Amigos do Fingidor

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sob a concha da panacarica – estudo 7/8


 

Zemaria Pinto

 

Erotismo e adultério como temáticas recorrentes

 

A grande maioria das narrativas tem um ponto em comum: o erotismo.

Sob a concha da panacarica, A última pesca, O curandeiro, Ingenuidade, O boto, O sonho, O “voyeur” e Nas asas do folclore têm em comum o sexo adúltero, com finais distintos.

No conto que intitula o livro, observamos Rosinha entregar-se, sem qualquer culpa, ao sedutor Roberto:

 

Um vulto, ligeiro e cauto como um gato em telhado, pulou na proa da canoa, bem menor que o batelão de outrora. Sendo pequena, não possuía tolda. Era provida, entretanto, de uma grande panacarica. Para ela, o vulto se dirigiu, agachado, cuidadoso. Levantou a engenhosa cobertura, de leve. Mãos carinhosas puxaram-no. A canoa agitou-se, talvez por ação do banzeiro... E murmúrios sutis misturaram-se com a sonoridade do vozerio vindo de outras canoas e batelões.

 

O marido traído mata o amante, sem revelar o que sabe à mulher, perdoando-a.

Em A última pesca, Eugênio é traído pela mulher, Regina. Ao vê-la com outro, perde a razão, matando os dois amantes. Há um corte na cena adúltera. No final, vemos Eugênio atirar-se para a morte, embevecido pelo chamado de uma Iara com o rosto da esposa morta.

Em O curandeiro, Epitácio procura um charlatão para curar a infertilidade do casal. Entrega, assim, a mulher Júlia aos caprichos do espertalhão:

 

Júlia sonhou sonhos eróticos incríveis. Sonhou que havia adormecido, anestesiada pelas mãos mágicas da secretária-enfermeira e, nesse estado, transformara-se em objeto sexual, e como tal entregue à bestialidade do bruxo e de sua faminta auxiliar que, de repente, adquirira jeitos e formas de indiscutível masculinidade. Depois daquela sequência de posses, que ela não podia evitar, chegava-lhe o marido, desgrenhado e combalido, exigindo-a, também, mandado pela loura para aproveitar o excepcional momento fértil, eclodido, de repente, pela ação da bebida afrodisíaca e das tais massagens especiais. 

 

No conto Ingenuidade, Corina deixa-se levar pelos conselhos levianos das amigas e entrega-se a um admirador.  Bruno, o marido traído, flagra a mulher mas não lhes faz nada. Abandona-a, apenas, entregue ao arrependimento e à culpa, esperando por seu retorno.

Já em O boto, Manduca acha que é traído pelo boto, que teria engravidado sua mulher. Ao final, descobre que o verdadeiro amante de sua esposa Chica é seu amigo Adriano. Resolve abandonar o lar, sem dar ciência que sabe da traição. Leva consigo, entretanto, a vingança calada, o tiro que havia acertado em Adriano, e que o deixara mutilado; tiro acertado por engano, julgando ser o amigo o animal fantástico.

No conto O sonho, Sandra presencia um ato sexual incomum, protagonizado por Roseno e a adúltera Marta: 

 

Ao Roseno não interessava o argumento, julgado  fora de propósito, tanto que, ameaçador, sujeitou a moça e começou a despi-la, com gestos brutais, rasgando o que não conseguia abrir.

Nunca vira algo tão animalesco, sequer assistira, até então, ao vivo e tão de perto, um jogo de querência e negaça, com final perfeitamente sincronizado. Agoniada e ela sim preocupada com possível aparição do marido de Marta, não encontrava forças nem para se mexer, quanto mais para bater em retirada.

 

A cena sensual acompanha a moça:

 

A cena impregnou-se-lhe no corpo e na alma, tanto que, muitas vezes, voltou a revivê-la, em sonhos tumultuados, nos quais ela aparecia, quase sempre na pele de Marta, lutando, bravamente, para escapar ao cerco de um peão, com cara de Roseno, enfeitado da arrogância brutal daquele. Mas, quando sua virtude debilitada, estava a ponto de capitular acordava suarenta e alquebrada pelo esforço da resistência. Contudo, nunca cedera ao apetite carnal do violento varão.

 

Em O “voyeur”,  Ricardo tem o costume de “brechar”  os  outros. É assim que observa o vizinho encontrar-se com uma mulher mascarada, para o ato sexual:

 

O exigente diplomata esqueceu, de repente, que o era e com brilho de fera nos olhos atacou-a. Combate digno de autênticos campeões, com alternâncias e variáveis(...)

Quando o combatente negro se exauriu, a pantera entregou-se aos cuidados do diligente serviçal que lhe devolveu a estranha vestimenta, conduzindo-a depois à porta da mansão, liberando-a.

 

Vem a descobrir que a mulher mascarada é sua esposa Magda, ficando o final em aberto.

O relacionamento de casais, embora não adulterino, ocorre de maneira sensual, como nos contos A lei da selva, A sonâmbula e Quando as árvores falavam.

 Tião e Zefa, de A lei da selva, são protagonistas de uma tórrida cena de amor:

 

O hóspede, apesar de extremamente fatigado acordou, sobressalto (sic) com os sons de beijos molhados e cochichos escorregados por entre as malhas frias da rede do casal(...)

 

Mais adiante:

 

Suaves rumores seguiram-se aos argumentos do Tião. Eram sons abafados de peças de roupa caindo sobre a esteira de cipós trançados. Depois, risinhos mal contidos, explodindo do interior da rede, num doce musical de conquista mútua, acompanhado de tremores e sacudidelas interferindo na quietude das paredes frágeis da barraca rústica. As cordas que atavam a rede rangeram nos caibros e ela começou a mexer-se na cadência dos corpos que se agitavam, frenéticos, num bulício ameaçador da paz da noite e da segurança dos finos esteios de acariquara verde. Pelas frestas das embiras, à guisa de cortina, era fácil observar-se, graças à incidência de feixes coados da fraca luz da lua, os contornos dos corpos agitando-se em ondas macias, num ritmo continuado de busca orgásmica.

 

Em A sonâmbula, Glorinha  finge que está dormindo para seduzir Noronha, que ainda reluta:

          

– Acorde, Glorinha, ande, componha-se. Não há perigo de se assustar; está na cama. Por favor, mande-me sair. Certamente obedecerei, mesmo contra minha vontade.

Mas não obteve resposta.

O beliche rangeu, com o sobrepeso recebido. Mas, nem assim, a sonâmbula acordou.

 

Em Quando as árvores falavam, a jovem castanheira “trai” o velho pretendente com uma árvore mais nova:

 

Viu os ramos mais finos das copas das árvores enamoradas se entrelaçarem. Ouviu os rangidos dos galhos chorando (ou rindo?) pela ação do vento. Identificou-os. Traduziu sons quase inaudíveis: galanteios e escusas, pedidos e negaças, pressão e receios. Depois, observou um suave tremor de folhas secas, ainda úmidas de orvalho, num ponto equidistante dos troncos das duas jovens árvores. Com a bengala, da qual não se separava nunca. (sic) Antíquos afastou as folhas, ferindo de leve a camada de húmus. E sorriu. Duas longas raízes, semi-flutuantes (sic), vindas em sentido contrário, uma de cada tronco, se encontravam, exatamente naquele ponto. Uma, alongada e fina, perfurante, se encaixara na outra, aberta em y (ípsilon), ferindo-a. A seiva escorreu, abundante ....