Amigos do Fingidor

terça-feira, 30 de abril de 2019

A vida em cor-de-rosa – com hífen



Pedro Lucas Lindoso


O trágico incêndio ocorrido na Notre Dame de Paris faz com que a cidade seja lembrada e relembrada. E não existe Paris sem as canções de Piaf. Principalmente “La vie en rose”. A vida em cor-de-rosa.
Nada mais polêmico do que o título dessa linda canção. Ou melhor, a palavra cor-de-rosa. A última reforma ortográfica cassou o hífen dos compostos com três palavras ou mais, como pé de moleque, tomara que caia, testa de ferro e mão de obra. Mas a lei que embasou a reforma citou exceções. Entre elas, cor-de-rosa, pé-de-meia e arco-da-velha. E agora? Lei é lei.
Cor-de-rosa é para meninas e azul para meninos? Sem comentários nesse particular. Há um ditado que diz: “o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?” Nos parece um ditado machista. Considerando-se a polêmica em nível nacional, de que azul é para meninos e cor-de-rosa para meninas. O ditado poderia ser; “o que seria do verde se todos gostassem do amarelo”? Assim ficariam de fora as polêmicas cores azul e rosa, representativas de sexo binário.
Não tenho uma cor favorita. Quem gosta do boi Caprichoso gosta do azul. Quem gosta do boi Garantido gosta do vermelho. Eu sou Garantido, mas não compraria um carro vermelho. Tampouco me recuso a usar um terno azul marinho.
Existe outra polêmica com o cor-de-rosa. Há duas espécies de boto na Amazônia. O vermelho e o tucuxi, de cor cinza. Há muitos anos esteve por aqui um francês chamado Jacques Cousteau. Era um misto de biólogo e oceanógrafo. Veio a convite do Governo brasileiro e patrocinado pela Rede Globo. Teria descoberto o boto cor-de-rosa? Reza a lenda que houve na verdade uma confusão linguística. Rouge em francês significa vermelho. A pronúncia seria parecida com róseo, como os amazônidas chamam cor-de-rosa.
Na época eu morava em Brasília. Pensei que o Monsieur Cousteau houvesse descoberto uma terceira espécie de boto. O boto cor-de-rosa.  Ao retornar a Manaus, escrevi um livrinho: O boto cor-de-rosa e o jacaré do rabo cotó. Fui criticado por chamar o boto vermelho de róseo. Fiz um “mea culpa”. Escrevi outro: A visita dos botos vermelhos às Anavilhanas.  Mas os botos vermelhos continuam sendo chamados, eventualmente, de cor-de-rosa. Depois da famosa canção, a vida em cor-de-rosa, a pantera cor-de-rosa, o futuro cor-de-rosa, os sonhos cor-de-rosa, só nos resta nos conformar que os botos vermelhos serão sempre confundidos e chamados de cor-de-rosa. E com hífen!