Zemaria Pinto
4o movimento – lírica antilírica
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“exercício nº 7” – síntese do primeiro movimento, onde o
interesse do poeta flutua entre o vazio da adolescência e a solidão da velhice,
culminando com a redescoberta da poesia, este exercício faz um breve inventário
do mundo decadente que o circunda – a violência do trânsito, a poluição das
cidades, a agressão ao meio ambiente, a violência urbana – transformando tudo
isso em matéria de poesia, de uma difícil poesia, que não recusa o poema, e
transubstancia-se na própria matéria da vida.
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“exercício nº 15” – a tristeza do segundo movimento é inoculada neste
exercício, não mais representando a perda do objeto do desejo, mas a perda da
poesia, em nova alusão frontal a Dante, tal como no “exercício nº 8”. A figura
da pantera, recorrente em Dante e Rilke, já citados, volta neste exercício com
todo seu simbolismo destruidor. O poeta abandona-se à violência, pois, no seu
delírio, ele tem consciência do pesadelo, do qual despertará, vivo, no
exercício seguinte, o de número 21, que termina o poema, tendo o iniciado.
O poema vivo. Eis o meu poema, com todas as suas portas e
janelas abertas à visitação, à exposição pública. Salvo, é claro, algumas
frestas e goteiras que a mente esforça-se em vedá-las. Mas aí não poderei fazer
nada além de pedir ao leitor que acredite em minha sinceridade. Um tempo
razoável se passou entre os derradeiros versos escritos (as garras invisíveis me violavam / dilacerando a pele da memória) e
este texto. Outro tanto, com certeza, vai passar até que este amontoado vire
livro. Isso, entretanto, ainda não será garantia de nada.
É um poema
apenas. Dois anos para escrevê-lo. Noites maldormidas, pesadelos,
desconcentração diurna, e, no final, a que serve o poema?
Ao vê-lo,
assim, desprotegido, como semente sem água e sem luz, pergunto-me: valeu a
pena? E lembro do velho Pessoa: “Tudo...”. Ah, o leitor deve estar cansado de
tanta citação!
Servirá,
sim, para eu dizer um dia que pude escrevê-lo. Pude construí-lo, como se
constrói um muro – ou uma escada. Para quem, senão para mim mesmo?
Manaus,
janeiro/1998; junho/2018 (revisão e notas)