João Bosco Botelho
Ainda em
torno da associação entre o ético-moral gerando o bem, o bom, o certo,
antepondo-se ao vício ligado ao mal, ao mau, ao pior, é interessante assinalar
a compreensão a priori da ética
médica integrada à virtude do bom resultado requerido pelo doente.
Na tese de
doutorado, defendida em Paris em 1955, intitulada “A ética médica”, o professor
Derrien firmou relações conceituais da ética médica voltada ao benefício do
paciente, isto é, aos bons resultados. No entendimento desse conceituado
professor, é possível entender a virtude kantiana nas práticas médicas,
obrigatoriamente, ligada ao “bem”, ao “bom”, no qual o médico controla a dor e
adia os limites da vida, sempre festejado pelo doente. Dessa forma, seria
inadmissível pensar a Medicina como uma especialidade social para provocar a
dor ou a morte. Essa vertente ligando a ética médica aos bons resultados
entendidos como “boas práticas”, gerando bem-estar ao doente, está presente na
historicidade e na maior parte das atuais abordagens teóricas referenciais.
Nesse
sentido, é possível resgatar relações do conhecimento historicamente acumulado
atando a ética médica à boa prática, entendida pelo senso comum como aquela que
oferecia bons resultados às demandas da clientela por meio de ações que
deveriam, obrigatoriamente, trazer melhorias à vida pessoal e coletiva.
A
historicidade dos códigos de éticas das medicinas laicas e religiosas se
construiu entendendo os respectivos curadores como especialistas sociais que
devem saber controlar a dor e aumentar os limites da vida:
–
Medicina-divina: fortificada nos templos dedicados às muitas divindades, cujos
agentes, sacerdotes e sacerdotisas, reconhecidos como intermediários de deusas
e deuses curadores, com fortes destaques sociais, ofereciam a cura e a
adivinhação por meio de rezas e encantamentos.
–
Medicina-empírica: desde o passado distante, nas primeiras cidades, também com
forte partilha com as idéias e crenças religiosas, os agentes que compreendem
parteiras, erveiros, encantadores e benzedores, homens e mulheres sem
escolaridade, exercem as práticas fora dos templos. Até hoje, em muitas
linguagens-culturas, são respeitados e festejados. Heródoto, no seu extraordinário
livro “História”, descreveu um dia de festa, numa praça, na Mesopotâmia, quando
doentes e curadores se encontravam, para buscar as curas das doenças nos
exemplos de doentes que tiveram algo semelhante e se curaram fazendo ou bebendo
isso ou aquilo. Ao cruzarem com alguém que apresentava sinais e sintomas de
alguma doença que sabiam como curar, os curadores paravam para orientar,
oferecer o tratamento.
– Medicina-oficial: amparada, organizada e
paga pelo poder dominante, muitíssimo mais recente em relações às anteriores,
tanto na Mesopotâmia, quanto em outras culturas que se organizaram e prosperaram,
no segundo milênio a.C. até as primeiras universidades, no Ocidente, no século
12, os processos dos aprendizados dos médicos estavam dentro dos templos das
divindades curadoras mais importantes. Também por essa razão, é possível
compreender, historicamente, certos laços da Medicina-oficial com as ideias e
crenças religiosas. É muito importante relembrar que é a única que construiu,
desconstruiu e continua reconstruindo propostas teóricas para desvendar as
etiologias das doenças nas dimensões cada vez menores da matéria e tem vencido
as barreiras para diminuir a abstração e aumentar a materialidade das doenças.