Lauren K. Cannon. |
sábado, 30 de abril de 2016
sexta-feira, 29 de abril de 2016
meu corpo feito falo
Zemaria Pinto
meu corpo feito falo
no teu corpo
transparente
corpo
meu falo-corpo
consumindo a tua sombra
a dançar essa
macumba
no meu peito
(1974)
quinta-feira, 28 de abril de 2016
Filhos
Paulo Sérgio Medeiros
É chegado o momento de mudar o disco, o
ritmo dos dias – tem a partir do parto – a cadência dos choros da inocência.
Planejados ou frutos de uma felicidade fugaz em braços de carnavais, eles
chegam como uma bomba-relógio subvertendo todo o nosso relógio biológico.
Filhos...
Pedaço de mim,
Metade afastada de mim.
Berçando-os baixinhos em versos
translúcidos de amor trocamos o dia pela noite, pernoites... Incontáveis
pernoites... Trocamos fraldas, mama daqui, mama dali, mamadeira, haja
mamadeira, ufa! É madeira de dá em doido. Filhos...
Pedaço de mim,
Metade exilada de mim.
Vêm os primeiros dentes, dói... Dói na gente. Dentes de leite, um sorriso, um deleite. Vêm os primeiros passos inseguros, os seguramos, os levantamos e paramos para vê-los se equilibrando na metáfora da vida. Filhos...
Pedaço de mim,
Metade arrancada de mim.
Eles nos fazem vagar em sonhos quiméricos
prenhe de esperança escoltada pelo medo da perda e a coragem de quem ama como
um bicho. Medo e coragem, essa antítese ambulante moldurada de porto-seguro
disposta a extremos incondicionais. Filhos...
Pedaço de mim,
Metade amputada de mim.
Ensinamos-lhes o beabá e eles nos ensinam
a conjugar verbos do tipo: perdoar, dividir, e sobretudo o verbo amar. Eles
crescem e não podemos mais respirar por eles. Mas como bons para-raios que
somos estaremos sempre no alto de um arranha-céu desviando-lhes, ou pelo menos
tentando, de todas as descargas desse moinho chamado mundo. Filhos...
Pedaço de mim,
Metade adorada de mim.
Produto da terra cultivada, usado como remédio: o guaraná
João Bosco Botelho
Pode ter sido na transição para o sedentarismo que tenham se consolidado
as idéias religiosas em torno da agricultura, gerando elementos gestuais e nas
linguagens, compreendendo os alimentos como remédios. Desse modo, é admissível teorizar
tanto em torno do fenômeno empírico – a magia da terra onde brotava o alimento – quanto no mistério do tempo‑espaço
visível – a contínua renovação
da vida.
É certo que existem contundentes exemplos dessa compreensão sagrada dos
alimentos que se manifestam em mitos e ritos relacionando a terra cultivada à
garantia de viver mais e poder empurrar os limites da morte.
Pela complexidade da repetição, essas construções míticas e rituais não
podem ser exclusivamente sociais: estão presentes em linguagens-culturas distantes
milhares de quilômetros entre si, guardando elementos significantes incrivelmente
semelhantes.
Dois exemplos são particularmente impressionantes.
O primeiro, na ilha do Ceram, na Nova Guiné: do corpo retalhado da jovem
divina Hainuwele, crescem plantas até então desconhecidas que oferecem o
alimento para as pessoas viverem.
O segundo, em algumas partes dos rios Andirá e Maués: a morte do filho
da índia Onhiamuacabe seguido do renascimento por meio dos olhos plantados na
terra molhada, do esquerdo, originando o falso guaraná – uaraná‑hôp – e do direito, o
verdadeiro guaraná – uaraná‑cécé – que seria usado
para alimentar e curar as doenças.
De modo geral, nos quatro cantos do mundo, o valor dos mitos relacionados
à terra cultivada é semelhante: os alimentos são sagrados por derivarem do
corpo da divindade mãe-terra e devem ser utilizados na manutenção da vida. Como
a vida só pode ser assegurada sem doença, o alimento oriundo da terra também
embutiu o senso de remédio.
Com a sagração de alguns vegetais, os necessários à vida, o fruto da
terra cultivada se incorporou à coisa sagrada. Sob essa perspectiva, é possível
entender algumas passagens:
Sl 104, 13‑15: “De tuas altas moradas regas os montes, e a terra se
sacia com o fruto de tuas obras; fazes brotar relva para o rebanho e plantas
úteis ao homem, para que da terra ele tire o pão e o vinho, que alegra o
coração do homem; para que ele faça o rosto brilhar com o óleo, e o pão fortaleça
o coração do homem”.
Gn 28, 20: Jacó fez este voto: “Se Deus estiver comigo e me guardar no
caminho por onde eu for, se me der pão para comer e roupas para me vestir, se
eu voltar são e salvo para a casa de meu pai, então Iahweh será meu Deus e esta
pedra que ergui como uma estela será uma casa de Deus, e de tudo o que deres eu
te pagarei fielmente o dízimo”.
Lc 11, 2-3: Respondeu-lhes: “Quando orardes, dizei: Pai, santificado
seja o teu Nome; o pão nosso cotidiano dá-nos a cada dia, perdoa-nos os nossos
pecados, pois também nós perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixes cair
em tentação”.
Culminando com o rito da
eucaristia: Jo 6,48‑52: “Eu sou o pão da vida. Vossos pais no deserto comeram o
maná e morreram. Este pão é o que desce do céu para que não pereça quem dele
comer. Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha
carne para a vida do mundo”.
As práticas médicas surgidas nas sociedades ágrafas – curadores de
todos os matizes – continuaram e se consolidaram nos aldeamentos. Não resta dúvida de que,
a terra cultivada, eles também sofreram a influência da passagem da oralidade
para a escrita, favorecendo a guarda e a reprodução dos saberes construídos
empiricamente.
quarta-feira, 27 de abril de 2016
terça-feira, 26 de abril de 2016
É o Vovôoo
Pedro Lucas Lindoso
Minha netinha Maria Luísa
ainda não completou dois meses. Mas já temos um “papo vovô”. Uma bebezinha
assim ainda não fala, mas nada impede que possamos conversar. Não falta
assunto: quando falei sobre o coelho da páscoa e os ovos de chocolate, por
exemplo, ela sorriu. Dizem que é reflexo, porque ela é uma bebezinha, mas eu
acho que foi sorriso mesmo.
Não sou especialista, mas como
licenciado em Letras, estudei sobre aquisição de linguagem. Há muitas pesquisas
sobre como bebês aprendem a falar. Segundo estudos recentes, uma criança como
Maria Luísa, ao chegar aos três anos de vida, já terá escutado 30 milhões de
palavras a mais que uma criança carente, de pais analfabetos.
As avós de Maria Luísa também
gostam de conversar com ela. A charmosa bisavó Neila, além de exímia praticante
de dança de salão, adora papear com Maria Luísa. Nossa netinha ouve muitas
palavras de encorajamento e de afeto. E quando ela começar a falar, vamos
aguardar respostas deliciosas de nossas perguntas que serão interativas e
cheias de afeição.
Linguistas que pesquisam sobre
aquisição da fala dizem que é lamentável, mas há crianças que só ouvem frases
como ”cala a boca” e “fica quieta”. Infelizmente, essas crianças não terão o
desenvolvimento linguístico de Maria Luísa. As crianças necessitam de grande
quantidade de palavras conhecidas para juntá-las umas com as outras. Se nós
pensamos com palavras, como disse Wittgenstein, quem não sabe usar as palavras
não pode pensar bem.
Temos muitos temas
interessantes para tratar com Maria Luísa: além da Páscoa, do Natal e do papai Noel,
falaremos sobre as lendas amazônicas, os animais e árvores da floresta, os
passarinhos, os famosos mamíferos dos rios de nossa terra, como os botos e o
peixe-boi. Evitarei falar do curupira, por ser assustador e traquina.
As músicas de ninar e as brasileiríssimas
cantigas de roda musicadas e coletadas por Villa Lobos são recursos
inestimáveis.
Apesar de desafinado, na
última vez que peguei Maria Luísa no colo cantei, bem baixinho, a música do
coelhinho da páscoa. E ela sorriu novamente.
Fiz até uma paródia. Sabem
aquela música da dupla Zezé di Camargo e Luciano – É o amor? Pois é.
É o vovôooo... não vou negar...
E Maria Luísa voltou a sorrir.
domingo, 24 de abril de 2016
sábado, 23 de abril de 2016
sexta-feira, 22 de abril de 2016
pernas que se perdem
Zemaria Pinto
pernas que se perdem
peitos que se abrem
sonhos que adormecem
dentes que se quebram
noite que me abraça
chuva que me molha
(1973)
quinta-feira, 21 de abril de 2016
Um outro mundo existe...
Paulo Sérgio Medeiros
Já previamente avisado que a turma X
do ensino Y era casca grossa, tomei uma dose de cuidados redobrados. Confio
muito no teor de convencimento da minha cachaça. Dizem que nos primórdios a
danada era usada lá pelas bandas do Nordeste para amolecer carne de porco
selvagem. Então, foi com ela que abri os serviços. Antes, porém, temperatura do
estômago: zero grau. Coisa natural da primeira aula. Frio agasalhado, hora de
exorcizar a fama de bad boys daqueles
"sabem de nada, inocentes".
De mochila nas costas, all star, camisa de meia e meu velho
guerreiro jeans desbotado, entrei na sala meio que despercebido. Eles estavam
entretidos numa conversa pra lá de animada. E aí moçada, de boa? O com laivos
de líder Black Blocs logo catapultou um "Olha aí, professor garotão na
área!"
Olhei pra ele com o mesmo olhar que
olhei para a atitude da Sheislane. Mas o enterro seguiu e me apresentei ainda
em meio àquela patuscada. Sentei sobre a mesa e abri o livro da minha vida.
Paulatinamente, eles foram se interessando pela minha conversa (a)fiada.
Quando mencionei a Sharp e a
Transbrasil, empresas que tive o desprazer e o prazer de trabalhar. Isso!
exatamente nessa ordem. Interrompendo a minha fala um eco de “Pé frio o senhor,
hein!” flutuou na acústica daquela sala. A gargalhada foi coletiva. A essa
altura do campeonato eles já não interagiam entre eles, só comigo.
O bate papo informal e motivacional
foi encerrado com um verso de Mário Quintana. Pois falava da importância da
leitura e fiz questão de frisar: Moçada, não se esqueça que “Um outro mundo
existe...”
Rolou
um aplauso no final e um “esse professor é rodado, moleque!” em voz masculina.
Foi interessante ver a mudança de feição daqueles jovens já meio calejados da
mesmice de nossas aulas. Enquanto falava, me lembrava do videoclipe de “Black
and White” do Michael Jackson. Mas o motivo que me levou a redigir esse texto,
pois deveria estar preparando minhas aulas de amanhã, foi o aluno com pinta de
líder Black Blocs ter ido até minha mesa e dizer: Professor, hoje o senhor me
fez acreditar que um outro mundo existe.
O abstrato na arte rupestre: a construção humana
João Bosco Botelho
As culturas podem ser compreendidas
como processos que interligam o social, a natureza circundante, a História e a
genética. Desta forma, não faz sentido pensar as expressões artísticas, na
pré-história, como sendo arte primitiva, simples expressões da infância da
humanidade ou ainda etapas da evolução humana.
Esse pressuposto trouxe a arte rupestre
para o confronto social, onde também expressa ligações às necessidades individuais
e coletivas. Os nossos ancestrais ao aperfeiçoarem a organização social,
mantiveram a busca incessante do significativo da vida e da morte. A crença no
renascimento e a formidável fé no poder divino estão contidas no cerne das
indagações que continuam afligindo o homem.
A presença de fartos alimentos e
utensílios enterrados junto ao morto, desde doze mil anos, traduz a esperança de
que ele continuará vivendo após a morte.
A maioria dos corpos pré-históricos
foram sepultados obedecendo a determinadas regras: a cabeça voltada ao leste,
definindo a clara intencionalidade com o curso do nascimento do sol.
No abrigo rochoso La Marche, na França,
os desenhos rupestres reproduzem temas humanos com mais detalhes. São cinquenta
e sete gravuras de cabeças humanas isoladas e outras tantas menos completas. Nessas
figuras, os personagens masculinos são retratados com os cabelos curtos e
cuidadosamente arrumados, alguns com barba e outros com bigodes. As mulheres
são identificadas quase uniformemente pelos quadris largos e menor estatura em
relação aos homens. As representações femininas mais conhecidas, desse período,
são as “Vênus”: estatuetas de mulheres muito obesas, grandes seios e ancas
muito largas. Existem mais de cem encontradas em diferentes lugares da Europa e
da Ásia.
A Vênus mais conhecida é a de
Willendorf, datando em torno de trinta mil anos. As esculturas de mulheres do
Pleistoceno superior e Neolítico apresentam linhas tão uniformes pressupondo
simbolismo do ideal, já que todas, independente do lugar onde foram encontradas,
algumas em sítios arqueológicos distando milhares de quilômetros de outros,
possuem as mesmas características físicas e o mesmo tamanho, entre 20 e 30
centímetros de altura: Rassempoy (França), Sireuil (França), Grimaldi (Itália),
Willenforf (Áustria), Catal Hyuk ( Turquia), Tin-Hin (Síria) e Tylden-Farm ( Zimbabwe).
As representações dos animais na arte
rupestre parecem estar relacionadas à sobrevivência coletiva, isto é, a escolha
do animal pintado ou esculpido está de acordo com a natureza circundante. Em
alguns casos, o urso ou o cavalo; em outras, o bisão ou a rena.
O absolutamente extraordinário, expondo
a construção do subjetivo ancestral e a escultura em osso, da mulher sem
conseguir parir, com intenso edema vulvar, sob uma rena, com mamas túrgidas
indicando parto recente. Não é impossível que o artista anônimo desejasse demonstrar
a passagem da força do animal à mulher prenha, com o intuito de ajudar o nascimento
da criança, no parto que se mostrava difícil.
Igual raciocínio pode amparar a interpretação
do simbolismo das pinturas neolíticas, do bruxo dançarino de Afvalingskop, na
Ásia Central, e a do médico-feiticeiro, da gruta de Trois Frères, nos Pirineus franceses. Ambos, travestidos de animal
em movimento de dança, fazendo supor a participação em algum tipo de ritual. Os
dois personagens, pintados em lugares muito distantes, há 10.000 anos, assemelham-se
muito ao pajé, no Norte dos Estados Unidos.
Desse modo, é possível compreender a
importância do sistema simbólico, no Paleolítico Superior, baseado nas fases
lunares, na construção da subjetividade.
quarta-feira, 20 de abril de 2016
terça-feira, 19 de abril de 2016
Que boi é esse?
“
Criar embaraços aos negócios ou interesses de.” (Significado de boicotar –
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa)
O Festival Folclórico de Parintins
tornou-se um evento de fama nacional e mundial. Todos sabem que o boi vermelho
é o Garantido e o azul, o boi Caprichoso. Em março começam os ensaios técnicos
e os bumbás fazem eventos em Manaus.
Mas não é só em Parintins
que se brinca de boi. O bumba meu boi do Maranhão, origem do nosso boi,
apresenta características diferentes dos bois da Amazônia.
O fato é que há bois em
várias outras cidades, inclusive em Manaus, mas sem o glamour dos bois de
Parintins.
Num distante vilarejo
amazônico há uma disputa bovina e política entre um boi da cor verde e outro de
cor amarela.
O amo do boi verde veio à
Manaus comprar revestimentos para sua
casa nova. Não deseja comprar azulejos e sim “verdelejos”. Sua compra foi bem-sucedida.
Uma partida de azulejos de cor verde foi despachada para o vilarejo. O amo do
boi amarelo também veio à Manaus à procura de “amarelejos”, também com sucesso.
A disputa entre os dois
líderes estava bastante equilibrada. Tanto na política quanto nas festividades
bovinas. Até o dia em que um rapaz jovem e empreendedor veio do sudeste para
tentar a vida no vilarejo. Montou um mercadinho. O negócio deu certo.
Capitalizado, o rapaz inaugurou um pequeno hotel que logo receberia visitantes
para a festa dos bois verde e amarelo.
Entusiasmado com o
turismo bovino, tentou a presidência do boi verde. Sem êxito, apresentou-se
para a torcida do boi amarelo. Como mudar de boi não é de bom tom, foi mal
recebido na turma amarela.
O jovem rapaz resolveu
então criar seu próprio boi. Escolheu as cores azul e vermelha. Chamou um
pessoal de Parintins para dar assessoria.
Quando os amos do boi
verde e amarelo perceberam que iam perder a competição, resolveram conversar. A
conversa foi rápida e a solução dada foi BOICOTE. No que ambos exclamaram:
“Que boi é esse? Boi
Cote?”
O fato é que o rapaz
vendeu tudo e foi brincar de boi em outra freguesia. Poderoso esse boi, o cote.
Boicote.
segunda-feira, 18 de abril de 2016
II Colóquio de História e Geografia do Amazonas
O
Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas – IGHA, que no próximo ano estará
completando 100 anos de atividades, promoverá, de 21 a 23 de abril, o II Colóquio de História e Geografia do
Amazonas, oportunidade em que serão discutidos temas relevantes para a
região, visando, essencialmente, a integração dos organismos similares que
integram a chamada Amazônia Clássica, de São Luís a Tabatinga.
Além
dos temas escolhidos pelos Institutos, serão apresentadas Comunicações, abertas
ao público em geral, de até 10 minutos, sobre temas ligados não só a História e
Geografia, mas a todas as ciências correlatas, que têm por foco o Homem
Amazônida, como Antropologia, Etnologia, Etnografia, Sociologia, Economia etc.
domingo, 17 de abril de 2016
sábado, 16 de abril de 2016
quinta-feira, 14 de abril de 2016
E o sol da liberdade?
Paulo Sérgio Medeiros
O dia amanheceu pálido. Onde foi parar o sol da liberdade em
raios fúlgidos? E o povo heroico que conquistou o penhor da igualdade com
braços fortes? Será que ficou na porta estacionando os carros?
Alguém, por favor, salve! salve! minha Pátria amada, terra
adorada, tão bela, porém agora programada pra só dizer sim. O gigante – pela
própria natureza – acordou, foi às ruas de cara pintada. Não mostrou a
cara. Já não é mais forte. Será que é o seu fim?
Minha Pátria atravessou a rua sem olhar para os lados.
Desafiou a própria morte. E tudo indica
que ficará eternamente deitada aos brados retumbantes. Ó mãe gentil, por onde
andaste que nunca aconselhaste teu filho a não aceitar nada de estranhos? Brasil,
quem te ofereceu esse cigarro com a promessa de lindos campos prenhes de
flores?
Agora tu ergues da injustiça a clava forte e tua imagem
resplandece as margens plácidas. Qual é o teu negócio? Paz no passado e glória
no futuro? Desse jeito até quem te adora
fugirá à luta. Pensando seriamente em ir
em busca de terras mais garridas.
A teoria do caos e as origens das doenças
João Bosco Botelho
A Medicina continua
desconhecendo em qual dimensão da matéria o normal se transforma em doença, se
é que existe normal e doença como compreendemos hoje.
Sem dúvida, as buscas das
origens das doenças se dirigem às menores dimensões da matéria. Hoje, esse
parâmetro está nas moléculas. Numa célula existem milhões de moléculas, uma
delas, o DNA, no núcleo celular, é responsável pelas características genéticas
dos seres vivos.
As bactérias têm a dimensão
celular; os vírus, a molecular!
A complexidade da origem das
doenças aumenta na certeza de cada molécula conter incontáveis átomos e
partículas subatômicas, tornando claro que a origem das doenças não termina e
nem começa na molécula: está em dimensões menores!
Eu penso que será possível,
no futuro, procurar a arqueologia da doença na caoslogia, isto é, passando da
molécula ao átomo, como um caminho de mudança dos saberes em torno da doença de
"coisa em si" (no sentido kantiano) para "coisa para nós".
O caos está presente na
natureza e se manifesta quando um objeto é submetido ao efeito com mais de uma
força criando situações impossíveis de gerenciar com os atuais conhecimentos.
Os modelos teóricos do caos
podem estar na previsão do próximo movimento da folha se movendo ao sabor da
correnteza do rio, no aparecimento da primeira célula cancerosa, no destino da
bactéria que sobrevive na corrente sanguínea, nas fibrilações cardíacas no
infarto do miocárdio e até nas previsões climáticas. Não temos como prever o
que poderá ocorrer à folha, à célula cancerosa, à bactéria, ao músculo cardíaco
e se terá ou não tempestade em certo lugar, em determinado momento, mesmo
utilizando os mais modernos recursos tecnológicos.
O estudo do caos e a sua
relação com os fenômenos da vida não é tão recente. O matemático francês
Henri-Poincaré (1854-1912) demonstrou a existência da instabilidade mesmo em
sistemas simples. Esse cientista ficou conhecido pela crítica à ciência, onde
as teorias científicas traduziriam unicamente a arbitrariedade da razão com o
objetivo de tornar inteligível um conjunto de fatos observados.
A matemática computadorizada
revolucionou a ideia da exclusividade do espaço tridimensional (o mesmo que
legitima a doença celular e os tratamentos utilizados pela medicina de hoje ) e
tornou viável trabalhar em muitos espaços imagináveis.
Em 1977, o matemático
francês Mandelbrot propôs nova modalidade para quantificar as irregularidades
na natureza – fractais – capazes de conter formas ainda mais irregulares e
complexas. Renomados cientistas, sob o enfoque da geometria de Mandelbrot,
demonstraram existir incrível semelhança entre o contorno de uma ilha e os
delicados meandros percorridos pelas artérias e veias do corpo humano. A
estranha simetria sugere que a natureza emprega leis matemáticas ainda não
completamente esclarecidas.
A mecânica quântica proposta
na década de vinte pelos cientistas Werner Heisemberg, Erwin Schrodinger e Paul
Dirac, em parte fundamentada no Princípio da Incerteza de Heisemberg, mostrou
ser impossível prever um único resultado à uma observação, introduzindo o
elemento de impossibilidade ou causalidade na ciência.
A incerteza passou a ser uma
propriedade essencial da matéria!
Ao utilizarmos a caoslogia e
a incerteza para decompor a matéria orgânica nasce a certeza do quanto a
ciência está longe do desvendar em qual dimensão da matéria o normal se
transforma em doença ou se existe o normal e a doença.
quarta-feira, 13 de abril de 2016
terça-feira, 12 de abril de 2016
Os sobrinhos de Idalina
Pedro Lucas Lindoso
Tia Idalina diz que eu sou seu
sobrinho predileto. Há controvérsias. Pelo que sei, há dois senhores, parentes
do outro lado, que disputam esse privilégio acirradamente.
Um deles, que chamarei de Senhor
X é socialista radical, ateu e professor universitário. Já o outro, Senhor Y, é
assumidamente de direita, empresário e religioso.
Tia Idalina diz que ”morre de
amores por ambos” e para não criar problemas de relacionamento entre seus
amados sobrinhos, não se utiliza de facebook.
Tampouco de grupos familiares de whatsapp.
Esse amor por seus sobrinhos
faz com que Idalina tenha uma vida “com dupla personalidade”, como ela mesma se
define.
Na saleta de TV de seu
apartamento em Copacabana há vários quadros, fotos e lembranças. Numa parede
está o famoso quadro de Che Guevara. Quando Senhor Y vai visitá-la, ela
substitui o Che por uma foto de Margareth Thatcher cumprimentando Ronald
Reagan. Quando X vai vê-la encontra o quadro de Che abraçando Fidel. E assim ela vai levando. Convivendo entre
sobrinhos que ela diz “amar ambos de paixão”.
Não é à toa. O Senhor X
proporcionou a Tia Idalina uma fantástica viagem a Nova Iorque, com direito a
vários espetáculos na Broadway, passeios, museus e uma esticada a Las Vegas.
Titia adorou a viagem.
Não menos inesquecível foi o
passeio que fez com o Senhor X ao Chile. Foram a Isla Negra conhecer a casa de
Pablo Neruda, poeta favorito de Idalina, outrora pedida em casamento, com
versos desse fenomenal poeta que é Neruda:
“E desde
então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...”
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...”
Perguntei a tia Idalina o que
ela faz na época das eleições. Ela me disse:
– Eu juro para um que NÃO voto
no PT. E juro, de pés juntos, para o outro, que NÃO voto no PSDB.
E não pude resistir a
pergunta; – a senhora mente para quem?
– Eu não minto. Vou te contar
meu segredo. Eu voto em branco.
domingo, 10 de abril de 2016
sábado, 9 de abril de 2016
sexta-feira, 8 de abril de 2016
sonhando cinema
Zemaria Pinto
deserto
e não havia sol
sépia –
teu vestido azul de sexta era um peixinho de aquário
as nuvens
confundidas com a poeira e a solidão
eram uma paisagem do texas
procurávamos algo e éramos cúmplices. havia em
teu rosto uma
sombra de medo, mas um frêmito de
luzes te percorreu quando chegamos à torre.
àquela sórdida confusão de tons
resultantes dos trabalhos dos ventos
opunha-se a fortaleza de meus músculos:
teu sorriso
uma vez no cume,
contemplamos a tempestade
quinta-feira, 7 de abril de 2016
Carrossel da saudade
Paulo Sérgio Medeiros
Reunir com amigos de fé
tem o poder de rejuvenescimento. Seja qual for o lugar escolhido para o
encontro, ele logo vira o nosso playground
cujo brinquedo favorito são as palavras. Fazemos delas a gangorra de nossas piadas,
a cama elástica de nossas canções favoritas, o gira-gira de nossas vidas, o
escorregador de nossas dores.
No playground dos quarentões é o carrossel da saudade que nos reúne em
qualquer esquina, em qualquer praça, em qualquer terreiro, seja ele de terra
batida ou de porcelanato esmaltado, seja o encontro regado a coxinha ou lasanha,
guri-cola ou coca-cola, sangue de boi ou um bom vinho chileno, o importante é o
reencontro, o abraço caloroso, o beijo carregado de carinho, a sinergia, e
principalmente a admiração que um tem pelo o outro.
Acordo tácito de nossas
reuniões itinerantes: entrar sem a pressa e a caretice da vida adulta. O barato
do playground é a perda da noção do
tempo. Investir em memória exige desapego. É um ingresso que custa caro, mas
vale a pena. E encontrar com esse povo sempre vale a pena. Às vezes, é rápido
como um rato que atravessa a sala, porém é gostoso como todas as outras vezes.
Volto para casa rejuvenescido. Sempre.
A sacralidade ancestral do cérebro
João
Bosco Botelho
Quaisquer
que tenham sido os motivos que levaram os nossos ancestrais distantes, há
10.000 anos, praticarem a craniotomia (trepanação ou a abertura do crânio), não
podem ser dissociados à busca do escondido atrás da pele.
Outros
registros da paleopatologia fazem supor a existência de indivíduos que se
especializaram para tratar as doenças. As fraturas secundárias ao trauma não
teriam sido curadas, com a completa consolidação, sem os cuidados de imobilização,
feito por outra pessoa, seguida do repouso necessário. Desta forma, se tornava
necessário não só a ação consentida do curador, mas também do ato cooperativo
entre outros membros do grupo social na oferta do alimento e na proteção.
Permanece
como um marco nas atitudes do homem na busca dos mistérios do corpo, os crânios
trepanados na pré‑história. Muitos desses crânios foram abertos cirurgicamente,
em diferentes lugares da Europa. Alguns indivíduos submetidos à trepanação
sobreviveram por longo tempo, o suficiente para que as bordas do osso cortado
se regenerassem.
O
local escolhido do acesso para cortar os espessos ossos cranianos parece ter
tido uma significação específica, também não esclarecida. Alguns povos faziam a
craniotomia no osso temporal, outros do parietal, retirando pedaços com forma
geométrica diferente, de poucos centímetros, até grandes aberturas, como a do
crânio achado em Collombey‑Muraz, na Suíça, da qual o doente não sobreviveu.
A
diversidade de como foram feitas contribuiu para pressupor que as trepanações fizeram
parte de um conjunto maior de intervenções do homem no corpo humano. O curador
deixou de ser mero espectador para tentar mudar, com a ação dele, o curso da
saúde.
Não
importa quais tenham sido os motivos para a concordância do paciente e do
curador, respectivamente, para aceitar e fazer a intervenção, o fato é que
foram realizadas e é pouco provável que tenham sido todas praticadas sob violência.
Os
pesquisadores continuam a acirrada discussão acerca das indicações da cirurgia.
Alguns acham que eram feitas com objetivo puramente religioso; outros apostam
que existiu tentativa para sanar alguma queixa grave e permanente. Todavia, é
indiscutível que em ambas as alternativas, aceitaram o pressuposto de que o
objetivo a ser alcançado estava alojado dentro do crânio.
O
extraordinário é o fato de que, no século 18, os viajantes das ilhas no Pacífico
sul, asseguraram que o ritual da craniotomia entre aqueles povos era executada para
retirar os demônios causadores de doenças.
Igualmente
assombroso nas culturas pré‑incaicas, notadamente na Tiawanaku, e na incaica, a
comprovação nas escavações arqueológicas das múmias magnificamente conservadas
que foram submetidas à trepanação em vida.
A
pergunta lógica, até hoje sem resposta, seria saber porque certas culturas que
não mantiveram relações inter-étnicas, em intervalo de tempo tão longo, tenham
realizado o mesmo procedimento: abertura intencional dos ossos do crânio.
Essa
busca do "mais importante dentro da cabeça" pode estar ligada ao
culto do crânio, com comprovação arqueológica de 15.000. O conhecimento empírico impôs a certeza da maior
importância do conteúdo do crânio: o trauma na cabeça tinha consequências
imediatas muito mais graves do que outra na perna. Não é impossível que essa observação do conhecimento empírico – o maior valor do crânio em relação às partes do
corpo – ter motivado o acesso ao crânio como parte sagrada do corpo.
quarta-feira, 6 de abril de 2016
terça-feira, 5 de abril de 2016
O boicote
Pedro Lucas Lindoso
O Curupira é um ser mitológico
habitante da floresta amazônica. Protege as plantas e os animais dos caçadores.
Para evitar caça ou derrubada de árvores de forma predatória, o Curupira faz as
pessoas se perderem na floresta. Dizem também que ele sequestra crianças.
Todavia, o Curupira sempre as devolve aos seus pais. Mas a criança retorna uma
verdadeira ecologista, com uma enorme paixão pela natureza.
Assim, o Curupira é um ser que
trabalha para o bem, mas faz maldades. Por conta disso agrada a Deus e ao
Diabo, transitando facilmente entre o céu e o inferno.
Com o aumento dos
desmatamentos e muito cansado de trabalhar para evitar queimadas, Curupira pediu
autorização a Deus e ao Diabo para ir passar uns tempos na cidade.
Como era época de Carnaval e o
povo suja os parques e jardins, o Curupira resolve planejar um boicote total ao
Carnaval. Deus disse que achava ótimo, pois o evento é da alçada do capeta. Que
se entendesse com ele. O Capeta adorou a ideia. Disse que trabalha muito
durante o período, fazendo tentações, armando ciladas e promovendo traições
entre os casais. Aproveitaria para descansar.
O curupira se transformou em
assessor do governador e convenceu o prefeito a usar a verba do carnaval para
reformar o hospital da cidade. Logo conseguiu apoio do padre, do pastor e do
responsável pelo centro espírita.
Alguns foliões inveterados
protestaram, mas sem sucesso. A cidade ficou famosa. Saiu na televisão em rede
nacional que o prefeito usaria a verba do Carnaval para reformar o hospital.
Para alegria do Curupira foi definitivamente cancelado o carnaval na cidade.
Deus, que costumava descansar
nessa época trabalhou exaustivamente. Corria para atender as novenas, os
cultos, as reuniões de prece no Centro Espírita. Havia ainda seminários de
Evangélicos, cursilho de Católicos, retiros de jovens, de freiras e padres, reuniões
de preces espíritas.
Deus ficou exausto de tanto
trabalhar. A verba do carnaval que era para reformar o hospital foi desviada. O
que muito agradou ao Diabo. Feliz e descansado aproveitou o feriadão para conhecer
Las Vegas, a cidade do pecado.
O cancelamento do carnaval,
tido como festa do Capeta, só trouxe vantagens para ele. Deus soube que o
Curupira ia boicotar o festival do boi-bumbá. Outro evento de que o diabo
gosta. Cansado e estressado, Deus mandou o curupira voltar para a floresta
imediatamente, sem direito a retorno. O Diabo já foi avisado que ano que vem
tem carnaval na cidade.
segunda-feira, 4 de abril de 2016
Lábios que beijei 57
Zemaria Pinto
Helena
Numa de minhas idas a
Coari, sempre por motivos profissionais, conheci Helena – noiva de um colega de
trabalho, gerente da agência local. Na metade da terceira década de vida,
Helena era uma noiva temporã. Naquela época, no interior, as moças com mais de
20 anos entravam direto no caritó, de onde não retornavam, condenadas a eternas
tias. Helena era alegre, vibrante, espontânea e não ligava muito para essa
possibilidade. O casamento não era sua meta: professora da rede pública, estava
sempre estudando, aperfeiçoando-se, obstinada por conhecimento. O noivo,
militante de um partido clandestino, cumpria um “degredo” por suas ações
políticas explícitas. Não deve ter sido difícil apaixonar-se pela doce Helena,
uma mulher moderna, mas com aquele indescritível e encantador bucolismo das
moças interioranas, um ritmo de vida ao sabor dos ventos que embalam as
correntes dos rios amazônicos. Minha cultura de almanaque deve ter despertado a
atenção de Helena, em meio a intermináveis discussões sobre ditadura, tortura,
guerrilha, exílio, assuntos que me entediavam e dos quais fugia falando sobre
qualquer outro tema. Numa tarde chuvosa de março, a voz de Helena ao telefone
convida-me a conversar – viera fazer um curso e estava se sentindo muito só.
Pequena, magra, a pele de leite, os olhos azuis, claríssimos e inquietos, os
cabelos de íntegra negridão – e as sardas distribuídas com exuberância e
harmonia por todo o corpo – faziam de Helena uma beleza em mutação, variando de
acordo com a luz ou com a hora do dia. O prazer com Helena era dobrado: ela
aprendia e ensinava. Veio o casamento, a primeira gravidez, uma transferência,
outra gravidez. Em mim ficou-me apenas a lembrança primordial daquela tarde
chuvosa, lembrança das cores de Helena, da beleza transfigurada de Helena, da
permanente inquietude da doce Helena.
domingo, 3 de abril de 2016
sábado, 2 de abril de 2016
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