Amigos do Fingidor

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Mar morto, de Jorge Amado, uma análise 13/14

Zemaria Pinto

4) Estilo

Como já vimos no início deste estudo, o chamado romance nordestino é tributário do Realismo. Mar morto vai mais além, apresentando características que nos permitem classificá-lo dentro do Naturalismo. E você deve estar lembrado, caro leitor, que o Naturalismo é a radicalização do Realismo. Se este procura mostrar a realidade, aquele procura esmiuçá-la com rigor científico. Vejamos por quais razões classificamos Mar morto dentro do estilo naturalista.

Determinismo – Desde o primeiro capítulo, antevemos a tragédia de Guma. Se não, vejamos:

Porque eles, o marinheiro e a mulher morena, eram familiares do mar e bem sabiam que se a noite chegara antes da hora muitos homens morreriam no mar, navios não terminariam sua rota, mulheres viúvas chorariam sobre a cabeça dos filhos pequeninos.

(“Tempestade”)

Poderíamos enumerar dezenas de passagens onde se diz que a morte no mar é inevitável. Mas não se trata de simples fatalismo, que se pode traduzir como submissão ao destino. Não. Para aqueles homens a morte está “determinada” pelas suas condições de trabalho. Enquanto não se realizasse o “milagre” de D. Dulce, aqueles homens continuariam a morrer por “acidente de trabalho”.

Cientificismo – O viés psicanalítico do relacionamento de Guma com sua mãe é outra evidência naturalista. Guma sente desejo pela mãe prostituta, não sente “amor filial”. Ele a vê em todas as mulheres do cais e só após conhecer o “amor verdadeiro” de Lívia é que ele se livra daquele desejo doentio. O narrador usa o mito de Iemanjá, numa das passagens mais líricas do livro, para explicar o comportamento de Guma:

Iemanjá é assim terrível porque ela é mãe e esposa. Aquelas águas nasceram-lhe no dia em que seu filho a possuiu. Não são muitos no cais que sabem da história de Iemanjá e de Orungã, seu filho. Mas Anselmo sabe e também o velho Francisco. No entanto, eles não vivem contando essa história, que ela faz desencadear a cólera de Janaína. Foi o caso que Iemanjá teve de Aganju, deus da terra firme, um filho, Orungã, que foi feito deus dos ares, de tudo o que fica entre a terra e o céu. Orungã rodou por estas terras, viveu por esses ares, mas o seu pensamento não saía da imagem da mãe, aquela bela rainha das águas. Ela era mais bonita que todas e os desejos dele eram todos para ela. E um dia, não resistiu e a violentou. Iemanjá fugiu e na fuga seus seios romperam, e assim, surgiram as águas, e também essa Bahia de Todos os Santos. E do seu ventre, fecundado pelo filho, nasceram os orixás mais temidos, aqueles que mandam nos raios, nas tempestades e trovões.

Assim Iemanjá é mãe e esposa. Ela ama os homens do mar como mãe enquanto eles vivem e sofrem. Mas no dia em que morrem é como se fossem seu filho Orungã, cheio de desejos, querendo seu corpo.

Um dia Guma ouviu essa história da boca do velho Francisco. E se recordou que sua mãe viera também uma noite e ele a desejara. Era como Orungã, era um sofrimento que se repetia.

(“Iemanjá Dos Cinco Nomes”)

Instinto O fato de Guma agir por instinto quando se trata de sexo é outra característica que nos conduz ao Naturalismo.

Denúncia – A denúncia das mazelas sociais – das condições subumanas de vida, em decorrência das más condições de trabalho – vem reforçar nossa tese.


Ilustrações: capa da edição brasileira de 2008; capa da edição norte-americana de 1984.