João Bosco Botelho
A
doença como MAL é sempre o outro, localizado fora da ordenação desejada, que não
o próprio ser.
Os
modelos sociais colocaram o outro, a doença, sempre absoluto e sobrenatural, acima
e abaixo da terra. A doença, como desordem, aparece como consequência direta
das transgressões do ritmo aceito como bom, podendo ter natureza cósmica, moral
e natural.
A
alternância entre a saúde, a ordem, o bom, o belo (BEM) e a doença, a desordem,
o feio (MAL) produzindo enfermidades é o ponto fundamental e o limite que
continua permitindo a construção do saber médico fora da subjetividade, levando
a edificação do conhecimento do corpo, desvendando lentamente o escondido atrás
da pele.
Esse
extraordinário processo tornou indispensável a presença dos agentes especializados
– médico, curador, benzedor, erveiro, padres e pastores – para observar e
interpretar o MAL, tanto no espaço real quanto no imaginado das relações
sociais. Por essa razão podem ser entendidos como agentes da cura.
Esses
personagens, essencialmente normativos, historicamente têm se comportado como
elos entre o MAL e o BEM, já que é por meio da cura que se dá a passagem da
doença ao sadio. A capacidade desses agentes para desvendar a doença, tornando‑a
visível e curável, dá ao ato da cura a construção mágica, porque se liga às
emoções do subjetivismo do MAL, como antítese da vida.
A
ambiguidade dos saberes dos agentes, técnicos em relação à doença e mágicos com
o paciente, se edifica no discurso bitonal capaz de ser utilizado também como
instrumento de dominação. Isto ocorre porque a doença, por mais insignificante
que seja, representa sempre a antecipação da morte. O agente da cura, como dono
do saber para curar, se coloca entre a vida e a morte.
O principal
instrumento legitimador do poder é o diagnóstico. É através do diagnóstico que
os agentes da cura identificam o MAL para, em seguida, extirpá‑lo. É a precisão
para transformar o subjetivo em objetivo, o imaginário em material, que ampara
as práticas de curas, em especial, as da medicina.
A
medicina se fez como especialização social decifrando os mistérios dos corpos
sadios e doentes em permanentes transformações, tanto no espaço laico quanto no
religioso das relações sociais. A maior
valorização de um ou de outro segmento depende do conhecimento historicamente
acumulado e dominante da sociedade
O
médico, ao diagnosticar o câncer antes de operá‑lo, e o pajé, reconhecendo o
espírito malfeitor para exorcizá‑lo, representam duas medicinas com objetivos
semelhantes e em espaços diferentes: afastar o MAL.