domingo, 30 de agosto de 2020
sábado, 29 de agosto de 2020
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
Bolero's Bar 4
Vingança
Zemaria Pinto
O
sentimento mais humano, amálgama e síntese do sórdido e do sublime, é a
vingança. Não tenho palavras para expressar o prazer que sinto desde que soube
da tua reação à simples menção do meu nome. Será remorso? Afinal, de todas as
tramas vingativas que imaginei, nenhuma levei a efeito, tomado pela covardia de
te machucar. Mas tu mesma te machucas. Vim ao bar encontrar os amigos – e as
amigas, também. Vamos comemorar a tua queda. Caíste sozinha, e não te
levantarás – rolarás, te encharcarás de lama apodrecida, e continuarás rolando,
perdendo matéria, pedra podre, até virar pó.
Vingança (1951), de Lupicínio Rodrigues
(Porto Alegre-RS, 1914-1974). Samba-canção.
No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.
quinta-feira, 27 de agosto de 2020
A poesia é necessária?
A
sustentável leveza da espera
Grace
Cordeiro
Ontem foi um dia de doer:
Não pisei na cama
Não rocei na grama
Andei por aí
Larguei teu sêmen no jornal
Fiz trapaças no espelho
Não colhi teu
sorriso
Ontem foi um dia para morrer:
O meu ser “tão” negou chuva
O meu chão “tava” quebrado
Aquele livro, mandei enfiar no bolo
A espanhola tomou gim e rua
Não bebi teu
beijo suado
Ontem foi um dia pra nada:
Para jogar pião em alagado
Para perder olhar que se quer
Para tingir amor de amizade
Para dama comer o cavalo
Vi tua boca me dando tapa na cara
Fui embora e
sentei no vazio
Foi ontem o “eu te amo”
Foi ontem que a luz se apagou
Tomei um banho e fui dormir
Quem sabe um
outro dia?
quarta-feira, 26 de agosto de 2020
terça-feira, 25 de agosto de 2020
Da fita cassete às playlists do Spotify
Pedro Lucas
Lindoso
A coisa
mais fantástica que chegou em nossa casa da rua Henrique Martins, na Manaus de
minha infância, foi uma eletrola. Para quem não sabe, é um aparelho de som para
tocar discos de vinil. Tem uma base que acomoda o prato circular, acionado por
eletricidade, com pino central onde se encaixa o disco de vinil. Elas contêm
ainda um braço, em cuja extremidade há uma agulha. Que faz a leitura dos sulcos
do vinil.
Na
minha adolescência não havia computador, nem celular. E claro, como nos dias de
hoje, sempre tínhamos uma lista de músicas favoritas. Nós escolhíamos as
músicas e as gravávamos em fitas cassetes. Coisa que não existe mais.
A outra
grande novidade eletrônica foi o som três em um. Consistia na eletrola, com
gravador e rádio. Uma maravilha. Gravavam-se os cassetes diretamente do vinil
ou do rádio. Havia gente que ganhava dinheiro fazendo fitas. Os pais de um
colega de escola tinham uma fantástica coleção de discos, sempre atualizada,
inclusive com discos importados. Ele gravava fitas com playlists fantásticas. E
aceitava encomendas. Só bossa nova, ou músicas clássicas, de natal ou carnaval.
Ao gosto do freguês.
Quando
fiz intercâmbio aos Estados Unidos, em 1973, levei três fitas para mostrar a
nossa música aos americanos. Acabou que os colegas da escola não se interessaram
muito. E eu ouvi essas músicas incansavelmente por todo o tempo do intercâmbio.
Era o único português acessível durante todo o tempo que passei por lá. Eu era o único falante de português na região
de Springfield – Ohio.
As
músicas ficaram na minha memória para sempre. De tanto ouvi-las. Eis algumas: “Menina
da ladeira”; “Você”, de Tim Maia; “Casa no campo”, na voz de Elis; “Como 2 e 2”,
de Gal; “Construção”, do Chico; “Na tonga da mironga do kabuletê” e “Uma tarde
em Itapoã”, do Vinícius. E uma que
sempre me vem à mente os Estados Unidos quando ouço: “Preta, pretinha”, dos
Novos Baianos.
Minha
filha Marina e eu compartilhamos livros do Clube TAG. Estou lendo “Sul da
fronteira, oeste do sol”. O escritor é o japonês Haruki Murakami. Ele menciona
várias músicas no decorrer da estória. Muito jazz, Nat King Cole e até a
brasileiríssima “Corcovado”. Marina fez uma fantástica playlist com as canções
do livro. Usando o Spotify. Em outros tempos teria um trabalhão em achar as
músicas e gravar em cassete.
E eu
aqui matutando. Dos discos de vinil e fitas cassetes aos playlists de Spotify,
50 anos de músicas nos contemplam, nos deliciam e contam a história de nossas
vidas. Da minha vida.
PS. Meu
colega de classe não perdeu a mania de gravar. Hoje ele faz playlists, coloca
em pen drives e dá de presente aos amigos.
segunda-feira, 24 de agosto de 2020
domingo, 23 de agosto de 2020
sábado, 22 de agosto de 2020
sexta-feira, 21 de agosto de 2020
Bolero's Bar 3
Perfidia
Zemaria Pinto
A
traição é uma punhalada. O traído se torna invisível para uns, que lhes dão as
costas, enquanto para outros é motivo de riso, um triste palhaço. Há uma
palavra que o define para todos: desprezível. Ninguém, que não tenha vivido a
traição nas próprias entranhas pode compreender o sentimento de repugnância que
emana de mim. E aqui estou, uma sombra de ânsia entre os que me têm asco, esperando
que entres no salão a qualquer momento (até ouço tua gargalhada!), mesmo
sabendo que não virás.
Perfidia (1939), de Alberto Dominguez
(México, 1913-1975). Bolero.
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quinta-feira, 20 de agosto de 2020
A poesia é necessária?
à flor da língua
Geraldo Carneiro
uma palavra não é uma flor
uma flor é seu perfume e seu emblema
o signo convertido em coisa-ímã
imanência em flor: inflorescência
uma flor é uma flor é uma flor
(de onde talvez decorra
o prestígio poético das flores
com seus latins latifoliados
na boca do botânico amador)
a palavra, não: é só florilégio
ficção pura, crime contra a natura
por exemplo, a palavra amor
quarta-feira, 19 de agosto de 2020
terça-feira, 18 de agosto de 2020
Andar de mãos dadas
Pedro
Lucas Lindoso
Quando
eu era menino aqui em Manaus, nos anos sessenta, se caminhava de mãos dadas.
Não só os casais. Pais e filhos, sobrinhos e tios, irmãos, amigos. Ouvi várias
vezes de minha mãe:
– Dê as
mãos para sua irmã.
Durante
a pandemia estão proibidos abraços, apertos de mão e também andar de mãos
dadas. O que acho mais lamentável é não poder cumprimentar os amigos e as
pessoas com um aperto de mão.
Jesus
curava e expulsava demônios com um simples toque ou a imposição das mãos. Há
uma técnica de cura e transmissão de energia chamada Reiki. Sou praticante
dessa técnica. Uso muito me autoaplicando.
As mãos
transmitem energia. Rezamos com as duas mãos unidas. Os católicos recebem as
bênçãos dos sacerdotes com sinais feitos pelas mãos. Um dos momentos mais
tocantes da missa é quando os fiéis são convidados a trocar cumprimentos
dando-se as mãos. E desejar a paz, em nome do Cristo.
Dar as
mãos é um ato que transmite amizade e fraternidade. Quando nos cumprimentamos e
oferecemos um aperto de mão, queremos demonstrar afeto, apoio e segurança.
Com
essa pandemia e com as restrições impostas por receio ao contágio, fico
pensando quão essencial são as mãos para os homens, para a nossa humanidade. O
cego lê a escrita braile com as mãos. A comunicação com o surdo-mudo é feita
com as mãos, por meio da linguagem Libras. Assim, as mãos são fundamentais para
essas pessoas com deficiência, tanto auditiva quanto visual.
Por
outro lado, as mãos apresentam um dualismo muito forte. As mesmas mãos que
acariciam são aquelas que ferem. As mãos que trazem rosas podem trazer um
punhal.
Uma das grandes diferenças entre os humanos e
os animais reside no uso das mãos. O homem tem a habilidade de construir
coisas, colher frutos, pintar, tocar instrumentos, escrever, manusear objetos e
tantas outras coisas, através de perícia e com o uso adequado das mãos.
Infelizmente,
o atual surto de corona proibiu o aperto de mão, tão comum em nossas vidas. Mas
a criatividade corre solta. Foram inventados o tal “aperto de pés" para
usar com os amigos e o “toque de cotovelos”.
Muito
chato tudo isso. Quero o fim da pandemia para aglomerar, abraçar, e
principalmente oferecer as mãos. Não só para cumprimentos. Nada mais importante
do que andar de mãos dadas.
domingo, 16 de agosto de 2020
sábado, 15 de agosto de 2020
sexta-feira, 14 de agosto de 2020
Bolero's Bar 2
Ninguém me ama
Zemaria Pinto
Eu não sou
o único. Basta olhar ao redor e ver a malta de fracassados. Mas eles não são
todos iguais. Tem os fracassados do uísque, os fracassados da cerveja, os
fracassados da cachaça. Os fracassados alegres, os fracassados tristes. O
álcool e o fracasso se dão bem. Será a velhice? Os sonhos frustrados? As metas
não cumpridas? Amor, só de aluguel e com o cronômetro ligado. Mas, o corpo pede
sossego. Viver foi viajar por uma noite
sem luz, apenas a solidão a iluminar o caminho. E agora, que não há mais para
onde ir, prolongaremos em nossos corpos inúteis a escuridão, o vazio, o nada.
Ninguém me ama (1952), de Antônio Maria (Recife-PE,
1921-1964) e Fernando Lobo (Recife-PE, 1915-1996). Samba-canção.
No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.
quinta-feira, 13 de agosto de 2020
A poesia é necessária?
Político aprendiz
Simão Pessoa
Equilibro este pânico na
memória
Dou um salto e assumo
todo o risco
Tiro algumas mentiras da
cartola
E dou por iniciado o
comício
Alinhavo palavras
descuidadas
Um ar de enfado quase
inútil
Gomalina misturo com
cabala
E prometo de concreto o
absurdo
Olho fixo a multidão
entediada
Acrobata do verbo sem
sentir
Imobilizo o olhar vesgo
da massa
Agradeço peço palmas vou
dormir
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
terça-feira, 11 de agosto de 2020
Que venha 2021
Pedro Lucas Lindoso
Com os
tribunais e fóruns fechados em razão da pandemia, sinto falta de meus papos com
meu colega Chaguinhas. Hoje recebo um telefonema pelo fixo. Uma linha atualmente pouco usada. Era
Chaguinhas. Dizia-se cansado de telas. Do computador, do celular, do tablet, da
televisão. Havia sonhado que ao olhar-se no espelho seus olhos estavam
quadrados.
Resolveu
dar uma quarentena aos acessórios com tela. Dentro do possível, pelo menos.
Disse-me que pediu aos filhos não comprarem nenhum desses objetos citados, pelo
dia dos pais. Uma data comercial. Feita para impulsionar o consumo.
No
Brasil é celebrado no segundo domingo de agosto. Em Portugal é no dia 19 de
março, dia de São José. Em vários países,
como nos Estados Unidos e Inglaterra, é celebrado no terceiro domingo de junho.
Chaguinhas
tinha restrições a essas comemorações consumistas. Mas mudou de ideia. E eu
também. Na verdade, chegamos à conclusão que as nossas vidas se renovaram e se
eternizaram a cada filho que nos chegou.
E agora
essa mesma força de amor e esperanças está na chegada dos netos. Fico pensando
que profissão eles vão ter no futuro. Algumas profissões estão em
transformação. Outras talvez não existam mais. Engenharia? Medicina? Advocacia?
Talvez escritores ou diplomatas.
Ora,
toda profissão é boa. Toda ocupação é nobre. Desde que exercida com dignidade e
dedicação. Aprendi isso com meu saudoso pai, José Lindoso, que faria cem anos
no próximo dia 21 de agosto.
Fui
informado que terei neta e ou netos em 2021. Uma alegria tremenda. O que
importa é que venham pessoas tementes a Deus. Que sejam altivos e respeitosos
com os poderosos. Enérgicos, serenos e justos com subordinados. Que sejam
generosos e cordiais com os humildes.
Desejo
que sejam pessoas leais e fraternas com seus amigos. Que pratiquem a caridade.
Não se envolvam em malfeitos e cuidem da saúde.
Por
fim, que cheguem cheio de carinho para com seus pais. E que tenham muito
carinho por nós, avós. Tanto os avós paternos como maternos estão sempre com
muita sede desse sublime amor de netos.
É muito
bom ter filha e nora na doce espera para o próximo ano.
Que
venha 2021. Feliz dia dos pais!
domingo, 9 de agosto de 2020
sábado, 8 de agosto de 2020
sexta-feira, 7 de agosto de 2020
Bolero's Bar 1
Bésame mucho
Zemaria
Pinto
A
espera não dói, apenas cansa. Mas sei que virás. E se não vieres? E até quando
virás? Até quando estarei te esperando? As interrogações atormentam, sufocam,
humilham. Esperar e desesperar são pontos da uma mesma matriz de incertezas. Tão
próximos e tão distantes. Certeza da tua presença eu só tenho quando me vejo
refletida nos teus olhos. E, no entanto, esse reflexo é fagulha, é estilhaço, é
partícula de invisível poeira que deixa marcas sobre a mesa e mancha minhas
mãos. Por isso, cada vez é sempre a última, porque eu não sei, tu não sabes, onde
estaremos amanhã.
Bésame mucho (1940), de Consuelo Velázquez (México,
1916-2005). Bolero.
No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.
quinta-feira, 6 de agosto de 2020
Bolero’s Bar – Prefácio
Zemaria
Pinto
O Bolero’s Bar ficava na Cachoeirinha, acho que na esquina da Parintins com a Carvalho Leal. Não tenho nenhuma lembrança concreta do bar, mas o nome sempre me fascinou: algo entre o pecado e a tragédia. Eros e Tânatos. Talvez por causa das músicas que, eu imagino, tocavam lá. O Celestino Neto, que era vizinho, e foi quem me falou da localização, me disse que era isso mesmo: boleros e sambas-canções. Bregas, mas chiques: clássicos. Alguém me disse – olha o bolero aí, gente... – que o nome era Bolero Bar. Tudo bem, assumo o apóstrofo fictício. Aliás, os textos que passarei a publicar toda sexta-feira são paráfrases das canções cujos títulos tomei emprestados – e estão na playlist referenciada. Também não tem nada a ver com o livro do Wilson Bueno, bueno às pampas. O bar dele é outro. Tintim.
A poesia é necessária?
Quase toada
Artemis Veiga (1946-2015)
(Para um menino-muito-meu-amigo)
Creio em ti, menino-vadio
e no teu silêncio puro
só quebrado
pelo pranto sem lágrimas
contido num único soluço
que tua voz não
realiza...
Creio em ti,
menino-grande
e nos teus sonhos
encantados
que acalantam
segredos de coisas
eternas
nas curvas turvas
da madrugada...
Creio em ti,
menino-noturno
e no teu silêncio grave
machucado
por presenças impossíveis
que mastigam
solidões gêmeas
entre gritos
estrangulados...
Creio em ti,
menino-trazverso
e nas tuas tramas
claras e cheias
de palavras perfeitas
urdidas
no riso matreiro
e no hálito de noite
que te inaugura
em azul-grávido
de certezas.
quarta-feira, 5 de agosto de 2020
terça-feira, 4 de agosto de 2020
Existe melhor presente?
Pedro Lucas Lindoso
No início da pandemia, Manaus quase entrou em colapso no
enfrentamento desse terrível e desconhecido corona. Nunca nossa cidade foi tão
comentada no Jornal Nacional, de forma negativa, infelizmente.
Hoje o cenário mudou. Manaus apresenta quedas expressivas
tanto em número de óbitos quanto de novos caso. Sabemos que o vírus ainda é uma
ameaça. Portanto, continuamos tomando todas as precauções necessárias, já
conhecidas de todos e amplamente divulgadas. Não se pode vacilar.
Em maio, o isolamento era total e meu aniversário foi
comemorado a distância, pelo sistema drive thru. Pois bem, minha netinha
Maria Luísa adora aniversários. Durante o isolamento trocava presentes virtuais
com os amiguinhos e parentes.
Preocupada em me presentear, em plena crise epidêmica, Maria
Luísa me “emprestou” uma fraldinha, a sua naninha. O que se chama, na
Psicologia, de “objeto de transição”. Bom exemplo é o cobertor do Linus, da
Turma do Charlie Brown.
Com índices favoráveis de estabilização em Manaus, estamos
permitidos fazer encontros com menos de dez pessoas, obedecidas todas as regras
sanitárias.
Com imensa alegria, Vera e eu recebemos a visita de Maria
Luísa em nossa casa pelo dia dos avós, comemorado no domingo último, dia 26 de
julho.
Ficamos em grande contentamento pela visita da nossa netinha,
após um longo período sem tê-la nos visitando. Em nossa casa há um espaço
especial para ela, com brinquedos, um berço e muito carinho.
Foi feito um caprichado brunch para receber Maria Luísa, seus
pais e sua madrinha e tia Marina. Os abraços já estavam liberados e a
demonstração de carinho e o alívio de tanta saudade foi o melhor presente que
poderíamos ganhar pelo tal dia dos avós, em que os católicos celebram São
Joaquim e Santa Ana, avós do Menino Jesus.
Como a naninha tinha sido um presente “emprestado”, era hora
de devolvê-la para Maria Luísa. Ao
recebê-la de volta Maria Luísa sorriu muito e sua expressão de alegria foi
enorme. A sensação que a nossa netinha nos transmitiu é que o pior da pandemia
havia passado. Estávamos todos salvos. Finalmente se podia abraçar e beijar o
vovô e a vovó sem perigo.
Existe presente melhor para o dia dos avós?