Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A doença como mal: as curas



João Bosco Botelho

 

            A doença como MAL é sempre o outro, localizado fora da ordenação deseja­da, que não o próprio ser.

            Os modelos sociais colocaram o outro, a doença, sempre absoluto e sobrenatural, acima e abaixo da terra. A doença, como desordem, aparece como consequência direta das transgressões do ritmo aceito como bom, podendo ter natureza cósmica, moral e natural.

            A alternância entre a saúde, a ordem, o bom, o belo (BEM) e a doença, a desordem, o feio (MAL) produzindo enfermidades é o ponto fundamental e o limite que continua permitindo a construção do saber médico fora da subjetividade, levando a edificação do conhecimento do corpo, desvendando lentamente o escondido atrás da pele. 

            Esse extraordinário processo tornou indispensável a presença dos agentes espe­cializados – médico, curador, benzedor, erveiro, padres e pastores – para observar e interpretar o MAL, tanto no espaço real quanto no imaginado das relações sociais. Por essa razão podem ser entendidos como agentes da cura.

            Esses personagens, essencialmente normativos, historicamente têm se comportado como elos entre o MAL e o BEM, já que é por meio da cura que se dá a passagem da doença ao sadio. A capacidade desses agentes para desvendar a doença, tornando‑a visível e curável, dá ao ato da cura a construção mágica, porque se liga às emoções do subjetivismo do MAL, como antítese da vida.

            A ambiguidade dos saberes dos agentes, técnicos em relação à doença e mágicos com o paciente, se edifica no discurso bitonal capaz de ser utilizado também como instrumento de dominação. Isto ocorre porque a doença, por mais insignificante que seja, representa sempre a antecipação da morte. O agente da cura, como dono do saber para curar, se coloca entre a vida e a morte.

            O principal instrumento legitimador do poder é o diagnóstico. É através do diagnóstico que os agentes da cura identificam o MAL para, em seguida, extirpá‑lo. É a precisão para transformar o subjetivo em objeti­vo, o imaginário em material, que ampara as práticas de curas, em especial, as da medicina.

            A medicina se fez como especialização social decifrando os mistérios dos corpos sadios e doentes em permanentes transformações, tanto no espaço laico quanto no religioso das relações sociais.  A maior valorização de um ou de outro segmento depende do conhecimento historicamente acumulado e dominante da sociedade

            O médico, ao diagnosticar o câncer antes de operá‑lo, e o pajé, reconhecendo o espírito malfeitor para exorcizá‑lo, represen­tam duas medicinas com objetivos semelhantes e em espaços diferentes: afastar o MAL.