Amigos do Fingidor

domingo, 14 de junho de 2009

Revista Literária - Entrevista com João Bosco Botelho


João Bosco Botelho é um conceituado otorrinolaringologista e professor universitário, viajando anualmente para a França onde dá aulas na Universidade de Paris 7 – Centro Hospitalar Universitário – Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, e faz conferências na Sociedade Francesa de História da Medicina. Mas ele ainda encontra tempo para escrever livros, já tendo lançado, entre outros, História da Medicina: da abstração à materialidade (2004); Medicina e Religião: conflito e competência (2005); e Epidemias, o medo coletivo da dor e da morte (2008), além dos romances Sedução (1995), e Entre as sombras, este ainda inédito, em fase de edição.

Revista Literária – O Sr. é médico, professor universitário e viaja bastante a trabalho. Aonde encontra tempo para o escritor e pesquisador, sim, porque seus livros têm textos profundos e densos?

João Bosco Botelho: O mundo atual requer, de modo muito enfático, maior velocidade em todos os segmentos das atividades produtivas. Na realidade, essa contextualização das relações sociais está atada ao avanço de conjunto tecnológico muito complexo, que inclui com destaque a Internet. Com 60 anos, (in)felizmente, pertenço à geração que está claramente inserida nesse drama, no qual o dia de 24 horas nunca é suficiente. Uns se adaptaram, outros não insistiram na substituição das antigas máquinas de escrever pelo computador. Aliás, o simbolismo dessa troca – máquina de escrever pelo computador – retrata a absoluta premência da velocidade para cumprir os prazos da produção acadêmica.

RL – Sete livros, os sete sobre medicina. Um completa o outro ou o Sr. busca assuntos variados?

JBB: Os dois livros, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Para Estudantes, em 2000, pela EDUA, com a participação de dezoito professores de universidades brasileiras e francesas, e Otorhinolaryngologie et Chirurgie Cervico-Faciale, em 2002, pela Universidade de Paris 7- EDK, França, com mais de cem trabalhos científicos e duas dezenas de pesquisas financiadas pelo CNPq e FAPEAM, publicados em revistas técnicas reconhecidas, são essencialmente de natureza médico-cirúrgica e estão, sim, estritamente relacionados nos conteúdos e idéias teóricas.

Os outros, inclusive História da Medicina: da abstração à materialidade, Medicina e religião: conflito de competência e Epidemias: o medo coletivo da dor e da morte foram tecidos em torno de outras questões dos saberes médicos. Não sei se podemos entendê-los como complementares. Contudo, estão atados ao processo teórico com novas categorias que eu estruturei, nos anos 90: memória sócio-genética, publicado em dois livros: Arqueologia do prazer, Metro Cúbico, Manaus, 1993, e Os limites da cura, Scortecci-Plexus, SP, 1998.
Sob o entendimento da teoria das memórias sócio-genéticas, estritamente de caráter evolutivo, o processo humanizador estaria vinculado na associação de fatores sociais e genéticos, moldando o corpo pessoal e coletivo para fugir da dor e se aproximar do prazer. Esse conjunto abriga duas etiologias das memórias:

1. Memória pré-neocorticais ou resquícios do processo evolutivo, anterior ao Homem sapiens, isto é, antes do aparecimento do neocortex: dor-prazer e sexualidade-cooperação-territorialidade;
2. Memórias neocorticais adquiridas a partir do aparecimento no neocortex (parte do sistema nervoso central exclusivo da nossa espécie) também associado ao pensamento abstrato: Linguagem, ser-tempo, ser-não-tempo, relacões médico-míticas e dor-histórica.

RL – Fale um pouco sobre os seus livros e o que pretende com eles?

JBB: Os de natureza médica e técnica se destinam aos meus alunos da graduação e pós-graduação (Residência médica, mestrado e doutorado). Os outros são reflexões do pesquisador em busca das incontáveis respostas para compreender melhor em qual dimensão da matéria o normal se transforma em doença (se é que existe a doença como a compreendemos hoje).

RL – O Sr. também tem um lado romancista e já prepara o seu segundo romance. Fale sobre Sedução, o primeiro deles.

JBB: O primeiro romance, Sedução, foi artesanal. O contexto está composto por personagens expressando diferentes seduções, uns honestos, outros desonestos. O cenário se desenrolou numa cidade amazônica fictícia denominada Acará. Na época, apesar de estar zangado com muitos aspectos das relações sociais, consegui expressar a sedução dos homens pela política, pela religião, pela sexualidade e pelo dinheiro. Mas, valeu a pena.

RL – E Entre as sombras, ainda inédito?
JBB: Esse me parece mais maduro. Contudo, como sou um cirurgião, o esforço para conseguir construir a trama romanesca tornou-se quase dolorosa. A estrutura ficcional foi escrita em três meses. Porém, quase um ano se passou antes de considerá-lo finalizado.

Apesar de não haver datas explícitas, o contexto desenrola-se em Manaus, nos anos 60. Na instalação da Zona Franca, os novos-ricos, as mazelas da expansão urbana, o Clube da Madrugada... Os personagens principais são quatro mulheres. Salvo uma delas, a que traçou os objetivos de vida inseridos no contexto social da época, as outras, ao contrário, são duramente machucadas, pelas escolhas ou pelas circunstâncias.

(A Revista Literária é produzida pelo escritor Evaldo Ferreira e circula somente via e-mail; solicitações para evaldo.am@hotmail.com) .