Zemaria Pinto
Água – A água
ainda será utilizada em vários contos, numa simbologia bastante rica, como nas
histórias relacionadas a seguir.
Em Sob a concha da panacarica, as águas
do Solimões testemunham a sedução de Rosinha, e é sobre suas águas, no interior
de uma canoa, sob a concha da panacarica, que se consuma o adultério:
A
canoa agitou-se, talvez por ação do banzeiro...
É uma imagem romântica de eroticidade, de
vida, embora no mesmo conto transforme-se novamente em túmulo, quando sepulta o
corpo do sedutor, morto pelo marido traído.
Também em A sonâmbula, é no interior de um barco que
ocorre a sedução, no silêncio da noite, quando:
Não
fora pelo poderoso holofote da embarcação varrendo, continuamente, os
canaranais dos baixios do Catalão e em seguida do Solimões (o que pressupunha a
existência de alguém a manejá-lo) dir-se-ia que não havia ninguém acordado, a
bordo.
Em O boto, a água é o suporte do flutuante do ingênuo Manduca,
que acredita que a mulher fora engravidada por um boto. A água é provedora,
amiga de Manduca, tanto que dirige seu destino quando se descobre traído pela
mulher e pelo amigo:
Quieto
como chegara, entrou na canoa, empunhou o remo e saiu macio, rumo ao igapó, dando
um adeus definitivo ao seu flutuante, de tantas recordações.
Haja
adjetivo! – Outra característica observada na linguagem do livro é a
utilização excessiva de adjetivos, o que torna, por vezes, a leitura difícil,
enfadonha, como o leitor poderá observar ao longo da obra. Atrelados aos
adjetivos é comum que venham os chavões, as soluções fáceis, que, de tão
batidas, tornam-se antiliterárias. Aqui, somente para ilustrar nossa
afirmativa, transcrevemos o seguinte trecho, de Curiós:
Estava
ali, pousado num galho fino de cajueiro, exibindo magnífico, seus inatos dotes
de sublimado cantor silvestre.
Anotamos também um fragmento de Ingenuidade:
Olhou,
no infinito da estrada, o ponto longínquo que lhe parecia um vulto. Mas era tão
impreciso, tão pequenino, tão vago... Contudo, grande, muito grande, do tamanho
de sua imaginação, de sua visão distorcida pelo tempo que a distanciava do
objeto que gostaria de ver e ansiava rever. Tão grande que ia da linha do
horizonte às fraldas da imensa cúpula celeste, curvada em todas as direções,
formando um círculo relativamente próximo, mas inatingível.
Para facilitar o trabalho de observação do
leitor, anotamos outros casos, folheando o livro ao acaso:
Rosinha
era uma linda morena de corpo escultural e rosto de princesa. (Sob a
concha da panacarica)
...formas
varonis e másculas de um atleta grego. (Idem)
...provecto
genitor (O delito da bondade)
...manhã
de sol brilhante. (Curiós)
...afinal
ele era másculo e viril, jovem e saudável. (O curandeiro)
...E
a noite desceu compacta e aliciante, envolvente, sedutora, provocante. (Ingenuidade)
...velha
palafita; ...rústico flutuante; ...antiga morada; ...banco tosco; ...madeira
serrada; ...habitações lacustres. (O boto)
E
ficou ali, estática, observando aquele ritual dinâmico, absorvendo os encantos
da inesperada relação e sentindo subir-lhe pelo corpo as labaredas ardentes de
desejos despertos. (O sonho)
...Hás
de pagar caro, prematura adúltera. (Quando as árvores falavam...)
...Enganaste-me,
ingrata... (Idem)
Intocada.
Pura. Maravilhosa. (O sonho de Ana Maria)
Estilo – Os
adjetivos são como tecidos gordurosos no organismo da obra literária. E como
sabemos que gordura em excesso faz mal à saúde, consideramos que o estilo do
autor, tributário do velho e cansado Naturalismo, sofre consideravelmente com esses
excessos.
Revisão – Um livro
indicado para o exame Vestibular deve ter qualidades. Embora o nosso trabalhe
vise, especificamente, auxiliar o leitor na tarefa de ler e compreender o
livro, furtando-nos, portanto, à avaliação crítica, de juízo de valor, não
podemos deixar de anotar que a primeira edição de Sob a concha
da panacarica está eivada de erros de revisão, o que poderá deixar
em dúvida o leitor não muito experimentado sobre o valor literário da obra. Há
que se considerar também que o escritor tem responsabilidades para com a
língua, e o livro, mesmo fora de seu controle no processo de edição, é o
resultado final do seu trabalho. Vamos dar apenas alguns exemplos, unicamente
do primeiro conto, que dá título ao livro, para o leitor sentir a extensão do
problema.
Começa pelo título, que está grafado Sob a concha na panacarica e não “da
panacarica”;
Os homens, estes, pulando de canoa em canoa (...); o
pronome demonstrativo “estes” não tem qualquer função na frase;
Não amava ao rapaz(...)E Rosinha amava a outro(...)
cumprimentou ao marido. Ora, os verbos amar e cumprimentar são
transitivos diretos, não pedem preposição: “não amava o rapaz”, “amava outro”, “cumprimentou
o marido”;
Por que? – em vez de “Por quê?”;
Volto a noitinha para cobrá-lo – falta a crase em “à noitinha”;
super-mãe – em vez de supermãe;
Mas nada disse a esposa – falta a crase em “à esposa”;
(...) libertar-se da incomoda situação – a
situação, na verdade, é “incômoda”;
semi-nu - por seminu
sargeta - por sarjeta
Nas citações apresentadas em nosso
trabalho, os erros de revisão mais grosseiros são sucedidos, entre parênteses,
pela expressão latina sic, que significa “assim”, enfatizando que é assim mesmo que
está no original.