Amigos do Fingidor

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Mar morto, de Jorge Amado, uma análise 14/14

Zemaria Pinto

5) Linguagem

A linguagem utilizada por Jorge Amado é coloquial e muito próxima da fala popular. Como o narrador nos conta uma história, já o dissemos, como se estivesse conversando com o leitor, prevalece o discurso indireto. Mas o discurso direto, isto é, a expressão dos próprios personagens é recurso muito utilizado, o que dá mais dinamismo à narração.
Mas há duas particularidades que gostaríamos de destacar. Ao contrário de outros livros de Jorge Amado, a fala popular a que nos referimos não dá guarida ao baixo calão, à grosseria gratuita. Pelo contrário, o autor buscou aqui uma linguagem lírica, poética mesmo, que muitas vezes chega a resvalar para o sentimental. Veja, como exemplo, o delírio de Traíra, transcrito páginas atrás quando de nossa análise do foco narrativo. Veja também o mito de Iemanjá e Orungã, transcrito há alguns parágrafos, quando da análise do estilo. Mas o ponto alto dessa linguagem é atingido no primeiro fragmento do capítulo “Contrabandista”, que, por ser muito extenso, nos eximimos de reproduzir. Observe, em paralelo à poesia que emana do texto, a crueldade, melhor dizendo, o naturalismo das brincadeiras do pequeno Frederico.
 
Também ao contrário de boa parte da copiosa obra amadiana, um outro ponto a destacar é a ausência de qualquer referência ao Partido Comunista do Brasil. Melhor dizendo, ausência de qualquer referência política explícita, mesmo quando coloca em cheque a inexistente política trabalhista. A apologia a Besouro, no capítulo “Viscondes, Condes, Marqueses e Besouro”, é a passagem mais “politizada” de toda a narrativa, contrapondo às classes dominantes, representadas pelos títulos de nobreza, a figura mítica do herói popular. 

6) Uma canção

Mar morto, a obra de Jorge Amado cuja análise damos por concluída, mas sem a pretensão de esgotá-la, produziu um das canções mais belas da nossa combalida música popular brasileira. Trata-se de “É doce morrer mo mar", de Dorival Caymmi e, claro, Jorge Amado. É o próprio Caymmi quem conta:

Foi num dia feliz que nasceu a melodia desta canção. Estávamos vários amigos entre os quais os inesquecíveis Érico Veríssimo e Clóvis Amorim reunidos em casa do coronel João Amado de Faria a quem eu tanto queria para um daqueles almoços. Em meio à festa e ao calor da amizade compus a toada sobre um tema de Mar morto, romance dos mestres de saveiro da Bahia. Na mesma hora, Jorge acrescentou alguns versos aos publicados no romance, completando a letra.
(do livro Cancioneiro da Bahia, de Dorival Caymmi)   

 Transcrevemos abaixo a letra integralmente. Você pode observar que no capítulo “Marcha Nupcial” está boa parte dela. Pelo depoimento de Caymmi, percebemos que a música só foi feita depois do livro ter sido publicado. Isto é, Jorge Amado imaginou-a sendo cantada, embora ela não existisse...
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar 

A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim... 

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar 

Saveiro partiu de noite, foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou... 

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar 

Nas ondas verdes do mar, meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá 

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar


Ilustrações: capa da edição italiana de 1989; capa da edição espanhola de 1990; gravura de Emilio Goeldi para Mar morto.