Amigos do Fingidor

sábado, 27 de junho de 2009

Entrevista com a poeta Teruko Oda
(Hilton Valeriano*)


1 – Como ocorreu seu contato inicial com o haicai?

Teruko Oda: Conheci primeiro o haiku (poema escrito em japonês), ainda na infância. Meu pai foi discípulo de Nempuku Sato (emigrante japonês que veio ao Brasil com a missão de “plantar um país de haicai”). Sato foi um mestre itinerante – as reuniões eram realizadas nas casas oferecidas pelos praticantes. Em muitas ocasiões, tive a oportunidade de ajudar minha mãe na tarefa de preparar e servir chá verde e doces caseiros aos amigos de meu pai. São experiências que marcaram a minha infância. A essa época, eu nem imaginava que o haiku pudesse ser escrito em português. “Descobri” essa possibilidade anos mais tarde, por meio dos textos de Millôr Fernandes, publicados na revista O Cruzeiro. Comecei a escrevê-los de forma sistemática entre os anos de 1988/89, a convite de Mestre Goga, ocasião em que passei a frequentar as reuniões do recém fundado Grêmio Ipê em São Paulo.

2 – Quais são as principais características do haicai?

Teruko Oda: Regra geral, definimos o haicai como a menor forma poética do mundo. Composto por dezessete sílabas (ou próximo disso) distribuídas em três versos, seu conteúdo deve estar relacionado a uma das estações do ano. De acordo com as orientações da escola dita tradicional, da qual sou seguidora, eu diria que, na prática, o haicai é uma breve anotação sobre um acontecimento natural: um terceto cujo diferencial reside no modo como o autor registra sua experiência poética. Pela voluntária atitude em ater-se ao essencial, o poeta não explicita os detalhes da emoção ou da sensação vivenciada. Pelo contrário, o autor e seus sentimentos deixam de ser o assunto central do poema para dar lugar ao efêmero, ao transitório, ao que está acontecendo aqui e agora representado pelo kigo (palavra ou termo de estação). Penso que o registro limpo e objetivo de uma sensação muito intensa, onde fugacidade e eternidade se entrelaçam, ao mesmo tempo forte e frágil, e cujo ecoar nas cordas da sensibilidade nos conduz à percepção mais ampla de que “o tempo passa”, é uma das principais características do haicai.

3 – Como você vê a relação da prática do haicai na poesia brasileira? Qual seria sua contribuição?

Teruko Oda: Nesta nossa era globalizada, os meios de comunicação parecem estar sempre presentes no local exato do acontecimento, antes mesmo que o fato ocorra, tamanha a rapidez com que as notícias se tornam universalmente acessíveis. Se por um lado esse avanço tecnológico favorece nossa inserção no disputado mundo dos homens bem sucedidos, por outro, favorece, também, as bruscas mudanças que atropelam os rumos e os interesses dessa mesma sociedade antropofágica em que nos transformamos. Essa necessidade quase compulsória de nos robotizarmos, de nos superarmos em prol de nossa própria sobrevivência, de certo modo nos torna mais frágeis, mais vulneráveis, e nos obriga a repensar valores, a buscar o essencial. O haicai é exatamente isso – uma poesia que vem de encontro às nossas necessidades atuais: despojada, simples e objetiva, que se vale apenas do suficiente. Nesse contexto, parece-me que o haicai é um novo caminho. Uma opção através da qual nos recusamos a continuar inserindo nas três linhas do poema um discurso lírico recheado de sentimentalismo e ‘enfeites poéticos’. Entendo que haicai não é um poema que se resolve por si, isto é, não é apenas produto final. Seu recado vai muito além: é despojamento, atitude consciente de negação do ego, filosofia de vida, valorização do essencial. Não será a busca por esse novo jeito de ser e de estar no mundo, aliada a uma nova linguagem, um grande acréscimo à poesia brasileira? Por outro lado, para compor haicai não é necessário ter nascido poeta, mas é fundamental amar a natureza. Aí sim, está uma das grandes contribuições do haicai, não só para a poesia brasileira, como também para o planeta Terra. Acredito que esse tipo de texto, breve e conciso, favorece o despertar do interesse pela leitura e pela poesia, principalmente entre as crianças.

4 – Quais poetas você destacaria?

Teruko Oda: Acredita-se que hoje existam, entre anônimos e famosos, mais de dois mil haicaístas adultos no país. Entre as crianças, comprovadas pelas inscrições em concursos de haicai coordenados por membros do Grêmio Ipê, o número de praticantes é superior a cinco mil. Nesse universo composto por poetas de todas as idades e tendências, e onde se incluem oito grêmios de haicai em franca atividade, há dezenas de belos poemas que eu gostaria de ter escrito. Então, considerando a possibilidade de cometer injustiças, prefiro não citar nomes.

5 – Poderíamos dizer que existem duas dimensões interdependentes no haicai, a saber, uma dimensão imagística e uma dimensão meditativa?

Teruko Oda: O haicai, por ser sugestão poética (e não produto final como a trova, por exemplo) é um poema que se presta a várias leituras ou interpretações: é um convite a uma viagem, tanto mais rica quanto maior a experiência de vida do leitor junto à natureza.

(*)Publicado originalmente no blog Poesia Diversa.