigo Anisio Mello, no 13° ano de seu desenlace, fortalecendo a ideia de que a imortalidade acadêmica é a permanente relembrança.

Por isto estamos aqui, nesta ensolarada manhã de sábado (espero não errar na previsão do tempo), relembrando o artista múltiplo, o multiartista Anisio – pintor, escultor, músico, compositor, que, como escritor, destaca-se em diversas frentes: ensaio, ficção, folclore, poesia e até um precioso Vocabulário etimológico tupi do folclore amazônico, onde dá continuidade a um trabalho iniciado por seu pai, Octaviano Mello. E, pasmem, Anisio era um inventor de mão cheia...

Luiz Bacellar, que quanto mais velho mais menino ficava, dizia que Anisio, com quem vivia arengando, era a reencarnação de Leonardo da Vinci. Aí mostrava uma reprodução da “Mona Lisa” e, ecoando uma teoria da época, dizia: “vamos tirar a barba do Anisio e ver se ele é ou não o Da Vinci”. Um estudo da época dizia que Leonardo retratara a si mesmo na “Mona Lisa”. Anisio fazia cara amuada e replicava: “este fim de semana não tem café nem jornal...” Era um hábito que os amigos cultivavam no domingo: ler os jornais juntos, com um cafezinho, acompanhado de tapioca e pamonha. Tudo bancado pelo Anisio, claro.

Lembro de uma arenga dos dois que deu um trabalhão para contornar. Um cidadão francês, de passagem por Manaus, enturmou-se com os dois. Só que o Bacellar, a propósito de manter seu francês (que ele dizia “de Paris”) em dia, danou-se a conversar em francês com o novato. Como o francês do bom Anisio era “de Itacoatiara”, o tempo fechou. Os dois “trocaram de mal” e ficaram alguns fins de semana sem ler os jornais juntos...

Mas, estamos aqui para louvar a poesia de Anisio Mello, representada neste Estrela Viva, uma antologia organizada pelo próprio autor e salva dos escombros do esquecimento pelo notável trabalho do pesquisador Roberto Mendonça – que multiplicou a obra do meu querido professor L. Ruas e agora nos revela poemas de Anisio, se não inéditos, perdidos em edições esgotadas.

Chamo a atenção para a capa, que reproduz um quadro do próprio Anisio: um belíssimo exemplar de seu expressionismo abstrato – ele, que pintava desde prosaicas paisagens até quadros como este, de refinado simbolismo e múltiplas leituras.

Exímio sonetista, Anisio escrevia poemas em versos livres e rimas brancas com a mesma facilidade com que cultivava o haicai. Em outras palavras, tinha o total domínio da técnica poética, mas também tinha uma verve, um entusiasmo que passava a sua poesia, caracterizada pelo lirismo, sem pretensões a revoluções estéticas, mas construindo uma obra que encanta e encantará ainda muitas gerações, como no petrarquiano “Lembrança”, de Sexagésima Stella (página 125):     

  

Na lembrança ficaste de permeio

a momentos de amor como te vi.

Foste rosa em meu peito e com receio

a primavera augusta então vivi.

 

Nos teus lábios agora me tonteio

e na luz dos teus olhos refleti

todo um sonho feliz e agora creio

que o amor é como o beijo que senti.

 

Este amor que flutua mansamente

e incandesce a manhã tão de repente,

mais parece o delírio de um adeus.

 

Um dia partirei, quem sabe quando?

lembranças levarei sempre cantando,

com teus lábios impressos sobre os meus...

 

Este – meus amigos, minhas amigas, crianças – era Anisio Mello, um homem simples, um artista completo. Aliás, este é Anisio Mello, pois ele continuará vivo em nossas lembranças...

 

 

OBS: como não pude estar presente, o ex-presidente Elson Farias leu o texto, por ocasião do lançamento do livro, em 01/07/2023.