segunda-feira, 30 de abril de 2018
domingo, 29 de abril de 2018
sábado, 28 de abril de 2018
quinta-feira, 26 de abril de 2018
A busca da arqueologia da doença
João Bosco Botelho
A principal diferença entre as práticas médicas oficiais
(autorizadas pelos Estados), as empíricas (resultantes do conhecimento
historicamente acumulado) e as divinas (estruturadas na fé de todos os matizes,
nas quais é crível que a matéria vida pode ser modificada pela ação divina)
está assentada no fato de a oficial moldar o diagnóstico, o prognóstico e o
tratamento a partir de propostas teóricas.
Esse conjunto histórico apresenta três momentos ou cortes
epistemológicos, na linguagem de filósofo francês Gaston Bachelard:
– A teoria dos Quatro Humores elaborada pela Escola Médica de
Cós, da Grécia, no século 4 a.C. Naquela época, pela primeira vez, a doença
recebeu abordagens fora do domínio das divindades e passou à materialidade do
corpo por meio de quatro humores: sanguíneo, fleumático, bilioso preto e
bilioso amarelo. A saúde seria a resultante dos humores equilibrados e a doença,
o contrário. Durante quase vinte séculos, para equilibrar os humores, as sumidades
da medicina faziam sangrias e prescreviam substâncias que provocavam a diarreia
e o vômito.
– No século 17, o aperfeiçoamento das lentes de aumento
polidas, a partir das publicações de Marcelo Malpighi (1628 1694), deslocou a
busca da doença do corpo visível na direção das estruturas invisíveis aos olhos
desarmados, iniciando o pensamento micrológico, que diagnostica a infecção, o
tumor benigno ou maligno.
– No século 19, os geniais estudos do frade agostiniano
Gregor Mendel (1822 1844), não sabendo que mudaria definitivamente a
compreensão da matéria viva, impulsionaram a passagem da celular e bacteriana
(diagnóstico da infecção e do tumor) à molécula, inaugurando o pensamento
molecular, lembrando que existem milhões de moléculas numa única célula e em
uma bactéria. O produto final será a completa compreensão dos genes, não só a
simples identificação gênica do projeto Genoma, mas a identificação da função
de cada gene. Apesar da extraordinária importância, o projeto genoma só mapeou
os genes, muito distante da futura compreensão de como eles funcionam inter-relacionados
com a diversidade dos seres viventes.
Mesmo com os imensos avanços da ciência da compreensão da
arqueologia das doenças, no pequeno intervalo de tempo, o médico percebe mais
dúvidas do que certezas, no cotidiano da prática profissional, sem poder evitar
o sofrimento fora de controle e a morte prematura. Essa realidade é mais
visível em certos cânceres, algumas doenças causadas por vírus e outras
compreendidas como distúrbios de comportamentos e imunomoduladas.
Essa é uma das grandes sagas da inteligência humana:
continuar empurrando os limites da vida sem compreender completamente a
arqueologia da doença, onde o normal se transforma em doença!
Com o conhecimento atual caminhando em direção à estrutura
atômica, muito além da molécula, é claro supor que esse será o caminho da busca
da arqueologia da doença nos próximos séculos (já lastimo não estar presente):
a busca da cura entre os átomos! Representará para a ciência o advento do
quarto corte epistemológico da medicina – o pensamento atômico – trazendo novas
respostas para continuar empurrando o limite da vida.
Por outro lado, existem questões importantes não resolvidas que
interligam as medicinas oficiais e divinas: existiriam pessoas com poderes
excepcionais – dom – suficientes para curar pessoas, isto é, mudar a estrutura
da matéria viva fora das leis físicas que regem o universo?
quarta-feira, 25 de abril de 2018
terça-feira, 24 de abril de 2018
Índio quer apito, futebol e respeito
Pedro Lucas Lindoso
Dia 19 de abril. Dia do índio. Todo dia era dia de índio,
reza a famosa canção. 19 de abril de 1997. Galdino Jesus dos Santos, líder
indígena da etnia pataxó, participa em Brasília de manifestações pelo dia do
índio. Na madrugada seguinte, foi queimado vivo enquanto dormia em um abrigo de
um ponto de ônibus da capital. O crime foi praticado por cinco jovens. 19 de
abril é um triste dia para os pataxós.
Há muito pouco o que comemorar entre as outras etnias
espalhadas pelo Brasil. Segundo o IBGE, existem 305 etnias e 274 idiomas. Os
indígenas autodeclarados representam menos de 1% dos habitantes do país.
Estava curioso em saber o que desejam os jovens índios de
nossos dias. Fui conversar com meu amigo Paulinho Dessana. Soube que o grande
desejo de muitos jovens indígenas é igual a de muitos outros jovens
brasileiros. Principalmente em época de Copa do Mundo. Tornar-se um Neymar. Um
craque da bola.
Para as lideranças indígenas o futebol é uma excelente
ferramenta de inclusão social. Por outro lado, como diz Paulinho, as falcatruas
dos cartolas são incompatíveis com os valores dos povos indígenas.
Aqui no Amazonas temos o Campeonato Peladão. A maior competição de futebol amador do país.
Dentre as várias modalidades – sênior,
infantil e feminina – temos a indígena. A participação dos índios no campeonato
é importante para eles. É uma autoafirmação. Os indígenas querem dizer para os
não indígenas que podem ser iguais a eles. O futebol é uma forma de quebrar
paradigmas e o isolamento.
Paulinho conta que um dos grandes goleadores de um time
indígena costumava entrar em campo usando cocar e pinturas características de
sua tribo. Um olheiro levou-o para um time profissional da cidade.
Infelizmente, para que os times possam prosperar é preciso intensificar o
intercâmbio com os brancos. Nem sempre isso é harmonioso e traz vantagens para
os times indígenas. Há o choque cultural. Proibiram o cocar e as pinturas.
Meu amigo Paulinho é árbitro de um time de índios urbanos,
aqui em Manaus. Um grupo de amigos fez uma vaquinha. Compramos uma caixa de
apito FOX PEARL. Uma das melhores marcas de apito para árbitros. Foi nosso presente
para o Paulinho, pelo 19 de abril, dia do Índio.
Os índios continuam querendo apito, futebol e, principalmente,
respeito.
domingo, 22 de abril de 2018
sábado, 21 de abril de 2018
quinta-feira, 19 de abril de 2018
Poe/ /Mao
Zemaria Pinto
poeira
a cidade retalhada em fotoquadros
papers online papiros de
sobrenada
pairando submersos insondáveis
poente
en la noche todos los grelos
son pastos
na escuridão indelével
indecifrável
da submissa cidade sublevada
poema
um canto negro ao poeta
o andar trôpego o morrer
nos olhos
como se não ouvisse a
manhã
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A poesia é necessária?,
Edgar Allan Poe,
Zemaria Pinto
Dolorosa busca da consciência
João Bosco Botelho
A humanidade, caminhando nos espaços sagrados, e profanos tem
procurado a natureza da consciência não mensurada, até o momento, imaginada.
No espaço sagrado, consagrando coisas e pessoas, a divindade
passou a ser a força motriz de todos os sentimentos. Em consequência, a vontade
divina tem sido a dominadora das emoções, restando à humanidade cumprir,
fielmente, o determinismo inexorável vindo do invisível, obedecendo às ordens
dos representantes na terra do poder transcendente e agradecer, com oferendas e
ritos de louvor, a vida vivida.
No espaço profano, buscando a ressonância das ideias na
realidade visível e mensurável, homens e mulheres iniciaram a busca para
conhecer o próprio corpo escondido atrás da pele e apreender porque chora, ri,
ama e odeia.
O esforço para desvendar a consciência tem se mostrado
doloroso porque o conjunto teórico está amparado no conflito de competência
entre os dois espaços para desfazer as dúvidas e seduzir pelo convencimento.
De um lado, no sagrado, a persuasão tem sido a sagração do
corpo e de coisas, transformando-as no centro, para facilitar a comunicação com
a divindade. Do outro, no profano, ligado no naturalmente observável e
mensurável, tentando legitimar o imaginado.
É história de longa duração!
Os registros em escrita cuneiforme apontam que o fígado era o
mais importante, o centro do corpo. É impossível saber a razão exata dessa
escolha e não outro órgão como o pulmão e o coração. É possível teorizar em
torno da preferência a partir da alta prevalência de doenças hepáticas e febres,
provocando icterícias mortais nos habitantes das margens alagadiças dos rios
Tigre e Eufrates. Sob esse pressuposto, se alguém pudesse interpretar as
variações na forma, na anatomia, do fígado, seria capaz de prever a saúde
futura e, por conseguinte, os malefícios e benefícios na vida social. Desse
nodo, a adivinhação por meio da hepatoscopia – a interpretação das formas do
fígado no carneiro –, para interpretar a vontade da divindade, era prática
corriqueira, ao menos entre os que podiam comprar o animal e pagar o adivinho.
O judaísmo, resistindo desde os primeiros tempos à tradição
politeísta, deslocou o centro do corpo para o coração, talvez motivado pelas
mudanças sentidas no ritmo cardíaco durante as emoções. No Antigo Testamento
(AT) existem citações metafóricas do coração como sede da vida física (Ge 18,
5; At 14, 17), da tristeza (Dt 15, 10), da alegria (Dt 28, 47) e do medo (Dt
20, 3).
Confrontando o monoteísmo judaico, os médicos gregos, na
Escola de Kós, no século 4 a.C., de modo genial, nos aforismos hipocráticos,
aproximaram a consciência do cérebro: “Algumas pessoas dizem que o coração é o
órgão com o qual pensamos e que ele sente dor e ansiedade. Porém não é bem
assim: os homens precisam saber que é do cérebro e somente do cérebro que se originam
os nossos prazeres, alegrias, risos e lágrimas. Por meio dele, fazemos quase
tudo: pensamos, vemos, ouvimos e distinguimos o belo do feio, o bem do mal, o
agradável do desagradável... O cérebro é o mensageiro da consciência... O
cérebro é o intérprete da consciência”.
O cristianismo conservou a interpretação do Antigo
Testamento: Deus comunicando-se com os homens por meio do coração (Mc 2, 6 8;
Lc 3, 15; 2Co 2, 4).
O islamismo manteve o coração, entretanto, e foi mais longe:
talvez sob influência grega, associou o coração como representante da intuição
(“al kashf”, revelação, ato de levantar o véu) e o ponto de identificação (wajd)
com o Ser (al wujud).
O maior desvendar profano do corpo chegou, nos séculos 16 e
17, com os estudos da anatomia e resgatou a maravilhosa percepção dos médicos
hipocráticos da Escola de Kós, recolocando a consciência no cérebro.
A suprema beleza da “Criação do Homem”, pintada por Michelangelo
(1475 1564), no teto da Capela Sistina – o homem recebendo de Deus a
inteligência, claramente o sistema nervoso central – é a sublime manifestação
na arte do deslocamento do coração, como o centro do corpo, para o cérebro,
aproximando os espaços sagrados e profanos.
quarta-feira, 18 de abril de 2018
terça-feira, 17 de abril de 2018
Verbo enticar – transitivo indireto
Pedro Lucas Lindoso
Logo após o famoso imbróglio entre os ministros Gilmar Mendes
e Luís Roberto Barroso, ocorrido no plenário do Supremo Tribunal Federal, tia Idalina
me liga do Rio de Janeiro.
– Coitada da Carminha! E eu pergunto:
– Mas quem é Carminha, titia?
– A Carmem Lúcia. Conheci Carminha quando participei de um seminário
na Sorbonne. Um evento maravilhoso, em Paris. Ficamos amigas. Ela agora tem que
ficar administrando entreveros entre esses marmanjos mal-educados. Um horror! O
energúmeno do Gilmar Mendes, primeiro enticou com a Carminha. Depois, enticou
com esse moço aqui do Rio de Janeiro, o Dr. Luiz Fux. Por último, foi enticar
com o ministro Barroso. Levou um merecido carão.
Fazia anos que eu não ouvia o verbo enticar. Como se sabe,
significa mexer com alguém, implicar, importunar, aborrecer. E também a palavra
carão, no sentido de repreensão, reprimenda. Só mesmo tia Idalina. Palavras que
mexem com minha memória afetiva. Minha mãe me dava “carão” se eu ficasse
enticando com minhas irmãs menores.
– Não sabia que a senhora era amiga da ministra Carmem Lúcia,
disse-lhe.
– Há muito tempo não converso com ela. É uma simpatia. Adoro
a Carminha. É de Minas Gerais. Mais mineira que pão de queijo e broa de milho.
Esses ministros brigões não conhecem os mineiros. Mineiro toma banana de
macaco. Deixa o macaco contente e agradecido. E ainda devendo favor!
Essa definição de mineiro é ótima, disse-lhe. E nós
amazonenses gostamos muito de banana. Frita, assada, cozida. Mingau de banana
então é uma delícia!
– O amazonense briga com o macaco pelas bananas. Depois acusa
o macaco de ser sulista e vir para o Amazonas levar vantagens e tomar as
bananas dos amazonenses. Uma coisa!
Mas essa história dos ministros do STF ficarem enticando um
com o outro é muito sério e constrangedor para os brasileiros.
– Pois é. O outro já está enticando com a Carmem Lúcia.
– Que outro, tia Idalina?
– Outro é o outro. Sei lá quem é o outro. E desligou.
Tia Idalina, amazonense moradora de Copacabana, sofre da
mesma mineirice da ministra. É bom mesmo não enticar com elas.
segunda-feira, 16 de abril de 2018
Poe.Mao.City
Manaus, a cidade de Sérgio Cardoso, o artista que inaugura uma
nova mostra de seu talento. Manaus, poema e terror; por isso se vê, no título,
o (Edgar Allan) Poe, o Mao, e o Poema que surge da união das duas palavras. Ou
seja, a beleza surgindo do esterco da vida.
Sobre essa Manaus antitética e multifacetada, Sérgio expõe sua
visão em telas e fotografias sobre o grande e o pequeno, o épico e o irrisório.
Tudo com o sal de sua consagrada arte. Ver sua exposição não é apenas olhar,
mas ter a ousadia de um explorador de cavernas, capaz de penetrar em
significados ocultos.
E também perceber, na placidez ou no desespero dos rostos e
figuras expostas, a mesma inquietude, a mesma interrogação sobre o
estar-no-mundo. Por tudo isso – e mais o indizível –, vale a pena apreciar essa
nova mostra do talento que se chama Sérgio Cardoso.
(Marcos Frederico Krüger)
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domingo, 15 de abril de 2018
sábado, 14 de abril de 2018
quinta-feira, 12 de abril de 2018
Tartufo-me – considerações patafísicas
Jorge Bandeira
Há montanhas de problemas que nos encerram
por todas as partes: infeliz de quem pensou escapar aos problemas, infeliz de
quem acreditou poder dispensar-se de pensar.
(Antonin Artaud – A
Evidência da Luz que Cega)
Tartufo-me. Um Teatro Produções. Assustador. Necessariamente,
assustador. O crítico não esboçou uma única risada. Os tempos do Pastor Tartufo
não são os da comédia, são tempos de assassinato e de prisões, prisões físicas
e, as piores, as prisões do espírito. A direção de Tércio Silva é um lampejo de
alento cênico a este tempo de extrema crueldade e ignorância, de truculências e
idiotices, sandices e discursos odiosos. O padeiro de Tartufo-me modela uma massa disforme, alegoria de seu cérebro
carcomido pelo fermento mortal da estupidez humana. O crítico patafísico ficou
extasiado de tanta bem-vinda provocação. O crítico patafísico também observou
com pesar alguns tartufos disfarçados na plateia do Teatro Amazonas, numa
excepcional terça-feira, 10/04/2018, com bilheteria satisfatória e que, pelo
honesto e profissional trabalho de divulgação da Um Teatro, encheu além da
metade das cadeiras da plateia. Para o teatro local, não caça-níquel e sem
cadastrões globais, é um feito memorável.
Tartufo-me é uma aula de cidadania, e de
Teatro. Dimas Mendonça é de uma incrível versatilidade cênica: seu corpo atua
por inteiro. Ele também é o adaptador desse texto monologal, oriundo do
brilhantismo de Molière. O monólogo é sarcástico e vibrante, e Mendonça
dispensa maiores apresentações: seu trabalho de ator e performer em Manaus é
respeitado por todos, ele é um gigante no palco, sua voz é de uma limpidez e
elegância que nos delicia ouvi-la empreender tons e guturaçoes à personagem vil
do Pastor Tartufo. Mendonça facilmente e com maestria nos transporta para as
transubstanciações do corpo e alma fáustica desse abominável personagem.
O perigo talvez seja o excesso de empatia que a personagem
tirana, ditatorial e autoritária venha a exercer no espectador menos preparado,
mas creio firmemente que as amarras de condução cênicas do diretor impedem a
empatia de se aproximar. A música do multinstrumentista Jeferson Mariano
costura toda a trama, com muita dinâmica e desenvoltura, casando-se
perfeitamente às cenas, num equilíbrio eficaz para este Teatro sutil, grotesco
e extravagante, no sentido paradoxal que isso venha a ter. O figurino e a
cenografia, iluminação e visagismo da RS são economicamente teatrais, o que
reforça o brio interpretativo de Dimas Mendonça. O monólogo é de um realismo
inquietante, tudo que ali no palco de Tartufo-me
é uma aproximação, pois creia, leitor@, o real é mais pavoroso ainda.
Tartufo-me aponta um caminho para escaparmos
destas anomalias do modelo torpe de salvação calvinista cristã. Escancara as
falsidades que imperam nos dias atuais, em todos os segmentos desta
desumanidade. A única coisa que me causa horror deste espetáculo é que seu
final crie vida e se concretize na vida real, que a sombra do mal vença e
adentremos verdadeiramente naquele inferno.
Antonin Artaud não está à toa na epígrafe que abre este
artigo. O crítico patafísico, por fim, deseja merda a Tartufo-me, que não ocorram perseguições e violências de quaisquer
natureza a sua equipe e a Um Teatro... Os tempos não estão para brincadeiras e
aleivosias inquietantes a esta milenar arte do Teatro.
[Assinado psicograficamente por Dougaldst, nosso primeiro
crítico do Teatro Amazonense, segundo tese de mestrado de Simone Villanova A História dos Pequemos Teatros de Manaus
(1859-1900).]
Nota do editor: Tartufo-me
inaugurou temporada nesta terça-feira, no Teatro Amazonas. Infelizmente, não se
sabe quando e nem onde serão as próximas apresentações. Manaus...
Pajé ou xamã
João Bosco Botelho
E interessante o rumo europeu que tomou a qualificação dos
pajés na literatura especializada. Recentemente, foi introduzida a palavra xamã
como sinônimo de pajé. Na realidade, o termo xamã é derivado do francês,
“chamam”; do alemão, “schamane” e do russo, “saman”. Por outro lado, o
xamanismo é a religião de certos povos do norte da Ásia e são baseados na
primitiva crença de que os espíritos maus e bons podem ser dirigidos pelos
xamãs para promover a bondade ou a maldade.
Júlio César Melatti (“Índios no Brasil”, 5ª ed.), adotou a
religião asiática para diferenciar os pajés brasileiros: “Existe uma certa
categoria de médicos-feiticeiros que recebe o nome especial de xamãs. O que
caracteriza o xamã é poder fazer de um estado de êxtase, durante o qual sua
alma se retira para longe do corpo, percorrendo lugares distantes, ou durante o
qual nele se encarna um espírito estranho”.
A mesma compreensão é encontrada em Berta Ribeiro (“O Índio
na cultura brasileira”): “Na pajelança – fenômeno talvez concentrado na
Amazônia – é que se faz sentir com mais força a influência indígena. O pajé não
é apenas o benzedor. É mais que isso. Adivinha os pensamentos, os
acontecimentos, previne-os e os combate. Os processos de cura do pajé
aproximam-se do xamanismo tupi: a par da introdução da cachaça, registra-se o
uso do cigarro, do maracá, de rezas”.
Do mesmo modo, Viveiro de Castro (“Alguns aspectos do pensamento
Yawalapiti, Alto Xingu”): “Duas figuras da sociedade humana mantêm uma relação
especial com os apapalutapa: os xamãs e os feiticeiros. O espírito – qualquer
um – é por definição um xamã”.
É possível argumentar existir algum equívoco entre os
significantes simbólicos do pajé e do xamã, que pode ser consequência da
introdução por antropólogos e etnólogos europeus da palavra xamã nos seus
trabalhos sobre os índios das Américas. Contrariamente, os cronistas e
viajantes dos séculos 16 e 17 só utilizaram a palavra pajé.
Egon Schaden (“Las religiones indigenas de Amerca del Sur”)
também igualou o xamanismo à pajelança: “La literatura etonologica referente a
América del Sur designa frequentemente com el nombre de chamanismo el conjunto
de practicas y funciones inherentes a esta profesion. El chamam indio puede a
menudo ser tambien em hechicero, o ser considerado como tal, pero seria erronso
aplicarle esta denominacion de modo indiscriminado. El ejercicio de la medicina
figura casi siempre entre sus pincipales atribuciones, y este hecho se explica
por el origem sobrenatural de la mayoria de las enfermidades”.
Talvez o ponto comum entre os autores que identificaram
igualdades entre o pajé e o xamã tenha sido o etnólogo Herbert Baldus por meio
das publicações: “Ensaios de Etnologia Brasileira”, “O Xamanismo” e “Sugestões
para pesquisas etnográficas e a bibliografia crítica da etnologia brasileira”.
As descrições publicadas pelos cronistas dos atributos e das
funções dos pajés, nos séculos 16 e 17, são diferentes das dos xamãs. Os pajés
não eram só curadores que se “comunicavam com os espíritos”, eles iam muito
além: interferiam no conjunto social, previsão do tempo, processos migratórios
e melhor hora de plantar e colher, além de opinar sobre a guerra.
D´Abbeville foi preciso: “Poucos entre eles desconhecem a
maioria dos astros e estrelas de seu hemisfério; chamam-nos por seus nomes
próprios, inventados pelos seus antepassados... Temos entre nós a poussinière,
que muitos conhecem e que denominam seichu. Começa a ser vista, em seu
hemisfério, em meados de janeiro, e mal a enxergam afirmam que as chuvas vão
chegar, como chegam efetivamente pouco depois.”
É evidente que não se trata de adivinhação. Representava o
resultado do conhecimento historicamente acumulado do pajé, muito além da cura
de doenças. O mesmo pode ser suposto em relação à guerra.
Esse extraordinário conjunto de saberes sob a guarda do pajé
contribuiu não só para o imenso destaque tribal, mas, principalmente, pela
expressa determinação do elemento colonizador para destruí-lo moral e
fisicamente como condição para atenuar a resistência.
Sob esses argumentos é possível trazer à discussão o equívoco
de entender o xamã como sinônimo de pajé.
quarta-feira, 11 de abril de 2018
terça-feira, 10 de abril de 2018
Lua. Oh lua!
Pedro Lucas Lindoso
O que inspira poetas e prosadores?
Não há dúvidas. As mulheres são as nossas maiores
inspiradoras. Desde sempre. Principalmente a mulher amada. Da mitologia grega
vieram as musas. A musa é a personificação feminina da inspiração. As musas
estimulam os poetas, escritores e artistas em geral. Eram filhas de Apolo, deus
da beleza, da harmonia, da elegância.
Depois das musas, a lua é possivelmente o objeto de
inspiração mais utilizado por poetas e prosadores. Há sempre motivos para se
falar da lua. Sábado de aleluia. Minha netinha Maria Luísa olha pela janela e
exclama:
– Lua cheia, vovô! Incrível! Aprendeu a palavra incrível e
tem usado com frequência. Não há nada de incrível com a lua cheia da Semana Santa.
Sempre foi e sempre será cheia.
A Semana Santa depende
da lua cheia. Porque é uma data móvel. Esta mobilidade afeta as festas
relacionadas ao Carnaval, à Pascoa e também o número de semanas do Tempo Comum,
da Liturgia diária dos católicos.
Na época da Guerra Fria, russos e americanos tudo disputavam.
Da corrida espacial até quem seria o primeiro a conquistar a lua. Queriam se
tornar “dono” do satélite. Quanta bobagem, quanta ganância.
Fomos, nós brasileiros, que demos a melhor resposta a essa
tolice. Ou melhor, o grande compositor Braguinha, que fez a bela canção,
imortalizada na voz de Ângela Maria:
“Todos eles estão errados. A lua é dos namorados”.
“Lua que no céu flutua lua que nos dá luar...”.
Outro conceito poético e idiomático que envolve a lua e os
ingleses é a “once in a blue moon”.
A “blue moon” ocorre quando há duas luas cheias no mesmo mês.
Geralmente, em meses de trinta e um dias como julho ou agosto. É um fenômeno
bastante raro. Deu origem à expressão “once in a blue moon” que significa
“muito raramente”.
Por falar em lua e Inglaterra, não nos esqueçamos que dia 23
de abril é dia de São Jorge. O rei inglês Ricardo I, da época das Cruzadas,
constituiu São Jorge padroeiro. Como se sabe, as cruzadas eram expedições que
tentavam reconquistar a Terra Santa. Naquela época se criou na Inglaterra a
Ordem dos Cavaleiros de São Jorge. Os ingleses acabaram por adotar São Jorge
como padroeiro do país, imitando os gregos, que também trazem a cruz de São
Jorge na sua bandeira.
Todavia, a ligação de São Jorge com a lua é tradição
brasileira. Está relacionada com nossa herança africana. E não ao santo
europeu. São Jorge é Oxóssi. Reza a lenda que as manchas apresentadas pela lua
representam o santo, seu cavalo e a sua espada.
São Jorge está lá na lua pronto para defender aqueles que
buscam sua ajuda. Lua. Oh lua!
domingo, 8 de abril de 2018
sábado, 7 de abril de 2018
quinta-feira, 5 de abril de 2018
Zona de Guerrilha Franca
Zemaria Pinto
27 – Temos que ver o lado
positivo da votação de quarta-feira: o horrível, o malatrasado, o psicopata
Gilmar Mendes, que combina o pensamento com a gravata, perdeu.
28 – Os summi magistratus usam o latim como os publiciotários
usam o inglês. Tudo cortinae fumus
para encobrir os doutos interesses subjetivos – e os objetivos também.
29 – Com as interdições
do João Gilberto e do Lula, o país regrediu 60 anos. Luans Santanas e todas as
outras perversas mediocridades à parte, a trilha sonora do país – de bolsonaros e generais, almirantes e brigadeiros de pijama – voltou ao depressivo
samba-canção: meu mundo caiu...
Pajé, caraíba e xamã
João Bosco Botelho
É interessante a abordagem de Metraux ao diferenciar as
competências dos pajés para curar a doença ou fazer a previsão do tempo ou da
colheita, gerando diversas identificações: “Uns tantos dentre eles, todavia,
adquiriram certa reputação, que os colocava acima da confraria e lhes dava uma
situação superior, recebendo nome de pajé-ouassou ou caraíba, palavra que os
antigos autores traduzem por santidade ou homem sagrado”.
Achamos importante levantar algumas indagações lembrando que,
entre os médicos, existe uma nítida estratificação pela competência demonstrada
pela resolução de doenças pouco comuns, que podem afetar a segurança pessoal ou
coletiva. Todos são médicos, porém para caracterizar essa separação, os doentes
usam palavras complementares: competente, preparado, estudioso e muitas outras.
Sob esse enfoque, o “Dicionário Histórico”, de Antônio
Geraldo da Cunha, ajuda a reforçar o pressuposto ao descrever caraíba: “A
cronologia das acepções foi estabelecida com base na documentação histórica
adiante descrita. Com efeito, Anchieta informa que o termo indígena caraíba
traduz-se por “coisa santa e sobrenatural”, esclarecendo ainda que os índios o
adotaram para designar os portugueses. Cardim asseverava, por seu turno, que o
termo era aplicado aos feiticeiros indígenas, dando ao vocabulário, todavia, uma
conotação pejorativa, pois entre os indígenas, caraíba designava o guia
espiritual, espécie de pajé que presidia os seus cultos religiosos, Frei Vicente
do Salvador apresenta uma bem fundamentada explicação da origem dos
significados assumidos pelo vocabulário caraíba, isto é, homem branco, cristão.
Em algumas situações, de certo modo como em algumas relações
entre médicos e doentes, nos relatos dos cronistas, não é fácil separar o
fantástico do real.
Lery participa da mesma ideia de que o pajé era diferente do
caraíba: “Se acontece cair doente algum deles logo mostra a um amigo uma parte
do corpo em que sente mal e esta é imediatamente chupada pelo companheiro ou
por algum pajé, embusteiro de gênero diverso dos caraíbas a que me referi no
capítulo em que tratei da religião e que corresponde aos nossos barbeiros e
médicos. E tais pajés lhe fazem crer não somente que os curam mais ainda que
lhes prolongam a vida”.
No capítulo citado, Lery descreve assim os caraíbas: “Os
selvagens admitem certos falsos profetas chamados caraíbas que andam de aldeia
em aldeia como os tiradores de ladainhas e fazem crer não somente que se
comunicam com os espírito e assim dão força a quem lhes apraz, para vencer e
suplantar os inimigos na guerra, mas ainda persuadem terem a virtude de fazer
com que cresçam e engrossem as raízes e frutos da terra do Brasil”.
Por outro lado, nas notas do capítulo VII, no livro “Religião
dos Tupinambás”, Estevão Pinto discorda dessa separação feita por Lery: “Lery
quis fazer crer que o pajé não passava de uma criatura de gênero diverso do
caraíba. Foi um erro desse calvinista. Todo caraíba era pajé, embora nem todo
pajé fosse caraíba”.
Marcgrave, como Estevão Pinto, percebeu o mesmo sentido para
as palavras pajé e caraíba: “E tem feiticeiro, os quais dificilmente usam,
doutra maneira que médicos, e a estes são sujeitos pelo grande desejo de ver a
saúde ser recuperada... Os demais feiticeiros chamam pajé, caraíba, porém é
para eles o poder deles de concluir os milagres, razão pela qual os lusitanos,
porque muitas coisas faziam, que excediam a inteligência deles, chamavam de
caraíbas e assim também hoje na verdade e chamam todos os Europeus”.
Desse modo, essas contradições também podem confirmam algumas
dificuldades para apreender os significantes simbólicos, no século 16, das
muitas línguas dos índios.
quarta-feira, 4 de abril de 2018
Zona de Guerrilha Franca
Zemaria Pinto
21 – O STF pretender-se a
única instância da justiça brasileira a poder mandar prender é de uma cretinice
sem par na história da instituição.
22 – Confesso minha
ignorância sobre como funcionam as instituições similares de países, digamos,
civilizados; mas, me pergunto, como pode um juiz que foi designado por um
presidente, com o apoio de boa parcela da classe política, julgar interesses
contrários àqueles que lhes proporcionaram tão bela aposentadoria.
23 – E como podem 11
indivíduos – que são apenas pessoas normais, como eu, como você, que se dá ao
trabalho de me ler, que precisam comer na hora certa, dormir um mínimo de horas
por dia e até fornicar de vez em quando – como podem, eu me pergunto, esses 11
indivíduos, tomar para si a responsabilidade pelo cumprimento da justiça do
país?
24 – Associar o
julgamento do Habeas Corpus de um
caso específico à inversão da jurisprudência é má fé. A defesa de Lula quer o
HC porque entende que os julgamentos anteriores foram desonestos. É apenas isso
que está em julgamento. Para ou continua e a vida segue em frente. Mas os
doutos cretinos querem mudar as regras do jogo, visando unicamente beneficiar
seus protetores.
25 – Aí, o que era
comédia começa a virar palhaçada, com generais de pijamas despertando de seus
letárgicos sonos, ameaçando com intervenção. Tem que combinar com o Trump,
antes, ó generalhaço.
26 – Falar nisso, a Bebel
interveio no João Gilberto. Puta que pariu! É uma alegoria viva da decadência
da música brasileira. Quando é que vão intervir na mediocridade da geleia
geral?
terça-feira, 3 de abril de 2018
MARIAS LUÍSAS – gloriosas guerreiras
Pedro Lucas Lindoso
De repente o mundo se encheu de “gloriosas guerreiras”
chamadas de Maria Luísa. Com “s” ou com
“z”, com elas se pode sempre contar, nas adversidades e nas
batalhas. É o que nos diz o Mr. Google.
Conhecem?
Maria Luiza é uma senhora simpática e dinâmica. Única irmã
dos muitos e valorosos irmãos Menezes. Eles fizeram história em Manaus:
Aderbal, Alberto, Almir, meu padrinho Aderson, nosso inesquecível Armando de
Menezes. Dona Maria Luiza, uma filha exemplar e irmã querida de todos eles.
Maria Luiza é a filha mais nova de meu amigo poeta, acadêmico
e blogueiro Zemaria Pinto. Maria Luiza é muito inteligente, esperta e, mesmo
sendo ainda uma garotinha, já produziu várias pérolas, colecionadas pela sua
charmosa mãe, Tainá. Todas devidamente curtidas no Facebook. Maria Luiza disse recentemente que vai ser
“desenhadora” e não pintora. É uma figura. E muito lindinha também. Vamos
continuar seguindo-a no Facebook para ver se será mesmo “desenhadora”,
escritora, médica ou advogada. O futuro dirá.
A Maria Luísa minha neta é a única Luísa com “s” dessa turma
formidável. Sou suspeito para falar dessa mocinha que tanto amamos. Fui
aconselhado a me conter e ser razoável quando me referir à minha neta Maria
Luísa. Tia Idalina me disse que eu estou não só um vovô “babão”, mas que estava
me tornando ridículo. De tanto eu falar das proezas de nossa princesinha de
dois anos de idade que titia, sarcástica como sempre, perguntou se a garotinha
já estava cursando a Federal do Amazonas. Essa titia é fogo!
Por último, mas não menos importante, vou falar de Maria
Luiza Brasil de Medeiros. Autora do livro “Pensamentos de mim, você e todos
nós”, publicado pela Sejamos Luz.
O livro de Maria Luiza Medeiros nasceu de um “puxirum”
organizado por seu editor, o escritor jornalista e advogado Júlio Antônio Lopes
e seu sócio Cassius Clei Aguiar. Na linguagem dos caboclos amazônicos,
“puxirum” é um mutirão. O puxirum pode ser para a construção de uma casa ou para
fazer uma colheita. Ao puxirum do livro de Maria Luiza, uniram-se o designer
Lo-Ammi Santos, o cartunista Elvis, o professor Jan Felmanian Martinont, que a
descobriu como escritora. E ainda, a jornalista Isabelle Valois. Por meio de
sua brilhante matéria no jornal Acrítica, Valois mostrou a vida, a história e a
garra de Maria Luiza Brasil de Medeiros ao mundo. Há os que souberam e fizeram torcida positiva
para esse fantástico projeto. Dentre eles eu me incluo.
Maria Luiza Brasil me pediu que fizesse uma resenha de seu
livro. Senti-me honrado com o pedido. Sou cronista. Não sei ser crítico literário.
Do livro ressalto a frase: “sempre manter perto de si o celular e um caderno”.
Enquanto houver gente inteligente e sensível para escrever
coisas belas e significativas, no celular ou num caderno, haverá literatura.
Ah, essas Marias Luísas, gloriosas guerreiras, amazonenses
queridas, de diferentes idades, surpreendendo e encantando a todos nós. E
ainda carregando o singelo nome de Maria, Mãe do Salvador.
segunda-feira, 2 de abril de 2018
Zona de Guerrilha Franca
Zemaria Pinto
14 – A oposição de
Hollywood e Cannes à Netflix não é uma questão estética, mas tão somente de
mercado. O cinema é apenas uma indústria. Arte é o filme. Não importa se
assistido num pulgueiro ou na sala de jantar.
15 – Afinal, o inferno
existe ou não? O papatrapalhado está ficando sem assunto. Em vez de uma leitura
temporã de Nietzsche, seria mais proveitoso ler Grande sertão: veredas.
16 – (...) o demônio não
precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que
ele toma conta de tudo. (pág 46, na minha edição, de 1983)
17 – Chico & Rita: jazz, boleros e rumbas, numa animação passada em
uma Havana pré-revolucionária.
18 – A dupla caipira Dodge/Barrosão
mandou os amigos do boss de volta
para casa. Passaram a Páscoa em casa. Quase eu choro. A pergunta que não quer
calar: o que o Lima não falou?
19 – Páscoa, dia das
mães, dos pais, namorados, crianças, natal... Para o capital, esses possíveis
sentimentos não passam de oportunidades de negócios.
20 – A natureza do
capitalismo bestializa os homens. Après
Guevara.
domingo, 1 de abril de 2018
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