Inácio Oliveira
Quero estar só com os meus pensamentos e poder morrer em paz. Quero o silêncio de ouvir o sangue nas veias correr. Não me venham, não me chamem, não me tragam novidade nenhuma, anúncios da mais nova invenção, que eu estou por demais cansado e farto de toda novidade. Quero aquilo que é simples e bom, a ínfima felicidade de um lírio nascido ao acaso no quintal, o folhear de um velho livro há muito esquecido. Sou o homem que cumpriu o seu expediente e agora ao sol posto, descansa na sombra.
Em algum lugar, cujo nome o tempo esqueceu, eu nasci um dia; estrada a fora após seguir. Andei por aí quando as noites eram de lua e os dias eram de sol; minha juventude acabou por fazer parte da paisagem, mas foi assim que eu possuí todas as coisas e todos os dias foram meus. Tomei parte nas revoluções (algumas achei belas), mas nada muda, tudo passa e assim de nós há um destino que é calmo e inexorável.
Eu amei, e às vezes também fui amado. Em noites como esta eu dividi minha solidão com as mulheres que eram putas e que vendiam baratos pequenos instantes do paraíso aqui na terra. Gostei de ter sido o homem que esperou por uma mulher em uma tarde de verão: ela veio, eles saíram juntos e foram felizes um instante. Foi bom ter lido Withman e saber-me todos os homens, foi bom ter sido aquele que no teatro também esperou por Godot; uma vez fiquei ainda esperando depois que as cortinas se fecharam e todos se foram, mas Godot não veio. Foi bom ter sido aquele que os amigos foram esperá-lo quando ele um dia voltou.
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Foi bom e triste às vezes sentir o tempo lentamente roer o meu corpo, mas agora eu sei a verdade e a verdade é uma longa clausura, não pode ser dita. Sou um pária e qualquer um pode matar-me, porque eu sei a verdade e a verdade é um silêncio maior; a verdade é uma mulher esperando seu homem que foi comprar cigarros e nunca mais voltou. A verdade é ser o mundo exatamente isso mesmo que você está vendo e o universo, o vasto universo ser apenas um sonho na mente de Deus.