Amigos do Fingidor

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Amazônia, o paraíso perdido do haicai?

Zemaria Pinto[*]


Talvez me precipite, mas me parece que existe uma tradição de cultivo do haicai entre nós; pelo menos, em Manaus. Quisera poder dizer na Amazônia, esse lugar mítico que esconde tantos mistérios. E a linguagem do mistério é a mesma da poesia. Mas, estaria sendo leviano, porque não conheço outros cultores fora da capital do Amazonas, além dos amigos poetas Eliakin Rufino e Isaac Melo – representando Roraima e Acre.

Essa tradição aproxima-se dos setenta anos – ou, dependendo do ponto de vista, dos cem anos. Mas, um retrospecto da prática do haicai não pode se restringir a um mero “ouvi dizer”. Eu mesmo já fui acusado de afirmar que “tudo começou com o livro Crisântemo de cem pétalas, de Luiz Bacellar e Roberto Evangelista, publicado em 1985”. Essa falácia está registrada em um livro festejado, que eu não cito em detalhes por delicadeza. Afinal, por que a guerra, que só beneficia a quem a provoca, se a paz é um bem para todos?

Mas, devo admitir que, assim como dezenas de meus pares, acreditei piamente, durante muito tempo, que o introdutor do haicai no Amazonas fora mesmo o amigo Luiz Bacellar, mas no livro Frauta de barro, de 1963, onde constam dez haicais, que passaram a doze na segunda edição. E Bacellar jamais negou isso. A partir da terceira edição, os haicais foram eliminados. Autocrítica?

 

O mar está bravo e bate

bate; e, levantando espuma

canta nos rochedos.

(p. 85)

 

Esse pecado coletivo se desfez com o tempo. O livro As horas lentas, de 1930 (2002, 2ª ed.), de Raimundo Monteiro, traz seis tercetos aos quais o autor chamou de “Utas” – uma forma chinesa, adotada no Japão como “waka”, que é simplesmente “poema”. O primeiro waka foi escrito pelo kami (deus) Susanoo, dedicado a sua noiva como presente de bodas. Raimundo Monteiro escrevia como um haijin, mas pensava como um romântico:

 

Morre, em surdina, a toada

De uma viola magoada...

– Penso na minha Amada.

(p. 58)

 

Em 1957, Benjamin Sanches, que se consagraria contista seis anos depois, publicava Argila, onde se destaca uma seção de três poemas, intitulada “Hai-kais”. Sanches bebe na fonte guilhermina:

 

Banhando-se nua,

No rio treme de frio,

A pálida lua.

(p. 125)

 

Volto no tempo, para desfazer mais uma falácia. Muita gente boa credita ao ensaísta Samuel Benchimol, merecedor de toda a nossa consideração, como o introdutor do haicai no Amazonas. No livro Nova Terra da Promissão – A Amazônia de Samuel Benchimol (2010), o poeta, ficcionista e ensaísta Elson Farias afirma, com clareza:

 

[Samuel Benchimol] deixou uma coletânea de versos organizada em 1942 e intitulada Versos dos verdes anos, até hoje inédita. (p. 38)

 

Uma outra fonte, que defende ser esse o marco introdutório do haicai no Amazonas, informa que, em livro de 2001, Benchimol assinala que o subtítulo da obra (que seria futuramente citada por Farias) é “Poemas e haicais escritos no período de 1942-1945 (inédito)”. Desconsiderando-se as confusões com as datas, pergunta-se: se era inédito até 2001 – quiçá, 2010 –, quem leu antes, além de uns poucos ungidos por Benchimol? E leu um rascunho, talvez um manuscrito, não uma publicação.

Raimundo Monteiro ou Benjamin Sanches – isso ainda vai dar muita discussão, mas não temos pressa –, o que sabemos com certeza é que não foi o professor Benchimol nem tampouco o poeta Bacellar os introdutores do haicai no Amazonas.

Os quarenta anos seguintes a Argila foram pródigos no aparecimento de cultores do haicai, entre os quais, de memória, destaco Jorge Tufic, Anísio Mello, Ronaldo Bonfim, Anibal Beça, Simão Pessoa e até o locutor que vos fala, além dos já citados Bacellar e Evangelista. Na virada para o século 21 nasce o Grêmio Sumaúma, que tem vida efêmera: apenas um ano de atividade. Mas, revelou muitos autores, entre os quais, sempre correndo o risco de esquecer alguém, cito Rosa Clement, Dedé Rodrigues, Grace Cordeiro, Urdapilleta Sanches, Sergio Luiz Pereira e um pessoal que, quase 25 anos depois, ainda lavra a seara do haicai: o grupo intitulado CLAM – Clube Literário do Amazonas, sob a liderança de Nelson Castro. O grupo, aliás, lançou este ano o livro Kigo, com poemas de quatro de seus componentes, e já prepara uma nova coletânea.

Em paralelo, o trabalho realizado na UFAM, pelo professor Cacio José Ferreira e outros, nos faz acreditar que aquela tradição referida no início segue “de vento em popa”, para usar uma imagem bem nossa. Lembro Casulo de imagens: a poesia japonesa no Amazonas (2017), bela coleção de análises de autores e haicais, organizada pelos professores Cacio José e Rita Barbosa de Oliveira. Na orelha do livro, o professor Cacio reafirma a ideia de que a Amazônia é especial para a prática do haicai.

 

O leitor compreenderá que o haicai amazonense revela uma natureza peculiar, não deixando, porém, de portar a universalidade da poesia. Ao contrário, intensifica, diante das variadas imagens amazonenses, o desdobrável e tradicional gênero poético japonês.

 

Este livro que o leitor tem em mãos faz parte desse trabalho, trazendo à luz composições inéditas, onde encontramos nomes conhecidos, como dos professores Cacio e Guedelha, e uma maioria de, imagino eu, iniciantes que demonstram firmeza no uso da técnica e na execução da tarefa.

Para finalizar, permito-me comentar um pouco sobre a forma haicai. Existem muitas teorias para definir o que pode e o que não pode nas linhas e entrelinhas de um haicai. Mas o que vale para nós, pobres mortais, não vale para Paulo Leminski ou Millôr Fernandes, por exemplo. Feita essa constatação, pego a contramão:  quanto mais à vontade, mais Milorinski ou Leminslor, quanto mais libertário, mais você vai se aproximar da essência do haicai.

O rigor técnico vem com a elegância no domínio da linguagem. A técnica do “empilhamento de versos”, por exemplo, deve ser usada com cuidado, pois enrijece a composição. O poema deve fluir em uma frase ou duas. Veja este exemplo tirado de U. Sanches, no livro Poesia minimal (2013):

 

Tarde chuvosa

escondida nos bambus

a orquestra dos sapos

(p. 35)

 

Um pântano, a tarde chuvosa, eram as informações do haijin. Que sensações ele extrai de tão pouco? O primeiro verso exprime a melancolia do momento: uma tarde de chuva. Não está dito, mas infere-se, é fim de tarde e os primeiros sapos começam a cantoria. O poeta lírico certamente puxaria pela memória e faria uma relação daquele momento com algum sentimento recôndito. O haijin limita-se a registrar o momento, com os recursos que um fotógrafo ou mesmo um pintor não disporiam. Um cinegrafista, talvez. Mas não conseguiria, contudo, passar a mesma sensação que o poeta, porque ao leitor cabe compor a imagem e imaginar os sons que ela evoca, tornando-se cúmplice na criação. Esse leitor, se tiver alguma intimidade com a paisagem, despertará todos os sentidos: sentirá a chuva molhando sua pele; ouvirá o ruído da chuva e a música da saparia; perceberá o cheiro que emana daquele paul; sentirá na boca o gosto daquelas sensações todas; e sobretudo verá com todas as cores aquela paisagem cinza. Masum sexto sentido, que é um atributo do haijin: a percepção do que não é evidente, a intuição de que aquele momento único, que não irá se repetir jamais, é um poema, que ele, com seu poder de concisão, registra em nove palavras.

 Acrescente-se que o poema de Sanches foi construído em duas camadas: uma, refletindo a condição geral do poema, normalmente identificando com o kigo, isto é, o elemento do poema que define a estação na qual ele foi escrito; e outra refletindo o efêmero, o instante, a experiência jamais sentida. Flagrante de um momento único, o haicai é um poema tão concentrado, que, por muitas vezes, nem percebemos a poesia nele entranhada. Daí que o desapego às regras proporciona maior liberdade, resultando em maior concentração. O haicai é isso: uma explosão de sensações, porque, enquanto o lírico trabalha sentimentos, o haijin revela sensações.

Concluo, agora sim, conclamando a todos para fazer do haicai um instrumento a serviço da natureza, visando ensinar a paz e criar uma consciência de mudança comportamental e não negacionista nos jovens e, principalmente, nas crianças: o mundo está em perigo e a poesia pode ser usada para chamar a atenção disso. Vivemos no âmago da maior floresta tropical do planeta, o que nos lembra a enigmática e talvez profética sentença de Euclides da Cunha:

 

A Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis.[2]


***

 Apresentação do livro Vento na folha de bananeira, que você pode obter, em PDF, à sua direita.



[*] Zemaria Pinto é escritor, com 28 livros publicados em gêneros diversos, incluindo dois de haicais: Corpoenigma (1994) e Dabacuri (2004). Membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, é mestre em Estudos Literários, pela UFAM. Na década de 1990, foi professor, na UFAM, entre outras matérias, de Literatura Amazonense.

[2] CUNHA, Euclides. Prefácio de Inferno verde, de Alberto Rangel. In: Amazônia – Um paraíso perdido (seleção de textos amazônicos). Manaus: Valer, 2003, p. 354. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A poesia é necessária?

 Missa Negra


José Juan Tablada (1871-1945) 


Noite de sábado! Calada

está a terra e negro o céu,

palpita em minha alma uma balada

de doloroso ritornelo.


O coração sangra ferido

pelo cilício das tristezas

e corre o chumbo derretido

da neurose em minhas veias.


Amada, vem! Dá a meu rosto

o edredom do teu regaço

e a minha loucura, docemente,

leva à prisão do teu abraço.


Noite de sábado! Em tua alcova

paira um perfume de incensário

o ouro brilha e a caoba

tem penumbras de santuário.


E além, no leito onde repousa

teu corpo branco, reverbera

como custódia esplendorosa

tua desfeita cabeleira.


Toma o aspecto triste e frio

da enlutada religiosa

e com o traje mais sombrio

veste tua carne voluptuosa.


Com o murmurinho das preces

quero a voz da tua ternura,

e com o óleo dos meus beijos

ungir de Deusa tua beleza.


Quero trocar o beijo ardente

dos meus versos de outros dias

pelo incenso reverente

das sonoras litanias.


Quero nos degraus de teu leito

dobrar tremendo o joelho...

fazer de altar o teu peito 

e de tua alcova a capela.


E celebrar febril e mudo

sobre teu corpo sedutor

pleno de essências e desnudo

a Missa Negra do meu amor!


(Trad. Zemaria Pinto)


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A casa do Poeta

Leyla Leong


Jardim Yolanda , rua B, Q 2, casa 2, bairro Parque Dez de Novembro, Manaus, Amazonas.

Num final de rua, próximo a uma curva, altos pés de bambu escondem a parede. Um portão de ferro vazado em pequenos quadrados interrompe o verde.

Entrando, à direita, o consultório da psicanalista Eugênia Turenko, mulher do poeta Anibal Beça. Entrei naquele consultório uma única vez. De cara senti a força da presença de Eugênia dominando o ambiente. “Uma rainha, pensei, em seu castelo”.

A meia-luz foi aos poucos revelando cores e objetos. Em determinado momento abaixei o olhar e me emocionei: Eugênia havia posto em destaque, em uma mesinha, caixinhas de cerâmica feitas por mim. “Foi o Nibito que me deu de presente”.

A casa se projeta para baixo, de forma que ao nível da rua ficava o consultório e um pequeno hall onde os pacientes esperavam para ser atendidos. A pedido de Eugênia preparei um pequeno canteiro feito com lírios da paz em vasos sobre pedras. Descendo, uma rampa leva a dois amplos espaços.

Num deles, grandes chaises-longues amarelas, uma mesa com tampo de vidro e cadeiras de ferro e vime. As paredes estão cobertas inteiramente por grandes telas, entre as quais a mais impressionante de todas, de Van Pereira, em tons dramáticos de amarelos e marrons.

Dali divisa-se a piscina onde o vento balança o trapézio usado para as sessões de hidroginástica de Eugênia. Um pátio de pedras leva ao jardim por onde ela guiava os amigos para exibir orquídeas, bromélias e árvores frutíferas.

Aos sábados pela manhã, quando a visitava, ela me levava para passear no jardim e me contava as novidades das plantas. Algumas haviam morrido, outras estavam floridas, outras precisavam de poda, outras estavam cheias de frutos... dizia, acelerando a cadeira de rodas com o Cedê ou a Filuca olhando tudo de dentro de uma cestinha.

Ao lado da primeira sala, o espaço prossegue em abertura até a sala de jantar, onde uma mesa se oferecia para até oito amigos sentarem. De uma das cabeceiras Eugênia me ensinou a fazer o autêntico strogonoff, com direito a degustação. Sobre aquela mesa comi carneiro, porco e até um arrozinho simples com cenoura que ela mandou fazer na hora, porque eu estava doente.

Os cachorrinhos ficavam ao lado da mesa, à espera dos pedacinhos de comida que ela lhes dava no seu próprio garfo. A primeira vez que vi aquilo me atrevi a fazer um comentário. Eugênia fingiu-se ofendida e me veio com esta: “se duvidar eles são mais sadios do que muita gente!”...

Encostada à parede, uma cristaleira exibe peças avulsas de louças e porcelanas trazidas da Croácia para o trópico úmido na bagagem da elegante e enigmática Dona Ana (mãe da Eugênia), lembrava a doce infância e os antigos tempos.

A sala dá para um pátio a céu aberto, revestido de tijolos aparentes intercalados de orquídeas, bromélias e hera. Ali se reuniam os amigos à espera do jantar e depois dele, esticando conversas. Esse pátio me lembra os réveillons do casal, para os quais tinha um convite “permanente”.

Vi chover, fazer sol e anoitecer naquele pátio. Num desses dias ela me convidou para escrevermos um livro juntas. “Uma história para crianças, propôs, inspirada em algumas lendas russas”.

Um corredor leva à parte íntima da casa, com escala no gabinete de Anibal, onde os livros tomam conta do espaço desordenadamente. Sentado diante do computador onde passava a maior parte do dia, não parecia difícil localizar qualquer obra à qual estivesse se referindo no momento. Era só dar um empurrãozinho na cadeira, fazer uma pequena torção e pronto, o livro estava na mão para mostrar a você.

Nas paredes, fotos, caricaturas e quadros faziam companhia ao poeta nas suas longas horas de criação. Não se tratava de quadros meramente decorativos nem havia propriamente uma programação visual. Era algo que transcendia a estética; puro sentimento, pois todos faziam referência a amigos, momentos, lugares próximos ao coração do poeta.

Naquele pequeno universo pleno de ideias, livros, frases, bilhetes, dicionários e papéis movia-se o grande corpo do poeta e a sua imaginação, a desaguar poemas, livros inteiros, estrofes, artigos, e-mails, telefonemas, músicas......

Certo dia, ali no escritório, Anibal me contou que a cantora que iria interpretar uma música sua no Fecani não tinha uma roupa apropriada para a ocasião. No dia seguinte apareci na casa dele levando o meu pretinho de grife para dar mais brilho à interpretação da moça. A menina fez bonito, a música foi vencedora e eu nunca mais vi o meu vestido.

No dia em que o Serafim o convidou para ser presidente do Conselho Municipal de Cultura ele me ligou, suponho que do seu escritório. Estava muito feliz, falou dos seus planos e me convidou para trabalhar com ele. Por algumas dessas “razões” políticas que ninguém entende, a minha nomeação nunca saiu, mas participei de todas as suas vitórias.

Perto dali, o dormitório do casal podia transformar-se em sala de visitas, dependendo da intimidade e do momento.

Quando a Eugênia fraturou algumas costelas, por exemplo, o quarto virou sala de muitas conversas. Deitados com ela na cama Cedê e Filuca ouviam tudo calados. Em uma das minhas visitas Eugênia abriu uma caixinha de onde tirou o seu colar de âmbar. “Veio da Rússia!”, comemorou. Pequenas coisas! Pequenas lembranças de dois grandes amigos.



terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Amar os livros


Pedro Lucas Lindoso


Há com certeza uma academia de letras em cada unidade da federação. Inclusive no Distrito Federal. No Rio de Janeiro, onde fica a sede da Academia Brasileira de Letras, existe ainda a Academia Fluminense e outra em Niterói. 

Além das prestigiadas academias estaduais, existem Brasil afora associações, grêmios e clubes literários. Alguns desses clubes e associações se autodenominam também de academias. Isso parece incomodar. Mormente alguns escritores que pertencem àquelas pioneiras e legítimas academias estaduais.

O Distrito Federal é uma unidade da federação onde não há municípios. Existem cidades satélites como a próspera Taguatinga. Alguns membros da Academia Brasiliense de Letras não viram com bons olhos a criação da Academia Taguatinguense de Letras. Eu penso que seria ótimo se cada município brasileiro tivesse, além da prefeitura, da Igreja e da Câmara Municipal, a sua Academia de Letras.

Outra polêmica grande é quem está qualificado para entrar nas academias. Moacyr Andrade foi um grande artista plástico e um festejado membro da Academia Amazonense. É certo que publicou livros. Mas sua grande contribuição para nossa cultura foi nas suas maravilhosas telas. Fernanda Montenegro, ícone da cultura nacional, foi eleita, merecidamente, para a Academia Brasileira de Letras. Escreveu um livro. Mas certamente será eternamente lembrada pelos seus filmes, novelas e peças de teatro.

Em Manaus temos vários clubes literários. Há intelectuais que acham que essas associações agasalham alguns sem a necessária qualificação para serem escritores. Nem todos os membros do Clube da Madrugada se destacaram como grandes escritores. Alguns, entretanto, se tornaram bastante conhecidos no Brasil e exterior.

Clubes e associações literárias sempre existiram. Jefferson Péres, em seu livro Evocação de Manaus – como eu a vi ou sonhei, nos fala do Clube da Madrugada. E lembra que existiu a República Livre do Pina, a Colmeia, que deu origem ao PTB, e muitas outras. Menciona ainda a Sociedade Castro Alves. Relata que no Grémio Álvares de Azevedo houve uma briga com dissidência. Alencar e Silva, José Cidade e Roberto Jansen saíram para fundar a Sociedade Amazonense de Estudos Literários – SAEL. Nenhuma dessas sobreviveu.

Pouco importa se são associações, grêmios, sociedades, clubes ou miniacademias, como os definiu Jefferson Péres. Para fazer parte, estude, frequente, participe, escreva e publique. O mais importante é amar os livros e a literatura.


domingo, 1 de dezembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCIX

José Maciel, Moacir Andrade, L. Ruas e (na extrema direita) Elson Farias
ladeiam jovens componentes do Clube da Madrugada.



 

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

 

Para Fernando Pessoa

Guimarães de Paula (1932-1996)


Foste vários poetas

mas eles sempre foram tu, Fernando:

Ricardo – o clássico,

o libertário Campos,

o Caeiro bucólico e

outros mais que nos amplos

paraísos da tua criação

nos mantêm te amando,

ó grande poeta irmão,

pois, chorando ou sorrindo

(quer de verdade ou fingindo),

não sabemos se és tu ou os outros

que neste poema estás ou estão!



terça-feira, 26 de novembro de 2024

Hoje eu quero hoje

 Pedro Lucas Lindoso

 

Preciso falar sobre o hoje. O aqui e agora.  Porque o passado já é história. O passado é imexível. O que passou passou.

Ficar remoendo tristezas do passado. Para que? Tristezas não pagam dívidas. Numa acalorada discussão, um dos desafetos intimidou o outro ameaçando-o revelar seu passado. Quanta covardia. O passado de cada um é personalíssimo. Há que ser respeitado e preservado.

Os sábios nos aconselham a não remoer fatos pretéritos que possam trazer dor e ressentimentos. Em Inglês se diz: “let bygones be bygones”. Em tradução livre, equivale a águas passadas não movem moinhos.

Também não quero me ater ao futuro. O que será o amanhã? A música nos desafia a responder. O que está por vir. As possibilidades. Planos. Sonhos. Mas tudo são incertezas.

Sabemos que o passado influencia o presente. O presente molda o futuro. O futuro é construído sobre o passado e o presente.

Refletir sobre esses conceitos pode nos ajudar a aprender com erros e acertos e valorizar o momento presente. Porque o futuro não existe e a Deus pertence.

O hoje. Esse sim é o que importa. As coisas presentes. O tempo presente. O presente, o momento atual. É onde estamos agora. É o ponto de intersecção entre o passado e o futuro.

Quero louvar a instantaneidade. Quero ater-me ao que está acontecendo agora. Quero a realidade. O que posso ver, ouvir e sentir agora.

Preciso apreciar este momento. Preciso viver intensamente. Preciso também ser grato. Perdoar. Valorizar o que tenho.

Quero que o hoje me oportunize para mudar, para crescer e superar obstáculos.

Quero o hoje para inspiração. Para criar. Inovar e fazer poesias e crônicas.

Parafraseando Dolores Duran. Hoje eu quero rosas. Quero as rosas mais lindas. Rosas que exalam perfumes. Para enfeitar e perfumar o hoje. O meu hoje. O hoje dos meus amores. Da minha família. Dos amigos.

 

domingo, 24 de novembro de 2024

FLIM – Festival Literário de Manaus: Entre rios e palavras

 








Manaus, amor e memória DCXCVIII


Teatro Amazonas, no final do século 19.

 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

O poeta veste-se

Luiz Bacellar (1928-2012)


Com seu paletó de brumas

e suas calças de pedra,

vai o poeta.


E sobre a cambraia fina

da camisa de neblina,

o arco-íris em gravata

vai atado em nó singelo.


(Um plátano, sobre a prata

da água tranquila do lago,

se debruça só por vê-lo).


Ele leva sobre os ombros

a cachoeira do lago

(cachecol à moda russa)

levemente debruada

de um fino raio de sol.


Vai o poeta

a caminhar pelas serras.


(pelos montes friorentos

mal se espreguiça a manhã)


com seu pullover cinzento

(feito com lã das colinas)


com seus sapatos de musgo

(camurça verde dos muros)


com seu chapéu de abas largas

(grande cumulus escuro).


Mas algo ainda lhe falta

para a elegância completa:


súbito para, se curva,

num gesto sóbrio e perfeito,


um breve floco de nuvens

colhe e prende na lapela.

 


terça-feira, 19 de novembro de 2024

A justiça inglesa


Pedro Lucas Lindoso


          O triste evento ocorrido em 2015 na cidade de Mariana, foi, sem dúvida, o maior desastre ambiental ocorrido no Brasil. Destruiu a biodiversidade de áreas de preservação e a vegetação da Mata Atlântica.  

          A tragédia resultou na morte de pessoas e afetou diversos municípios e reservas indígenas. O Rio Doce ficou extremamente poluído. A fauna e a flora da região foram brutalmente impactadas.

          Os processos na justiça brasileira se arrastam desde 2015. Então, as vítimas entraram com um processo perante a justiça inglesa. A ação é uma das maiores do mundo. O judiciário inglês iria julgar uma indenização aos municípios e pessoas afetadas pelo rompimento da barragem, avaliada em R$ 267 bilhões. O principal argumento da ação na Inglaterra é que esse tipo de questão não costuma ser resolvido no Brasil.

          O STF – Supremo Tribunal Federal, temendo que o judiciário inglês resolvesse a questão, impondo um grande vexame à nossa justiça, ajudou a encetar o acordo. O presidente da Corte, ministro Barroso, reconheceu que o Brasil tem um histórico de desastres ambientais mal resolvidos. Na sua opinião, caso a ação na Inglaterra chegasse a uma conclusão antes do judiciário brasileiro, seria um atestado da incapacidade da justiça do Brasil.

          O fato e que finalmente as vítimas serão indenizadas.  Graças à justiça da Inglaterra. Meu avô Phelippe Daou e dois irmãos emigraram do Líbano para o Brasil no início do século passado. A única irmã deles, chamada Amine, como minha mãe, emigrou com o marido para a Nova Zelândia. 

          Tia Amine e o marido Francis optaram por um país de colonização inglesa. Achavam que a justiça dos ingleses era melhor. Nova Zelândia é um país de primeiro mundo. O judiciário lá é baseado na justiça da Inglaterra. Tia Amine e o marido tinham razão. As vítimas de Mariana também. Loas à eficiente justiça inglesa.


domingo, 17 de novembro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCVII


Membros e simpatizantes do Clube da Madrugada, reunidos ao pé do mulateiro.
O CM foi fundado na madrugada de 22/11/1954.

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

Poemas

Jorge Tufic (1930-2018)

           

                       I                                                                    

Amo arrumar palavras. Porque sei

que há traças percorrendo

em rios os papéis.


Coisa difícil é dar. Difícil

como saber se damos quando damos

ou tiramos quando tiramos.


Mas as traças são cegas.

Cega a vontade de morrer

mais cega a de escrever.


Palavras são sangue, mesmo

as que gravadas sem propósito.

E ninguém mais do que as traças

sabe disso.


                      II

Ouvi um chamado distante,

sem voz. Em seguida a surpresa

de assistir à queda de um ovo

pintado com as cores do arco-íris.


– Algum anjo brincalhão

Querendo tirar barrigada.


Depois outro ovo e mais outro,

tantos, de tantas cores,

que ao chegar em meu quarto

estava transfigurado. Decerto

não atendi ao chamado da poesia... 


                   III

O poeta vai pela rua.

Ninguém está vendo o poeta

porque o poeta é transparente.


O poeta atravessa a ponte

o poeta desfolha a rosa

o poeta contempla o mar.


Ninguém está vendo o poeta.

Mas duvido que ninguém sinta

a sua presença abstrata.


 


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Malu conhece Libras

Pedro Lucas Lindoso

 

A minha netinha Maria Luísa, a quem chamamos carinhosamente de Malu, é muito inteligente e observadora. Além de ser bonita e simpática, é claro. Malu e sua irmã Maria Helena estavam assistindo a uma apresentação teatral na Feira do Livro do SESC.

No lado esquerdo do palco, vestida de preto, havia uma intérprete de Libras. Malu quis saber se aquela moça fazia parte da peça. Explicou-se que há crianças e adultos que não ouvem. São pessoas com deficiência auditiva. Os surdos. Eles precisam e têm o direito de entender o teatro. Daí a necessidade e a obrigação de ter os intérpretes de Libras nesses eventos.

Malu então ficou sabendo que Libras significa Língua Brasileira de Sinais. Trata-se de um idioma gestual-visual. Muito importante para a comunicação entre pessoas com deficiência auditiva. Explicamos que a Libras é fundamental para a inclusão de pessoas surdas.

Malu achou que deviam explicar para as crianças na escola o que é Libras. E que deveriam ensinar Libras para mais pessoas. Demos os parabéns para Malu. Se mais pessoas soubessem Libras ficaria mais fácil a inclusão dessas crianças nas escolas. E também ajudaria muito a comunicação dos surdos, proporcionando maior interação deles com a sociedade.

Malu ficou muito curiosa em saber como era essa língua. Explicamos que Libras é composta por um alfabeto e gramática próprios. Os sinais são formados pela combinação da forma e do movimento das mãos, expressões faciais e outros movimentos corporais.

Malu perguntou se poderia ser tradutora de Libras. Claro que sim. Um professor de Libras nos explicou que tradução e interpretação são diferentes.

A tradução se dá quando o tradutor tem acesso ao áudio, vídeo ou texto previamente e assim os traduz. Já na interpretação o processo é simultâneo. A interpretação é feita “ao vivo”, como no evento em que a Malu aprendeu sobre Libras. Lembrou-se que há essas interpretações na TV e em muitos outros locais.

Malu aprendeu ainda que existe o Braille. A língua específica dos deficientes visuais.

 Malu insistiu que as professoras deveriam ensinar essas línguas para os alunos. Ajudaria a inclusão dessas pessoas nas escolas e a sua interação na sociedade.

As professoras podiam dizer pelo menos que elas existem e nos mostrar como funcionam. Parabéns, Malu. Ótima ideia.