Pedro Lucas Lindoso
O meu
pai costumava se referir às pessoas nascidas na calha do rio Madeira como
conterrâneos. Para ele e muitos amazônidas, a sua lealdade, o senso de ser
natural, de terra natal, de pertencimento, enfim, está ligado mais ao rio do
que à cidade ou vila em que nascem. Daí a palavra ribeirinhos. Os caboclos são
tão ribeirinhos quanto as aves ribeirinhas. Vivem nos rios e pelos rios.
Os
nossos rios, sempre majestosos, serpenteiam pela floresta, deslizando entre as
árvores imensas do Amazonas. O título desta crónica foi inspirado em homilia do
Padre João Carlos, ao citar versículo do profeta Ezequiel. Como o rio que brota
do templo traz vida em abundância, o Amazonas, com sua imensidão e força, é a
artéria pulsante de um ecossistema bastante complexo.
As
aves, em suas cores vibrantes, dançam entre as copas das árvores, enquanto os
peixes nadam nas águas dos rios e igarapés, refletindo a luz do sol que se
infiltra por entre as folhas. Cada canto, cada movimento, é uma sinfonia que
ecoa na vastidão.
Os
ribeirinhos, que vivem em harmonia com o rio, entendem que o rio não é apenas
um recurso, mas uma fonte de vida. As águas são o sustento de suas comunidades,
de suas tradições e de suas histórias. É na beira do rio que a vida se renova:
nas colheitas das várzeas, nos igapós e no regime das águas; tempos de cheias e
de vazante. E claro, nas festas e nos rituais que celebram a conexão com a
natureza. Nos saberes repassados de geração a geração.
Mas,
assim como a vida floresce a partir das águas, também há a sombra da
degradação. O avanço do desmatamento, a poluição e as mudanças climáticas
ameaçam esse delicado equilíbrio. O rio, que antes era um símbolo de
fertilidade, agora carrega os vestígios de uma luta constante entre o progresso
e a preservação.
Os
habitantes da floresta, guardiões do saber ancestral, lutam para proteger esse
legado. Eles reconhecem que a saúde do rio é a saúde da terra. Cada ação, cada
escolha, reverbera na correnteza, e a vida que ali floresce depende da
sabedoria de quem a habita.
Assim,
onde o rio chega a vida se expande, mas é preciso cuidado. É um chamado à
responsabilidade: preservar a riqueza do Amazonas é garantir que as futuras
gerações herdem não apenas a beleza da natureza, mas também a sabedoria de
viver em harmonia com ela. O rio continua a fluir, e com ele, a esperança de um
futuro onde a vida, em toda sua diversidade possa sempre estar presente. Que o
versículo bíblico citado pelo padre João Carlos, do Livro de Ezequiel seja uma
verdade perene – onde o rio chega chega a vida.