Amigos do Fingidor

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sob a concha da panacarica – estudo 6/8




Zemaria Pinto

 

 

Água – A água ainda será utilizada em vários contos, numa simbologia bastante rica, como nas histórias relacionadas a seguir.

Em Sob a concha da panacarica, as águas do Solimões testemunham a sedução de Rosinha, e é sobre suas águas, no interior de uma canoa, sob a concha da panacarica, que se consuma o adultério:
 

A canoa agitou-se, talvez por ação do banzeiro...
 

É uma imagem romântica de eroticidade, de vida, embora no mesmo conto transforme-se novamente em túmulo, quando sepulta o corpo do sedutor, morto pelo marido traído.

Também em A sonâmbula, é no interior de um barco que ocorre a sedução, no silêncio da noite, quando:
 

Não fora pelo poderoso holofote da embarcação varrendo, continuamente, os canaranais dos baixios do Catalão e em seguida do Solimões (o que pressupunha a existência de alguém a manejá-lo) dir-se-ia que não havia ninguém acordado, a bordo.   
 

Em O boto, a água é o suporte do flutuante do ingênuo Manduca, que acredita que a mulher fora engravidada por um boto. A água é provedora, amiga de Manduca, tanto que dirige seu destino quando se descobre traído pela mulher e pelo amigo:
 

Quieto como chegara, entrou na canoa, empunhou o remo e saiu macio, rumo ao igapó, dando um adeus definitivo ao seu flutuante, de tantas recordações.
 

Haja adjetivo! – Outra característica observada na linguagem do livro é a utilização excessiva de adjetivos, o que torna, por vezes, a leitura difícil, enfadonha, como o leitor poderá observar ao longo da obra. Atrelados aos adjetivos é comum que venham os chavões, as soluções fáceis, que, de tão batidas, tornam-se antiliterárias. Aqui, somente para ilustrar nossa afirmativa, transcrevemos o seguinte trecho, de Curiós:
 

Estava ali, pousado num galho fino de cajueiro, exibindo magnífico, seus inatos dotes de sublimado cantor silvestre.
 

Anotamos também um fragmento de Ingenuidade:
 

Olhou, no infinito da estrada, o ponto longínquo que lhe parecia um vulto. Mas era tão impreciso, tão pequenino, tão vago... Contudo, grande, muito grande, do tamanho de sua imaginação, de sua visão distorcida pelo tempo que a distanciava do objeto que gostaria de ver e ansiava rever. Tão grande que ia da linha do horizonte às fraldas da imensa cúpula celeste, curvada em todas as direções, formando um círculo relativamente próximo, mas inatingível.      
 

Para facilitar o trabalho de observação do leitor, anotamos outros casos, folheando o livro ao acaso: 

Rosinha era uma linda morena de corpo escultural e rosto de princesa. (Sob a concha da panacarica)

...formas varonis e másculas de um atleta grego. (Idem)

...provecto genitor (O delito da bondade)

...manhã de sol brilhante. (Curiós)

...afinal ele era másculo e viril, jovem e saudável. (O curandeiro)

...E a noite desceu compacta e aliciante, envolvente, sedutora, provocante. (Ingenuidade)

...velha palafita; ...rústico flutuante; ...antiga morada; ...banco tosco; ...madeira serrada; ...habitações lacustres. (O boto)

E ficou ali, estática, observando aquele ritual dinâmico, absorvendo os encantos da inesperada relação e sentindo subir-lhe pelo corpo as labaredas ardentes de desejos despertos. (O sonho)

...Hás de pagar caro, prematura adúltera. (Quando as árvores falavam...)

...Enganaste-me, ingrata... (Idem)

Intocada. Pura. Maravilhosa. (O sonho de Ana Maria)
 

Estilo – Os adjetivos são como tecidos gordurosos no organismo da obra literária. E como sabemos que gordura em excesso faz mal à saúde, consideramos que o estilo do autor, tributário do velho e cansado Naturalismo, sofre consideravelmente com esses excessos.

Revisão – Um livro indicado para o exame Vestibular deve ter qualidades. Embora o nosso trabalhe vise, especificamente, auxiliar o leitor na tarefa de ler e compreender o livro, furtando-nos, portanto, à avaliação crítica, de juízo de valor, não podemos deixar de anotar que a primeira edição de Sob a concha da panacarica está eivada de erros de revisão, o que poderá deixar em dúvida o leitor não muito experimentado sobre o valor literário da obra. Há que se considerar também que o escritor tem responsabilidades para com a língua, e o livro, mesmo fora de seu controle no processo de edição, é o resultado final do seu trabalho. Vamos dar apenas alguns exemplos, unicamente do primeiro conto, que dá título ao livro, para o leitor sentir a extensão do problema.

Começa pelo título, que está grafado Sob a concha na panacarica e não “da panacarica”;

Os homens, estes, pulando de canoa em canoa (...); o pronome demonstrativo “estes” não tem qualquer função na frase;

Não amava ao rapaz(...)E Rosinha amava a outro(...) cumprimentou ao marido. Ora, os verbos amar e cumprimentar são transitivos diretos, não pedem preposição: “não amava o rapaz”, “amava outro”, “cumprimentou o marido”;

Por que? – em vez de “Por quê?”;

Volto a noitinha para cobrá-lo – falta a crase em “à noitinha”;

super-mãe – em vez de supermãe;

Mas nada disse a esposa – falta a crase em “à esposa”;

(...) libertar-se da incomoda situação – a situação, na verdade, é “incômoda”;

semi-nu - por seminu

sargeta - por sarjeta
 

Nas citações apresentadas em nosso trabalho, os erros de revisão mais grosseiros são sucedidos, entre parênteses, pela expressão latina sic, que significa “assim”, enfatizando que é assim mesmo que está no original.