Zemaria Pinto
E assim se passaram 12 meses, descontados aqueles 174
dias que se seguiram ao teu estúpido atropelamento. Sou tautológico: todo
atropelamento é estúpido. Mas não percamos tempo falando sobre o que passou e
sobre o que já lamentamos bastante. Os abutres te cercaram o quanto puderam,
mas foram denunciados de público e enfiaram o rabo peludo entre as pernas
tortas.
A magnífica, que te sucede na academia de letrinhas, está sem
tempo para te encarar, adiando a posse, que deverá ser uma peça de péssimo
humor. Com aquela loirice vampiresca, a magnífica é capaz de fazer carreira no
gênero stand up comedy. Afinal, ela não
será eterna na sua reitorice: é preciso pensar no futuro, e ser professora não
é futuro para ninguém. Tu, professor, sempre o soubeste.
Tenho uma novidade: o Hiram emprestou-me um número da serrote,
acho que o 11. Uma descoberta, rapaz. Assinei da 12 em diante, comprei o 1,
pela Estante, e o Mauri repassou-me
os números 2 a 4, que tinham sidos teus. Fico me devendo do 5 ao 10, sem pressa.
Já estou no quarto número, aquele que tem o “comunista” Terry Eagleton falando
sobre fé e razão, fazendo a defesa da... fé. Que mundo doido, bicho.
Quem sempre pergunta por ti é a D. Clara. Sabes que ela é
clarividente? Sem trocadalhos, cliro. Mas ela diz que conversa contigo. Não é maluca?
Não fosse dada à culinária, D. Clara bem que podia ser ficcionista. Aliás, uma outra
tem tudo a ver com a coisa, sim. Tu mesmo dizias que, antes da tua poesia,
serias conhecido pelos teus pratos. Ah, aquela “pescada aberta ao poeta”, nunca
mais...
No cinema não tens perdido muita coisa. Salvo o Django, do Tarantino, de quem não gostavas
mesmo, só bobagens adolescentes e super-heróis broxados, além das comédias cada
vez mais idiotas de sempre. Sentirias saudades dos Trapalhões. Ou dos Três
Patetas, o que dá no mesmo.
Bacana foi ver o povo indo pra rua há uns meses. Sem objetivo
nenhum, claro. Ou com todos os objetivos do mundo, o que é pior. Mas o povo na
rua é mais bonito do quem em casa, idiotizado diante da televisão. Mas
engraçados mesmo eram os editoriais. Todo mundo a favor da “mudança”. Até a Veja, a Globo e A Crítica.
Lembrava aqueles monarquistas apoiando a república do marechal: “é preciso
mudar para continuar como sempre foi”.
No último dia 30, a Panelinha reuniu-se. Era o teu
aniversário e o da Koia. Desnecessário dizer que a conversa girou, durante
horas, sobre as tuas peripécias verbivocovisuais, como diriam os Campos. Não,
não é provocação. Aliás, acabei de ler uma antologia “pessoal”, “de Safo a
Apollinaire”, em tradução do Pignatari. Uma graça. Imagina o Anacreonte, a Safo
ou o Horácio falando gírias contemporâneas. Catzo! Irias adorar.
Ah, rapaz, dia destes estive com o Thiago. Do jeito dele, ele
te ama. Uma furtiva lágrima escapou-lhe ao recitar um poema do Quatro Movimentos – “O meu verso é um fragor: desmoronar-me sinto quando escrevo.” É
de se acreditar naquele aforismo que ele repete com insistência: “A amizade é a
mais alta forma amor.”
Assino embaixo, e me despeço.
Até breve, Dom Luiz.