Amigos do Fingidor

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Quino (17/7/1932 – 30/9/2020)

 

Quino, por J. Bosco.

Mafalda, por Quino.


A verdade da ficção e a ficção da verdade – o novo livro de Zemaria Pinto propõe uma reavaliação de A selva, de Ferreira de Castro


Clique sobre a imagem, para obter o livro em PDF.

O sucesso alcançado por A selva, em escala internacional – Ferreira de Castro chegou a ser considerado, não sem controvérsia, um renovador do romance português –, toldou a avaliação crítica da obra, especialmente, no Brasil, onde ainda é, e com justa razão, a maior referência na prosa de ficção que trata do ciclo econômico da borracha. A revisão a que nos propomos é quanto à essência da obra – desde as falhas na arquitetura histórica da trama até a estruturação psíquica das personagens. Não nos move destruir o mito, mas sim lançar sobre ele a luz de um novo entendimento. E de uma vez por todas – será isso possível? – desassociar a figura da personagem de ficção Alberto da figura histórica do escritor José Maria Ferreira de Castro. Separar a verdade da ficção da ficção da verdade.

(Zemaria Pinto)


Fantasy Art - Galeria

Jeff Wack.

 

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Até quando, vovô?

Pedro Lucas Lindoso

 

Domingo. Recebemos a visita de nossa netinha Maria Luísa. Durante a quarentena ficamos quase cinco meses sem contato. A recente revisão das medidas restritivas parece que aliviaram as saudades dos avós.  Com o uso de máscaras e sem aglomerações os netos foram liberados para visitar-nos. Um alívio relativo. As preocupações com o contágio do terrível corona continuam. E não se pode relaxar.

A escola de minha neta Maria Luísa reabriu obedecendo a todas as normas sanitárias. Uso de máscara, distanciamento e álcool em gel. E ainda há um rodízio de alunos. Mas até quando?

Em princípio parecia temerário o retorno. Mas para a Maria Luísa acho que foi um ganho. Principalmente no seu psicológico. Há que se priorizar a saúde, sem dúvida. Evitar-se o contágio. Mas o aspecto de saúde mental não pode ser negligenciado.

Maria Luísa mora em casa espaçosa, com piscina e tem a atenção constante de adultos responsáveis. Mas sentia falta dos amiguinhos. Voltar às aulas foi bom. E o fato de poder visitar os avós eventualmente trouxe a ela a sensação de que a pandemia havia terminado. 

Uma jovem mãe que está em teletrabalho confessou no grupo de whatsapp que se sente culpada ao brincar com os filhos. Simplesmente porque acha que deveria estar trabalhando. Entretanto, quando está trabalhando, acha que deveria estar com os filhos.

O importante é os pais não transmitirem tanta ansiedade para as crianças nestes tempos tão complicados. Maria Luísa é privilegiada nesse aspecto.

Nossa conversa de domingo girou em torno das festinhas de aniversário. Maria Luísa teve a sorte de fazer anos em fevereiro. Sua festinha foi antes da pandemia. O tema foi a princesa Ariel e companhia.  Uma festa muito bonita e Maria Luísa irradiava felicidade.

Acostumada a ir a aniversários temáticos, tem sentido falta. E comentou:

– Sinto falta de brincar em festas com meus amigos. Festa no computador não tem graça. A gente não brinca junto, não corre, não se diverte. E questionou:

– Vovô, esse corona já foi embora ou não? Disse-lhe que infelizmente “ele” ainda estava por aí. No que ela perguntou:

– Mas até quando, vovô?

 

 

 

domingo, 27 de setembro de 2020

sábado, 26 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Eros e Psyche.
Marta Dahlig.



 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Bolero's Bar 8

 Errei, sim 

Zemaria Pinto

 

Manchou o quê? Que conversa mais idiota. E o meu nome, como ficou? Antes, eu era a amante; agora, sou a puta. O bar todo sabe quem eu sou, o que eu sou, o que fizeram comigo e o que fiz em troca. Somos feitos todos com mesma lama, homens e mulheres. Quem se digna a ficar trancada em casa em troca de comida diária, aluguel mensal e bijuterias de vez em quando? Prefiro me virar. É muito mais divertido. Quer saber? Se a vida fosse um grande parque de diversões, eu ia preferir a montanha-russa ou pelo menos a roda-gigante. Nada de carrossel ou castelo de princesa. No mais, é como dizia minha vó: quem tem uma tem uma; quem tem todas não tem nenhuma. Garçom!

 

Errei, sim (1950), de Ataulfo Alves (Miraí-MG, 1909-1969). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A poesia é necessária?

 Presença africana

Alda Lara (1930-1962)

 

E apesar de tudo,

ainda sou a mesma!

Livre e esguia,

filha eterna de quanta rebeldia

me sagrou.

Mãe-África!

 

Mãe forte da floresta e do deserto,

ainda sou,

a Irmã-Mulher

de tudo o que em ti vibra

puro e incerto...

 

A dos coqueiros,

de cabeleiras verdes

e corpos arrojados

sobre o azul...

A do dendém

nascendo dos abraços das palmeiras...

 

A do sol bom, mordendo

o chão das Ingombotas...

A das acácias rubras,

salpicando de sangue as avenidas,

longas e floridas...

 

Sim!, ainda sou a mesma.

A do amor transbordando

pelos carregadores do cais

suados e confusos,

pelos bairros imundos e dormentes

(Rua 11!... Rua 11!...)

pelos meninos

de barriga inchada e olhos fundos...

 

Sem dores nem alegrias,

de tronco nu e musculoso,

a raça escreve a prumo,

a força destes dias...

 

E eu revendo ainda, e sempre, nela,

aquela

longa história inconsequente...

 

Minha terra...

Minha, eternamente...

 

Terra das acácias, dos dongos,

dos cólios baloiçando, mansamente...

Terra!

Ainda sou a mesma.

 

Ainda sou a que num canto novo

pura e livre,

me levanto,

ao aceno do teu povo!

(Benguela, 1952)



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria



Jennifer Janesko.

 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Arroz de festa: #fiquememcasa

 

Pedro Lucas Lindoso

  

A tia Idalina não se serve de arroz antes de colocar qualquer outra coisa no prato. O motivo? Pura superstição. Diz ela que arroz é comida de gente pobre e produzido em larga escala em países pobres. Para não desrespeitar titia, guardei o comentário para mim. Quanta bobagem!

O fato é que o arroz, ou melhor, o preço do arroz, tem ocupado a mídia, escrita, televisionada e todas as outras chamadas mídias sociais.

Incrível a imaginação dos brasileiros para fazer piada em situações de conjuntura política, econômica e social. Um craque nisso foi o escritor, cronista e humorista brasileiro chamado Sérgio Porto. Usava o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. Famoso nos anos de 1960 com o livro Febeapá – O Festival de Besteira que assola o país. Ponte Preta está fazendo falta.

Como eu tenho a minha querida tia Idalina, Sergio Porto tinha a tia Zulmira. Carioca, Zulmira teria sido cozinheira da coluna Prestes e namorada de Charles Darwin. Ah! Foi também colega de Albert Einstein. Tia Idalina obviamente não supera a tia Zulmira, nem em fama nem em curriculum, mas, modéstia à parte, chega perto.

Voltemos ao preço do arroz. Há os que justificam a crise culpando os responsáveis pela desocupação dos produtores de arroz da Raposa Terra do Sol. O governo explica que com a safra catarinense de janeiro vai normalizar.

Para tia Idalina a questão do aumento do preço tem um culpado. É o tal de “arroz de festa”. Como se sabe, chama-se de “arroz de festa” à pessoa que se faz presente em todas as festas. Ou mesmo quem comparece ou está em todos os lugares ao mesmo tempo.

Tia Idalina, mesmo não tendo sido companheira de Einstein como tia Zulmira, tem um raciocínio lógico espetacular. Insiste em culpar o aumento do preço do arroz ao tal “arroz de festa”. E explica:

Mesmo sabendo que o corona ainda circula pelo planeta, o “arroz de festa” saiu da quarentena. Como é de seu feitio, começou a ir em todas as festas, bares, shoppings, praias e aglomerações diversas.

O óbvio aconteceu. O “arroz de festa” espalhou o corona por onde passou. Aumentou o número de infectados e ainda subiu de preço. Titia tem apelado para todo “arroz de festa”:

#FIQUEM EM CASA!



segunda-feira, 21 de setembro de 2020

domingo, 20 de setembro de 2020

Manaus, amor e memória CDLXXXI

Ao fundo, o Teatro Alcazar, futuro Cine Guarany.

 

sábado, 19 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria


René Zwaga.
René Zwaga.
 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Mestre Pinheiro (16/12/1951 – 18/9/2020)


Na banda da Caxuxa, Mestre Pinheiro, ladeado por Zemaria Pinto e Simão Pessoa.


Um encontro de Mestres: Monarco e Pinheiro.

 

Bolero's Bar 7

La barca

Zemaria Pinto

 

A vida é uma sucessão de chegadas, desencontros e partidas. Nosso ciclo se fechou. Agora, sou um porto deserto na escuridão da tua ausência. Enquanto o teu navio segue em busca de outros portos – eu, uma ilha perdida, fora do mapa, olho o oceano deste copo e nele mergulho sem pressa, sorvendo cada gota como se fora a última boca. As horas avançam e logo o sol se acenderá. É quando sinto que a distância agrava mais e mais a dor da lembrança de quem dela se torna o mais canalha dos servos.

 

La barca (1950), de Roberto Cantoral (México, 1935-2010). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A poesia é necessária?

Didática

Anibal Beça (1946-2009)

 

 

Queda a palavra não dita

mas, dita pela escrita,

fica sem resposta clara,

se verde é o grão dessa fala.

Ai força que faz do verso,

misterioso voo disperso,

aberto por linhas tortas:

chave do vento sem portas.

Nesse ofício da solidão,

o poeta arruma a alma:

espinho e palavra na mão.

E a pluma azul, aqui e agora,

decifra os signos e as coisas,

frágua do tempo e sua hora.


quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Frans Mensink.
Panthergirl.
Frans Mensink.

 

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Xô, corona!


Pedro Lucas Lindoso

 

 

Estou preocupado com minha querida tia Idalina. Achei-a depressiva. Nunca tinha visto titia tão triste. Disse-me estar cansada das restrições da quarentena.

Ficou abalada por não ter havido o desfile de Sete de Setembro. Pela primeira vez, em anos, deixou de ir à parada. Idalina é filha de ex-combatente da II Guerra. Tem o maior orgulho. Diz sempre que ele colocou a vida em risco pela liberdade. Foi para Itália no quarto escalão da FEB, em novembro de 1944.

Seu pai desfilava todo dia 7 de setembro. Primeiro, aqui em Manaus, na avenida Eduardo Ribeiro. Depois quando se mudaram para o Rio, no Aterro do Flamengo. Até morrer. Idalina nunca perdeu um desfile.

Com o cancelamento da parada por conta da pandemia, ficou desolada. Perguntou-me se teria sido cancelada ou se foi adiada. Lembrou que alguns eventos tinham sido adiados para novembro. Deviam fazer o desfile dia 15 de novembro, dia da Proclamação da República.

Aconselhei a titia a mandar sua ideia de fazer o desfile dia 15 de novembro para o Palácio do Planalto. Mas acho pouco provável que seja aprovado. Aglomerações parecem estar proibidas até o fim do ano.

Idalina recordou o tempo em que ela também desfilava. Era aluna do Colégio Estadual Pedro II. Foi baliza da banda do colégio. Lembrou-se de seu bastão, todo enfeitado. Marchava à frente da banda com garbo, dança e beleza. Sua função era atrair a atenção das pessoas para a maravilhosa banda do Colégio Estadual.

Idalina apresentava-se com orgulho e simpatia. Depois corria para esperar seu pai desfilar junto com os outros expedicionários, heróis da pátria.

O cancelamento da parada abalou Idalina. A preocupação dela agora é se vão cancelar a Missa do Galo. Outro evento anual que ela não perde. Reclamou que nos últimos anos as missas são rezadas às 21.00 horas e não mais à meia-noite.

Disse-lhe que na Catedral de Saint Patrick em Nova Iorque a missa é meia-noite. Chamada de Midnight Mass. Muito disputada. Vamos reservar ingressos com antecedência. Que tal passar o Natal em Nova Iorque? Fiz essa promessa para alegrar a titia. É só o corona ir embora.

– Xô, corona! exclamou Idalina.

  

domingo, 13 de setembro de 2020

Manaus, amor e memória CDLXXX

Bela vista da fachada da catedral, escondida atrás de uma metáfora. Anos 1950.
Notem o calçamento dos sonhos de qualquer prefeito: paralelepípedos.


 

sábado, 12 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Luis Royo.

 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Bolero's Bar 6

 Último desejo 

Zemaria Pinto

 

Esta é a última vez que estaremos juntos. É bom que o bar inteiro sirva de testemunha. Duas pessoas civilizadas resolvem dar um basta no sofrimento recíproco – é isso o que todos estão pensando. Amanhã, estaremos em mesas diferentes, com pessoas diferentes. Só te peço uma coisa: se alguém perguntar, diz que ainda me amas, que estás sofrendo, que não sabes o que será da tua vida, essas coisas que os homens infelizes dizem. E a quem não perguntar, diz que foi melhor assim, afinal, o bar sempre foi meu doce lar. É irônico: tendo começado num alegre São João, o nosso amor morre hoje, sem choro nem vela, nos versos tristíssimos de um samba-canção.

 

Último desejo (1937), de Noel Rosa (Rio de Janeiro-RJ, 1910-1937). Samba-canção.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A poesia é necessária?

 Instrução

Inácio Oliveira

 

 

Andar entre as feras, domar as bestas

Alimentar os lobos e desprezar os cães,

Observar a discreta orgia dos insetos.

Saber que as árvores crescem em segredo

Amar os loucos e aquilo que neles é refúgio

Agir como os pássaros dentro de um incêndio,

Entender que só o fogo é sagrado

E sua chama, metáfora de tudo que existe.

 

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Karol Bak.

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Nossa vida, mais amores

 

Pedro Lucas Lindoso

 

 

Em setembro, quando se comemora a elevação do Amazonas à categoria de Província, no dia 5, e a nossa independência de Portugal, no dia 7, não deixo de sentir um certo ufanismo. Mas sem excessos. Tenho sim, orgulho de ser brasileiro e de ser amazonense. Assim como de ter estudado e vivido na bela Brasília, capital desse imenso e contraditório Brasil.

Uma das grandes satisfações que tenho é pertencer ao IGHA – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Ocupo a cadeira número 10, cujo patrono é Gonçalves Dias. Nesses dias de patriotismo aflorado, impossível não me lembrar de “Canção do Exílio", possivelmente a obra mais conhecida de Gonçalves Dias:

 “Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá; as aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores... Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá; sem que eu desfrute os primores que não encontro por cá; sem qu'inda aviste as palmeiras, onde canta o Sabiá”.

A literatura essencialmente brasileira se inicia no Romantismo. Esse poema foi escrito nos meados do século 19. Gonçalves Dias encontrava-se em Portugal e sentia-se “exilado”. Expressa um evidente patriotismo romântico. E está eivado de sentimentos de saudades.

Estou me sentindo assim, também. Sinto-me meio que exilado dentro do meu país.  E com saudades. De um tempo em que meus conterrâneos eram tidos como “um povo cordial”. Se não de todo cordial, menos raivoso, pelo menos.

A razão disso é essa declarada divisão e guerra ideológica entre as pessoas. Entre amigos, familiares e colegas. Fiquei triste em saber que um grupo de canto coral em Brasília dissolveu-se. A maestrina e o patrocinador e dirigente do coral não conseguiram conciliar desavenças políticas e ideológicas. E acabaram com o coral.

Isso tudo é muito triste. É lamentável. Só me resta continuar evocando Gonçalves Dias. E, romanticamente, esperar que os brasileiros, em uníssono, possam voltar a acreditar que:

 “Nossos bosques têm mais vida; Nossa vida mais amores”.

 Estamos na semana da pátria. Pense nisso.

 

 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Elson Farias lança livro sobre Luiz Bacellar



O dia 9 de setembro assinala os 8 anos da morte do poeta Luiz Bacellar.


 

domingo, 6 de setembro de 2020

sábado, 5 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria

Martha Dahlig.

 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Bolero's Bar 5

 Quizás, quizás, quizás

Zemaria Pinto

 

Talvez é uma palavra terrível, na sua carga de incerteza e desesperança. É mais cruel que o não, mais dolorido que o silêncio. Enquanto isso, passas de mão em mão, borboleteando pela pista de dança, e eu me perguntando, humilhado: quando? Chegada a minha vez, esperando a pergunta de sempre, me encontras de olhos baixos e lábios trêmulos, balbuciando a mesma resposta. Entre a tua insegurança e o meu desespero, o nosso tempo se esvai na vertigem de mais uma madrugada perdida.

 

Quizás, quizás, quizás (1947), de Oswaldo Farrés (Cuba, 1903-1985). Bolero.

No Spotify, ouça a playlist Bolero’s Bar.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A poesia é necessária?

 Catar Feijão

João Cabral de Melo Neto (1920-1999)

 

(A Alexandre O’Neil)

 

Catar feijão se limita com escrever:

joga-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na da folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

 

Ora, nesse catar feijão entra um risco:

o de que entre os grãos pesados entre

um grão qualquer, pedra ou indigesto,

um grão imastigável, de quebrar dente.

Certo não, quando ao catar palavras:

a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a com o risco.



quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Fantasy Art - Galeria

Neptunes daughter.
Clyde Caldwell.



 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Viajar é preciso

 

Pedro Lucas Lindoso

 

 

O pior da quarentena não é ficar enfurnado em casa. Pelo contrário, até gosto muito. Sinto falta do contato com amigos e de ir ao cinema. É verdade. Também me fazem falta as confraternizações e reuniões nas diversas instituições das quais participo. São associações de escritores, saraus literários, encontros no IGHA – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.  E claro, as reuniões de família com a presença de filhos, genro, nora e da minha netinha Maria Luísa.

Como disse, não é ruim ficar em casa. Tenho uma rotina e estou em teletrabalho.  Tenho escutado as pessoas dizerem que estão em “home office”. Uso errado do anglicismo. Bem, eu estou em teletrabalho e trabalhando de casa no meu escritório doméstico (home office). Nem todos têm escritório em casa. Uns trabalham da sala, da cozinha ou mesmo do quarto. Em inglês existem as palavras “telework” ou “remote”. Mas pouco usadas. Meus amigos americanos me relatam durante a pandemia: “we are working from home”. Estamos trabalhando de casa.

Outra coisa boa da quarentena é ter mais tempo disponível para leitura. Atividade da qual gosto muito. Mas o que eu sinto falta mesmo é de viajar. Estou lendo um livro do italiano Antonio Tabucchi, chamado Afirma Pereira.   Se passa em Portugal. Tabucchi adora viajar. Teria dito ao Jornal de Letras de Lisboa, sobre o ato de viajar: “Mesmo que não aconteça nada verificável, no plano do real, sempre favorece uma sucessão de ideias, uma espécie de fantasia”.

     Minhas viagens também são sempre fontes de inspirações, de deleite, de exercícios de imaginação e de fantasias.

Muitos conhecem a frase de Fernando Pessoa – Navegar é preciso, viver não é preciso. A interpretação mais festejada é aquela que entende que navegar é preciso, no sentido de exatidão. Necessitamos de cálculos, de precisão. Já a vida é imprecisa. Não podemos calcular nem predizer o futuro.

O romano Plutarco teria dito: “Navegar é necessário, viver não é”. Pessoa teria se inspirado na frase da obra “Vida de Pompeu”. O general romano incitava os marinheiros temerosos em navegar, dizendo: ”navigare necesse, vivere non est necesse”.

 A genialidade de Fernando Pessoa está justamente no jogo de palavras. Na minha interpretação pessoal gosto de entender que navegar é necessário, mas viver também é necessário. Viver não é preciso, no sentido de não haver precisão em calcular o futuro e as incertezas que enfrentamos. 

Enfim, quero o fim da pandemia, porque viajar é preciso!