Amigos do Fingidor

quinta-feira, 28 de abril de 2022

A poesia é necessária?


Cinza

Diego Mendes Sousa

Para Jorge Tufic (1930-2018)

 

Terminei esta manhã

de quarta-feira de cinzas

como a natureza do tempo

apresenta-se agora.

 

O vento espalha-se frio

é chuva que vem

dizer

que a saudade é

um murmurar melancólico.

 

Deus começa a chorar, Tufic!

 

Depois do reinado festivo

do momo

gota a gota, fico a relembrar

os seus versos a uísque

doze anos.

 

Guardanapos, pássaros, retratos,

noites, varandas, fraturas do Líbano...

Seu ócio secreto!

Os espantos amazônicos!

Vou lendo a tarde extrema

da sua floresta interior

e o coração hermético

dos seus mistérios,

a memória não espera.

 

A vida ainda é dor,

onde deuses abrigam

lágrimas e lembranças.

 

Velho amigo boêmio,

Jorge Tufic – derradeiro

Poeta de antanho –

na ressaca deste

e de outros milhentos

silêncios.


Parnaíba, costa do Piauí, 

14 de fevereiro de 2018.



terça-feira, 26 de abril de 2022

Candidatura impugnada

                                                                                                       Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina é mais que uma peça. Ela é um seriado de Netflix. Desses que a gente faz maratona para assistir e ainda quer mais. Sabemos que ela recebe quatro pensões. É viúva legítima de dois maridos. Recebe do estado, do município, do governo federal e do INSS. Disse que são todas lícitas porque professor e médico podem acumular.

Como não tem filhos, faz a alegria dos sobrinhos. Um de seus sobrinhos é socialista e ateu.  Já o outro, é assumidamente de direita, empresário e religioso.

No seu apartamento em Copacabana há o famoso quadro de Che Guevara. Quando o sobrinho conservador vai visitá-la, ela substitui o Che por uma foto de Margareth Thatcher cumprimentando Ronald Reagan.

Ambos sabem que Idalina se considera “empoderada” e apoia a luta das mulheres pelo reconhecimento de igualdades em relação aos homens. Depois de meses sem receber os sobrinhos, convidou todos para um tacacá em seu apartamento. Era para comemorar uma conquista importante que aconteceu há 90 anos. A instituição do voto feminino no Brasil.

Uma das evidências que Idalina não tem só setenta anos, como afirma sempre, está no fato de que conheceu, quando ainda jovem, a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz. Foi a primeira mulher eleita por São Paulo. Para a Assembleia Constituinte de 1933. Idalina conhece a biografia de Anaíde Beiriz, Berta Lutz e Pagu. Todas lutaram por espaço de poder feminino.

Por conta disso, os sobrinhos de Idalina, ambos dirigentes de partidos nanicos, um de esquerda e outro de direita, convidaram a titia para compor o quadro de mulheres candidatas para as próximas eleições.

Para a Assembleia Legislativa cada partido poderá registrar candidaturas no total de até 100% do número de cadeiras a preencher mais um. Desse total de vagas, deverá ainda preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% com candidaturas de cada gênero. Ambos estavam com dificuldades para completar a cota das mulheres.

Idalina não sabe dizer não para os sobrinhos. Primeiro se filiou no partido de um e depois no de outro. Escondido de todo mundo. E veio me perguntar se teria problemas! Claro que sim! Em caso de dupla filiação partidária, deve prevalecer a última. Mas há necessidade de comunicar por escrito ao órgão de direção municipal do partido e à Justiça Eleitoral. Sua candidatura vai ser impugnada! Titia desligou o telefone. Apavorada.


domingo, 24 de abril de 2022

Manaus, amor e memória DLXIV


Eduardo Ribeiro.
A calçada à esquerda é da Matriz.

 

sexta-feira, 22 de abril de 2022

As pedras doentes da rua do Fio – análise em podcast

 


Clique sobre a imagem da capa, para obter acesso ao podcast 
no Portal Entretextos.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

A poesia é necessária?


ao operário

                                  Mailson Furtado

 

era manhã

ainda sem sol

(culpa duma nuvem

           intrometida)

 

duas voltas na chave

cinco quarteirões ao norte

pé-ante-pé

passo-ante-passo

a rua do tamanho

          do depois

e ele (sem ele)

já cedo – cansaço

 

o ônibus inerte o embrulha e sacode

noutra rua sem-pai-nem-mãe

 

o patrão sempre ao braço

palitando entre dois ponteiros

e ele sei lá

: num ‘tá e não ‘tá

num ser e não ser

ora só pernas

ora sem olhos

ora a mochila

ora só a hora de chegar

e vai

 

repete bom-dias

repete o café

repete o anteontem

(que tanto faz ser amanhã)

repete o que nunca fez

sempre no mesmo horário

    lotado doutros ausentes

e

vai

 

no ir do mesmo caminho

ele às voltas

            vai

futrica o mesmo martelar

das oito nove dez

                      às seis

do mesmo do mesmo

do mesmo mês

já setembro

 

outra vez sem férias

outra vez com as mesmas coisas

outra vez sem outras coisas

outra vez com tantas coisas

e já sem ele

 

sem saber quem

mas pra que

era

 

e vai o dia

que é um

           nenhum

           e outros seis

a tropeçar no domingo

que é um acidente

 

e vai

voltas e idas sem mais

voltas e idas nem mais

nem ele

 

(por treze dias

ficou sem existir

 

            : seus registros em documentos a provar sua

            vida numa tarde foram deixados num assalto

         

          sem números

          não tinha nome

          não era gente

          não tinha parentes

          não tinha

                 nem ele –

         

          o agora ou depois

          o mesmo valor)

  

sem sol

o relógio já cochila pramanhã

 

: um trago no bar

  um cigarro na esquina

  o vale-transporte a valer

               a próxima parada

já sua casa

 

cinco quarteirões ao sul

duas voltas na chave

 

era noite

com lua

e ele não viu

(culpa das mesmas coisas de sempre

daquilo que não muda) 



terça-feira, 19 de abril de 2022

O boto mestre-escola de Urucará

 Pedro Lucas Lindoso

 

Em 1982, ano em que o governador Mestrinho retornou ao poder no Amazonas, Márcio Souza publicou A resistível ascensão do boto tucuxi, uma fantástica sátira política envolvendo o falecido ex-governador. Depois, Mestrinho se autoproclamou como o boto-navegador. Obteve grande vantagem política com isso.

No meu livro A visita dos botos vermelhos às Anavilhanas, os botinhos Rick e Rock promovem o desenvolvimento sustentável e o respeito à floresta e aos nossos mamíferos aquáticos. No infantil O boto cor-de-rosa e o jacaré do rabo cotó, as crianças são incentivadas a meditar sobre os malefícios da inveja.

Mas nada supera o fantástico trabalho de Joaquim dos Santos Marques, escritor e professor do ensino fundamental de uma escola da prefeitura de Urucará.

Ele adaptou com maestria e com o mais alto espírito pedagógico e humano, a famosa lenda amazônica do boto. Como todos sabem, o lendário boto amazônico é um tremendo mau-caráter. Ele seduz as moças, engravidando-as e retorna impunimente para as águas dos nossos rios.

Na adaptação do professor Joaquim, feita a pedido de suas colegas professoras, o boto se transforma em um jovem e elegante professor.

O boto de Urucará aparece nas noites claras de luar. Vem para ajudar as crianças com dificuldades em aprender a ler e escrever. Geralmente, ele aparece no momento de tristeza quando as crianças estão desanimadas e sem vontade de estudar!

Usa um chapéu de formatura, anel brilhoso e jaleco branco. Apresenta-se comunicativo e educado. Na beirada dos rios, ele escreve na areia todas as famílias silábicas. Seu objetivo é facilitar o aprendizado das crianças e alfabetizá-las. Depois, quando a lua vai sentando, antes de escurecer, ele volta para o fundo do rio. E se transforma novamente em boto. No dia seguinte, as crianças amanhecem entusiasmadas para aprender a ler e escrever. E com muita vontade de ir para escola! O boto professor de Urucará geralmente aparece no mês de agosto quando é comemorado o mês do estudante!

A contribuição pedagógica do professor Joaquim Marques é de um valor extraordinário. Há muitos botos, tanto tucuxis quanto vermelhos (ou cor-de-rosa) habitando o paraná de Urucará. As crianças da cidade conhecem bem esses mamíferos. Em boa hora foram apresentadas à lenda do boto professor. Aquele que com grande maestria ensina às crianças o tão necessário e importante letramento.

 

domingo, 17 de abril de 2022

Manaus, amor e memória DLXIII


Ponte de Ferro da Cachoeirinha, vista do igarapé do Mestre Chico.


 

quinta-feira, 14 de abril de 2022

A poesia é necessária?

 

Dos encantados (fragmentos)

Marta Cortezão

 

Iara, se ouvisse Orfeu

doce e ledo canto teu,

a lira te brindaria,

de ti vassalo seria.

*

Japu, gatuno do fogo!

Ave, Prometeu tapuio!

Fez-se pássaro e seu logro

grande façanha do mundo!

*

Mulheres Icamiabas

vencedoras de Orellana;

ancestrais e matriarcas

das caboclas Amazonas.

*

Olhos vastos de Caipora

percorrem meus labirintos

e na cólera das horas

perco-me em loucos instintos.

*

Senhora do rio profundo,

teu véu ardente Jaci

incendeia fêmeo mundo:

meu corpo sangra de ti.


terça-feira, 12 de abril de 2022

Jejum, por que fazê-lo?


Pedro Lucas Lindoso

 

As religiões não podem exigir de seus fiéis que cumpram determinadas normas ou dogmas.  Os católicos não são obrigados a fazer jejum na Quarta-feira de Cinzas e nem na Sexta-feira da Paixão. A recomendação da Igreja é de não comer carne vermelha nesses dias. Aqui no Amazonas, com a variedade de nossos peixes, muito apetitosos, o sacrifício se relativiza. Pelo menos, para a maioria.

Na minha infância, aqui em Manaus, comia-se peixe, invariavelmente, não somente nesses dias, mas em todas as sextas da Quaresma. Também para a missa de domingo, se já tínhamos a Primeira Comunhão, era preciso estar em jejum para comungar. Regra que praticamente caiu em desuso depois do Concílio Vaticano II.

Segundo meu amigo Chaguinhas, que conhece bem a Bíblia, o jejum mais eficaz é aquele pregado em Isaías. Repartir o pão com o faminto, ajudar os pobres e desabrigados e vestir quem está nu.

Já o Papa Francisco aconselhou, com muita sabedoria, que façamos jejum de palavras negativas e recomendou a todos encher-se de gratidão.  Jejum de raiva e encher-se com mansidão e paciência; jejum de pessimismo e encher-se de esperança e otimismo; jejum de preocupações e encher-se de confiança em Deus; jejum de queixas e encher-se com as coisas simples da vida; jejum de egoísmo e encher-se com compaixão pelos outros; jejum de falta de perdão e encher-se de reconciliação; jejum de palavras e encher-se de silêncio para ouvir os outros. Grande Papa, Grande Chico!

Verifica-se que há três tipos principais de jejum de alimentos: o jejum total, o jejum com água e o jejum parcial. Tirando-se o aspecto religioso, seria o jejum benéfico para a saúde?

Acredito que sim. Durante muito tempo pratiquei o jejum pela manhã. Foi um conselho de um naturalista coreano em Brasília. Dizia ele que, nas primeiras horas da manhã, jejuar pode dar a oportunidade ao organismo expelir as impurezas dos alimentos processados durante a noite. É o inverso do que se vê na cultura dos Estados Unidos. Eles comem muito no café da manhã. Porém, há muitos obesos e doentes por lá.

Está muito na moda o tal jejum intermitente. Consiste em jejuar por algumas horas seguidas por dia. Geralmente é comum pular o café da manhã. Durante o período de jejum, é permitida a ingestão de água ou chá. A nutricionista que me aconselhou o jejum intermitente parece ter consultado o naturalista coreano. Aconselhou-me a fazer a última ingestão do dia às 20 horas. E a primeira ingestão do dia seguinte às 12 horas.

Enfim, o jejum pode agradar a Deus e fazer bem à saúde. Por que, então, não jejuar?

 

domingo, 10 de abril de 2022

Manaus, amor e memória DLXII


Movimento comercial na Cidade Flutuante,
por trás do Mercado Grande, na década de 1960.

 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

A poesia é necessária?

 

Soneto 222 Ao fim e ao cabo

Glauco Mattoso

 

Ao cabo de alguns anos bengalando,

decoro cada pedra do caminho,

o ponto onde alguns galhos com espinho

esbarram-me na cara quando eu ando.

 

Ao cabo de alguns meses sonetando,

compor passa a processo comezinho,

tal como encher o copo com mais vinho

sabendo, em plenas trevas, quanto e quando.

 

A forma do soneto é o quarteirão

ao qual, por anos, dando a volta vim

sem guia ou companhia de outro cão.

 

Caminhos nunca mudam para mim.

Só muda a caminhada, como vão

mudando meus sonetos. Chego ao fim.



quarta-feira, 6 de abril de 2022

terça-feira, 5 de abril de 2022

Dia da mentira: abaixo as fake news!

Pedro Lucas Lindoso


Primeiro de abril. Dia da mentira. Dizem que a mentira tem perna curta. Mas o boato corre. Há várias versões sobre a origem do primeiro de abril. Acredita-se que teria surgido na França. Os trotes são conhecidos por lá como “plaisanteries”.

Em Minas Gerais, a revista chamada A Mentira, lançada em primeiro de abril de 1828, noticiava falsamente o falecimento de dom Pedro. Na minha opinião, uma “plaisanterie” inoportuna e deselegante. Aliás, “plaisanterie”, significa gracejo, piada. Sou totalmente favorável como brincadeiras ou trotes nesse dia. Inclusive gosto de fazê-las. Desde que não sejam inoportunas ou inconvenientes.

Não somente em Minas Gerais em tempos do Imperador, que a Imprensa participa da brincadeira. O jornal Le Parisien noticiou, em 1986, que a Torre Eiffel, símbolo de Paris, seria desmontada e transferida para o parque de diversões Euro Disney, próximo à capital francesa.

Em 1980, a rádio BBC anunciou em Londres que os ponteiros do Big Ben seriam trocados por um painel eletrônico. As hastes antigas seriam doadas ao primeiro ouvinte que telefonasse para a rádio. Foram notícias falsas que não envolveram nenhuma pessoa em particular nem macularam a imagem de alguém.

Há ainda a mentira branca. É aquela que nos impede de ferir ou insultar alguém com a verdade fria e dolorosa.  Uma noiva vestida inadequadamente. Ninguém pode ou deve magoá-la. Outra mentira positiva é aquela benéfica. O médico sabe que o paciente está terminal. Mas, o visita em seu leito de morte para levantar seu ânimo. Milagres acontecem.

A verdade é que todos nós somos mentirosos até certo ponto. Porém a mentira patológica ultrapassa os limites da normalidade. O mentiroso patológico, também conhecido como mitomaníaco, é alguém que mente compulsivamente.

O mitomaníaco não se importa de contar inverdades ou distorcer a realidade. E esses encontraram um terreno fértil para sua anomalia nas redes sociais. Essas pessoas não conseguem resistir ao impulso de mentir. São os criadores de “fake news”. Enxovalham a honra e a dignidade das pessoas sem qualquer escrúpulo ou espírito de solidariedade cristã.

É lamentável que, em nome de posicionamentos políticos e ideologias diversas, se espalhem fofocas, mentiras e fake news a torto e a direito.

Sugere-se que alguns devam buscar tratamento psicoterapêutico para superar esse comportamento. No primeiro de abril, pode-se comemorar a mentira branca, a benéfica e as inocentes “plaisanteries”. Mas, definitivamente, abaixo as fake news!

 

domingo, 3 de abril de 2022

Estilhaços Literários faz conexão Norte-Nordeste

 


Chegamos ao "Estilhaços Literários - Escritorxs Indigestxs XI" fazendo uma conexão Norte Nordeste lindíssima! Serão quatro poetas convidados, Marta Cortezão (AM), Mailson Furtado (CE), Antonio Miranda (CE) e Rojefferson Moraes (AM), com mediação do poeta Zemaria Pinto, em um bate papo sobre suas obras, e a correria que é ser poeta em um país dominado por pessoas que comemoram o golpe militar. E marcando o retorno do sarau ao Centro de Manaus, no Vibrânia – Estúdio de Arte, em plena segunda-feira. Chega junto!

 

#EstilhaçosLiterários

#Vibrânia

#NaToraProduções


Lygia Fagundes Telles (19/4/1923 – 3/4/2022)

 

Lygia Fagundes Telles, por Flaw Mendes.

Manaus, amor e memória DLXI