Soa Lee. |
quarta-feira, 30 de novembro de 2016
terça-feira, 29 de novembro de 2016
Catupiry – quem fica com a caixinha?
Pedro Lucas Lindoso
A primeira vez que comi
queijo catupiry foi na casa de minha tia Helmosa Fadul, no Rio de Janeiro. Tia
Helmosa era irmã de minha avó materna, Brigitta Daou. Era uma senhora muito
culta. Ficou conhecida em Manaus por sua habilidade em declamar poesias.
Tia Helmosa foi muito amiga
do Dr. Álvaro Maia, que governou o Amazonas por muitos anos. Minha tia datilografou
e revisou muitos escritos literários do senador.
Naquele verão de 1965, o Rio
de Janeiro comemorava o quarto centenário e eu, menino de calças-curtas,
passava as férias na casa de minha tia na cidade maravilhosa.
O senador Álvaro Maia foi
visitá-la e trouxe uma caixa redonda embrulhada em papel pardo. Era o famoso
queijo catupiry.
Naquela época a embalagem do
queijo catupiry era uma caixinha redonda com tampa, feita artesanalmente – uma
a uma, de uma folha fina de madeira.
Tia Helmosa serviu o senador
e a mim o famoso queijo acompanhado de doce de cupuaçu. O doce veio de Manaus
especialmente para ela que o conservava diligentemente. A geleia era servida
somente para pessoas e visitas especiais.
O doce de cupuaçu era uma
sobremesa muito comum na mesa dos manauaras. Nos dias de hoje, parece que o
creme e os bombons ficaram mais populares que a geleia. A receita é simples. Um
quilo de polpa de cupuaçu para um quilo de açúcar.
Há muitos anos a embalagem do
queijo catupiry passou a ser de plástico e
apareceram as bisnagas e os baldes
vendidos às pizzarias e restaurantes. A palavra catupiry se tornou sinônimo de
requeijão cremoso.
Algumas marcas ficam tão
famosas que acabamos nomeando o produto a partir delas. Mas o queijo catupiry,
o legitimo da caixinha redonda, não é um simples requeijão. Muito menos ”cream
cheese”.
Na década de sessenta não
havia cupuaçu no Rio e nem queijo catupiry disponível para venda em Manaus. Era
um tempo em que as pessoas levavam encomendas de doce de cupuaçu para os
parentes no Rio. E traziam queijo catupiry para Manaus.
Como já dito, o queijo vinha
numa caixinha de madeira redonda com tampa, feita artesanalmente. As pessoas da
família brigavam pelo queijo. Mas havia a disputa final – quem fica com a
caixinha?
domingo, 27 de novembro de 2016
sábado, 26 de novembro de 2016
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
A teoria da letra-poema ou de como e porque Bob Dylan ganhou – merecidamente! – o Nobel de Literatura 2/5
Zemaria Pinto
A teoria da letra-poema
Tomando por base a música popular brasileira, podemos inferir
que a nossa proposta é válida para canções em qualquer língua. E quando nos
referimos à música popular brasileira não estamos pretendendo falar apenas de
um segmento, normalmente identificado com o lado “culto” da música popular, que
acabou virando categoria: a famigerada MPB. Ficam em maus lençóis os que assim
agem, por não ter como classificar Luiz Gonzaga, por exemplo. É forró ou MPB? E
Martinho da Vila – é samba ou MPB? Cazuza – rock ou MPB? Os exemplos abundam. Então,
para nós, tudo é mpb.
Uma letra de música popular pode ser enquadrada em uma das
seguintes categorias: poema, letra poética, letra funcional ou letra ordinária.
Para efeito didático, dividiremos a categoria poema em duas subcategorias
distintas, o poema-letra e a letra-poema, cuja identificação vai responder
àquela pergunta inicial sobre se letra de música popular é ou não é poesia.
Poema-letra. Nesta categoria, classificamos poemas publicados antes, em
livros, e posteriormente musicados, como “Funeral do Lavrador”, título dado
pelo compositor ao trecho citado de Morte
e Vida Severina, no capítulo anterior, musicado por Chico Buarque. Os
exemplos são inúmeros, embora nem sempre a melodia esteja no mesmo nível do
texto. Camões, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Drummond, Cecília Meireles,
Mário Quintana, entre tantos, tiveram seus poemas transformados em canções. Não
entramos no mérito quanto à qualidade dos poemas, pois, ordinariamente, são
trabalhos consagrados, de autores idem.
Letra-poema. Aqui, começamos a fazer julgamento crítico, isto é, de
valor. O que nos leva a classificar uma letra inédita como poema, senão sua
qualidade intrínseca de poema? Letras-poemas são encontradas na obra de
compositores como Chico Buarque (Construção,
As vitrines, Mar e lua), Caetano Veloso (Não identificado, Sampa, Terra), Gilberto Gil (Metáfora, Oriente, Super-homem) ou Paulinho da Viola (Sinal fechado, Dança da solidão, Nada de
novo). Mas autores pouco badalados, como Paulo César Pinheiro (Viagem, Jogo de Angola, Espelho),
criaram – no caso, em parceria – verdadeiros clássicos da poesia brasileira.
Para reconhecer um poema-letra o leitor deve saber reconhecer um bom poema;
este tem que comunicar muito além do óbvio. A poesia limita-se com as artes
plásticas, ao transmitir imagens criadas a partir de palavras que o senso comum
não admite, e com a música, dada a musicalidade comum ao poema. Mas é ao
promover “a dança do intelecto entre as palavras”, como dizia Pound, que se
percebe a verdade transfigurada da poesia. Como tudo o mais na vida, é uma
questão de exercício. Se você se exercita para reconhecer a verdade ela acabará
se mostrando a você, mesmo em forma de poesia.
(Continua na próxima sexta-feira)
quinta-feira, 24 de novembro de 2016
Platão e Sócrates: respeito ao mestre
João Bosco Botelho
A influência de Sócrates sobre Platão foi tão
grande que, sobretudo nas suas primeiras obras, é difícil distinguir quem de
fato, está falando: se o mestre ou o discípulo. Em muitos escritos platônicos,
Sócrates é apresentado como o tipo ideal do filósofo e o mártir do pensamento e
da busca da verdade e do bem.
Platão jamais aceitou a injustiça da
condenação do mestre e em vários livros renasce Sócrates com as mais belas
palavras sobre a verdadeira piedade e sobre a reta educação da juventude. Na
parte final do Fedro, 118, onde relata de maneira emocionante a morte do insuperável
mestre, Platão define Sócrates: “O homem... que, entre todos os de seu tempo,
era o melhor, o mais sábio e o mais justo”.
A História continua reverenciando Sócrates e
não lembra dos nomes dos algozes.
Depois da morte do mestre, Platão retirou-se
para Mégara, junto de Euclides e de Terpsíon, também discípulos de Sócrates.
Parece que, algum tempo depois, retornou a Atenas e junto aos seus irmãos, se
engajou nas campanhas militares de 395 a 394 a.C., na guerra de Corinto.
Como
era comum, naquela época, a grandeza do saber estava relacionado ao conhecimento
de outros povos e lugares. Em torno do ano 390 a.C., foi ao Egito levando uma
carga de azeite para pagar a viagem. A civilização egípcia, com pouca variação,
há milhares de anos, influenciou o pensamento de Platão quanto ao pressuposto
de ser preferível que os governantes mantenham o equilíbrio social em torno de
antigas idéias do que forçar a obediência coletiva às novas ordens.
Do Egito, dirigiu-se para Cirene, onde frequentou
a escola do matemático Teodoro, que seria um dos personagens do seu livro “Teeteto”.
De Cirene, viajou para a Itália, onde conheceu os pitagóricos Filolau, Árquitas
e Timeu. Não existe consenso se elas tenham tido alguma influência na reconhecida
crença platônica da transmigração e eternidade das almas.
Quando retornou a Atenas, no ano 388 a.C.,
com quarenta anos de idade, a guerra estava próxima do fim, por meio da paz de
Antálquidas. Contudo, o antigo esplendor ateniense passava por um período
político conturbado. É nsse ambiente, pleno de decadência dos valores, onde, de
certa forma, predominava o subjetivismo gnosiológico e ético, que se ergue
imponente a figura de Sócrates, de quem Platão recebeu a maior influência
filosófica e foi amigo e fiel ouvinte durante cerca de oito anos, até a morte
do Mestre.
Platão começou a ensinar, mas diverso do
mestre Sócrates, para reunir os seus discípulos, comprou um pequeno terreno nas
proximidades do ginásio de Academo, perto de Colona, terra natal de Sófocles.
Não se sabe ao certo o ano em que Platão
morreu, porém é fixado em 347 ou 346 a.C. A Academia sobreviveu até o ano 529
d. C., quando Justiniano determinou a sua extinção (Fig. 105).
Entre outras obras, Platão escreveu 28
diálogos: Mentira: Hípias menor; Dever:
Críton; Natureza humana: Alcibíades; Sabedoria: Cármides; Coragem: Laques; Amizade: Lísis; Piedade:
Eutífron e Retórica: Górgias e Protágoras.
Entre 387 e 361 a.C., escreveu os seguintes
livros com os enfoques sobre: Menexeno
e Ménon: a virtude; Eutidemo: a erística; Crátilo: a justeza dos nomes; O
Banquete: o amor; Fédon e A República: a justiça; Fedro e Teeteto: a ciência.
Os diálogos da maturidade: O Sofista: o ser; O Político e Timeu: a
natureza; Crítias: a Atlântida; Filebo: o prazer e As leis: organização social.
É difícil expressar na linguagem oral a
grandeza humana de Platão!
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
terça-feira, 22 de novembro de 2016
Um milagre para cada santo
Pedro Lucas Lindoso
Minha avó materna era
natural de Borba e, como toda borbense, devota de Santo Antônio. Herdei essa
devoção. Doutor da Igreja, Santo Antônio afugenta erros, males e faz milagres
incríveis.
Muitos dos santos são especialistas em ser
padroeiros ou protetores de certas classes ou profissões. São Lucas é dos
médicos, Santo Ivo dos advogados, Santa Bárbara dos militares da Artilharia.
São Cristóvão é relacionado a viagens e viajantes. Assim, é venerado por
marinheiros, barqueiros e motoristas, principalmente os taxistas.
São Judas Tadeu é um dos
santos mais populares e queridos. Conhecido patrono das causas impossíveis. São
Sebastião é muito celebrado no Brasil inteiro. Com festas e feriados no dia 20 de janeiro
como padroeiro de várias cidades, principalmente a cidade maravilhosa do Rio de
Janeiro.
São Francisco é
ecologista. O fato de falar com os pássaros e querer ser instrumento de paz o
faz com que eu o considere santo nota dez.
Domingo passado fui
convidado a almoçar uma caldeirada com uns primos de Manicoré. Havia sardinhas
fritas, deliciosas por sinal. De repente um dos meninos se engasgou com
espinha. Deram farinha. Nada. Água. Nada. Banana também não resolveu. A solução
foi ligar para dona Chiquinha, comadre de minha prima Ana, moradora da
Cachoeirinha. Tem solução para tudo. Chiquinha mandou rezar para São Brás. Santo
que ficou conhecido porque retirou com a mão uma espinha da garganta
duma criança. Mandou Ana rodar o prato três vezes e dizer: ”São Brás, São Brás.
Livre-te
Deus do mal da garganta”.
Na agonia, Ana trocou o nome do
santo e acabou pedindo a São Bento. Saiu do quarto esbaforida. Meu Deus, rezei
para o santo errado, dizia ela. Troquei São Brás por São Bento.
Lembrei-me do meu amigo
Chaguinhas. Disse-me que só reza para Nossa Senhora do Bom Parto. E
explicou-me: como ela não está acostumada a ouvir voz de homem, nos dá
prioridade.
Só me restava tranquilizar a
minha prima Ana. Disse-lhe que São Bento sempre se mostrou compassivo
com os necessitados. Atende todo tipo de aflição. É polivalente. No que ela argumentou:
– Mas garganta não é
especialidade dele!
Nessa hora, minha mulher
sabiamente tranquilizou-a. Não se preocupe Ana. Quando os pedidos chegam lá em
cima, eles redistribuem os milagres. Se for uma moça casadora, mandam direto
para Santo Antônio. Os endividados, para Santa Edwiges. Doentes para São
Camilo. E assim sucessivamente.
Depois de darem muita
banana com farinha para o curumim, ele já tinha se desengasgado e corria pelo
quintal. Devem ter redistribuído o pedido da Ana para São Brás. Um milagre para
cada santo. Cada santo com o seu milagre.
segunda-feira, 21 de novembro de 2016
Macadâmia
Mauri
Mrq
Ah,
como nadava bem! Macadâmia era esguia, tacos e pernas alongadas rionegrando* na
Ponta Negra, ano em que a seleção brasileira ganhou a Copa de 70. O sol lascava
o crânio do amazonense e ela nessa flumilândia*. Seu jeito de ser, a educação
de sua ascendência britânica, integrava-se à alma da cidade, assaltando o
tempo de nossa contemplação ao comer aquele kikão com tanto gosto, na praça de
São Sebastião. Era uma moça dos olhos dançantes assistindo a um filme no Guarany.
Subindo
a avenida Getúlio Vargas à sombra dos Oitizeiros com o passo levitado, escorria
de seus cabelos o suor nas pedras do passeio tradicional de Manaus, exalando o
vapor do asfalto a caminho do colégio N. Sra. Auxiliadora, onde estudava.
Chegando ao costumeiro matutino destino, costumava sentar-se em um banco de
jardim sob frondosa Acácia.
Macadâmia,
com seu estado crepuscular, assaltava a inveja de suas colegas, e Petrúcia,
sendo altiva e implicante, dominando algumas normalistas, regularmente
implicavam com Macadâmia, e ela relevava. Mas, nesse dia, Petrúcia exagerou, puxando os cabelos de Macadâmia, fazendo com que caísse. Petrúcia
gabava o feito a suas amigas, quando Macadâmia levanta-se, tirando um lápis da
bolsa e em direção à perversa, enfia o grafite em sua cabeça. Com o susto da
reação inesperada de Macadâmia, afugenta-se com medo da freira que vinha em
direção à chacrinha. Abordada, Macadâmia não denunciou o fato.
Posteriormente
quando se avistavam, mudavam de trilho como trem, apesar de Macadâmia almejar
desfazer o mal-entendido com Petrúcia, apesar de ter sido sempre perseguida,
debita a um sequestro emocional juvenil sua reação. Mas fatos não precisam de
nossa concordância para ser o que são.
Macadâmia
era um ser alternante, conduzindo sua vida num emaranhado de dúvidas.
Intuitiva, nos escritos poéticos, pintando aquarelas e fazendo verdadeiras
miniaturas com desenhos em caixa de fósforo, sendo o lápis sua solitária ferramenta,
e tendo enfiado este instrumento na cabeça de Petrúcia, passou a usar somente
esferográfica, Bic escrita fina.
Certo
dia, após tomar um milk shake na Lobrás, dirigiu-se a Drogaria Rosas. Quando
efetuava o pagamento de seu produto no caixa, um bandido oferece um assalto
para seu desespero e bem ao seu lado. Na ação, quando o ladrão pousa rapidamente
a arma apressando a retirada do dinheiro da registradora, Macadâmia, num
impulso, reage desferindo com força sua esferográfica de ponta-fina, que
costumeiramente segurava como se fosse um terço, como um prego, crucificando a
mão do meliante no balcão, fazendo com que soltasse o revólver, que cai no
chão, sendo dominado em seguida pelos clientes.
Macadâmia
queria continuar a escrever, mas ficou traumatizada com sua reação perfurando a
mão do Sapeca, nome que veio a saber do criminoso após o assalto da Drogaria.
Macadâmia
passou a escrever com giz de cera, e escrevia cadernos com poemas, contos e seu
diário, e os guardava sem mais relê-los. Um dia, a pedido de uma amiga e
professora que conhecia seu talento, reuniu seus poemas para inscrevê-los em um
concurso de poesia nacional. Quando foi separar os cadernos para entregar, ao
abri-los, se assustou ao ver tudo apagado. Com o atrito das páginas, a umidade,
a escrita se desfez, como que transformada em aquarela de giz de cera. Macadâmia
entrou em desespero pela perda total do que tinha feito. Ficou deprimida e surtada.
Passou a escrever com giz de lousa nas paredes de seu quarto, fragmentos de
seus poemas que lhe restavam na memória, na angústia de saber que jamais os
recuperaria. Esgotada, desmaiou com unhas quebradas e dedos arranhados,
adornada de giz sob os lençóis.
Ao
acordar, percorrendo a visão pelas paredes transformadas em instalações,
retomou em seu ser a ira da lembrança trágica de sua perda. Atira-se nas
paredes, arrastando a venta, aspirando o giz de seus escritos, alucinando seu
transtorno, entupindo as narinas, sufocando a respiração, cimentando os pulmões
com o pó das palavras perdidas na composição de cenas, de uma jovem tão jovem
no seu existir, macerando com sua estória para aqui que ficamos, digerir a vida
que se nos apresenta.
(*) Palavras inventadas por Ramayana de Chevalier:
Flumilândia: Região em que dominam águas, ou seja, a
Amazônia.
Rionegrando: Quando hidroaviões chegavam após
Revolução de 30, e desciam na Baía do Rio Negro – rionegravam.
domingo, 20 de novembro de 2016
sábado, 19 de novembro de 2016
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
A teoria da letra-poema ou de como e porque Bob Dylan ganhou – merecidamente! – o Nobel de Literatura 1/5
Zemaria Pinto
Este texto não é nada (ou quase) do que promete o
título: não adianta procurar aqui por Bob Dylan, prêmio Nobel ou pela Real Academia Sueca.
Trata-se do capítulo “Criando uma teoria”, do meu livro O texto nu (Manaus:
Valer, 2009; 2011). Baseado em uma palestra que dei na Quarta Literária, na
noite de 6 de março de 2002, o referido capítulo procura justificar letra de
música como poesia – isto é, como literatura – na contramão de beócios e boçais
que ignoram a relação milenar da poesia com a música e desta com a poesia – like a rolling stone...
Música e poesia – convergências e
dissonâncias
A discussão é antiga: letra de música popular é poesia? Vamos
tentar, se não colocar um ponto final, o que seria por demais pretensioso,
elucidar alguns pontos que poderão ajudar o leitor a formar uma opinião. No
capítulo sobre a poesia lírica, dissemos que esta era “expressa inicialmente
por meio do canto” e era “escrita para ser lida, mas, eventualmente, também
cantada”. As primeiras aspas guardam um componente histórico; as segundas já
dão uma pista sobre o que pensamos a respeito. Vamos à história.
A poesia é anterior à escrita. Como processo mnemônico para
registrar o poema usava-se musicá-lo. A expressão “lírica” deriva de lira, o
instrumento comumente usado, pelo menos na Grécia, para acompanhar o poema. O
leitor mais atento pode estar se perguntando: não seria o inverso? A música
popular é anterior à poesia como a conhecemos hoje? Sem dúvida, é uma outra
forma de ver a questão. É preciso levar em conta, entretanto, que com o advento
da escrita, o poema passou a ser registrado, enquanto a música continuou
dependendo da memória para ser preservada (a notação musical como a conhecemos
hoje data do século XI, embora os indícios da existência de códigos de notação
musical datem do século VIII a.C.). Não à toa, o poema guarda relações com a
música, como a estrofação e a métrica. A rima, entretanto, um recurso muito
musical, não era usada pelos antigos, sendo adotada somente a partir da Idade
Média, período em que pontificaram os trovadores – cujos poemas ficaram para
além das melodias que os acompanhavam.
Essa relação com a música se manifesta também nos nomes das
formas poemáticas, que vimos no capítulo sobre a poesia, como a ode – que quer
dizer, literalmente, canto –, o madrigal, a balada, o rondel, a canção, a
cantiga... E não nos esqueçamos de Pound, para quem a musicalidade do poema, a melopeia,
é atributo essencial do poema. Para melhor compreensão da nossa proposta, de
agora em diante passaremos a chamar de canção
o conjunto formado por poesia e música.
Cabe observar, contudo, o caráter generalizante do que
estamos chamando aqui de “poesia”, pois nem sempre, como pretendemos
demonstrar, haverá poesia nas palavras veiculadas pela música. Aliás, às vezes
nem música há, tamanha a pobreza de certas canções. Mas essa é uma outra
história. Então, para que desçamos ao degrau mais rente, vamos chamar
simplesmente de “letra” ao conjunto de palavras contido na canção.
(Continua na próxima sexta-feira)
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
Influências platônicas na medicina
João Bosco Botelho
A estrutura teórica da Medicina grega antiga
foi concebida em torno da distinção entre o real e o imaginário. Sob essa
égide, a anamnese, fazendo o paciente recordar o passado, é a porte que conduz
a prática médica ao diagnóstico, isto é, à identificação do real e do
imaginário no doente. Assim, é importante o pequeno comentário sob “O mito da
caverna”, a alegoria platônica que serve para explicar a evolução do processo
de conhecimento e a diferenciação entre o real e o
imaginário.
Entre as muitas construções teóricas
originais, Platão entendeu que a maioria dos seres humanos se encontra como
prisioneiros de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e
de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna,
o prisioneiro veria na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a
realidade. Acostumado a perceber somente essas projeções, assume a ilusão do
que vê – as sombras do real – como se fosse a verdadeira realidade. Se
escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre
da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras e às ilusões, teria de habituar
os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as
imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas, até que pudesse encarar
diretamente o sol e enxergar a fonte de toda luminosidade.
Possivelmente, a passagem de Platão pelo
Egito foi a responsável pelo resgate da
lenda do deus egípcio Thot, protetor dos escribas, inventor dos números e dos
cálculos, para criticar a substituição da memória oral já em curso naquele
tempo na Grécia.
A divinização da memória, na Grécia, fez-se
por meio da deusa Mnemosine, que lembrava aos homens os seus heróis e feitos
além de presidir a poesia lírica. A
memória estava distribuída em funções especificas pelo poeta, resgatando o
passado com os cantores, e pelo adivinho, prevendo o futuro. Estava intimamente
associado com a vida e colocava-se como o contrário do esquecimento, aqui
entendido como o sinônimo da morte desmemoriada.
A memória como dom, nas doutrinas órficas e
pitagóricas, ligada à crença da metempsicose, na qual a lembrança das vidas
anteriores, um dos pontos angulares do orfismo, vencia o esquecimento
decorrente da morte e fazia renascer (reencarnar) com o conhecimento acumulado
da vida anterior com o objetivo de buscar a perfeição.
O médico, até hoje, edifica a sua relação com
o paciente sobre a anamnese ou reminiscência, buscando, nas informações
prestadas pela memória do doente, os fatos passados que possam ajudar a esclarecer
o diagnóstico.
Não há mais dúvida de que uma parte dos
saberes médicos presentes na cultura grega representa o produto sincrético do
conhecimento dos povos de regiões próximas, que antecederam a formação da
Grécia.
De acordo com a mitologia grega, a Medicina
começou com Apolo, filho de Zeus com Leto. Apolo é reconhecido na literatura
com dezenas de qualificações, além de deus-curador. Foi também identificado
como Aplous, aquele que fala de verdade. O seu poder era transmitido à água dos
banhos, que purificava a alma, e, por isso, era considerado o deus que lavava e
libertava o mal. De modo geral, o herói grego estava quase sempre associado à
arte de curar. Grande número de deuses e personagens da mitologia grega ostentava,
entre os atributos, o dom de curar doenças e feridas de guerra.
quarta-feira, 16 de novembro de 2016
terça-feira, 15 de novembro de 2016
Plante jerimum
Pedro Lucas Lindoso
No final de outubro houve muitas
festas de Halloween na cidade. A decoração predominante foi as cabeças de
jerimum Jack-o-lantern, o Jack da
lanterna, do folclore americano. As cabeças de abóboras iluminadas têm origem
na Irlanda. Retrata a lenda do Jack, um alcóolatra malandro que tenta enganar o
diabo diversas vezes. Ao morrer é preterido no Céu. Assim fica vagando e
assustando as pessoas. É o personagem principal do Halloween, depois de
vampiros e bruxas.
Jerimum, abóbora ou moranga,
como a macaxeira e a batata doce são fontes importantes de amido, sendo,
portanto, de saudável valor nutritivo. Na nossa região o jerimum é muito
apreciado. Muito mais como comida do que como enfeite de dia das bruxas.
De fato, o jerimum é
encontrado com frequência na mesa de todos os brasileiros. Principalmente no
norte e nordeste. Aqui no Amazonas, o jerimum é ingrediente fundamental no
feijão do dia a dia, junto com outras verduras e leguminosas.
Rico
em vitamina A, o jerimum é
capaz de diminuir os sinais da menopausa e TPM, reduz as taxas do colesterol além
de muitos outros benefícios, me informa um conhecido geriatra amazonense.
O Rio
Grande do Norte é o estado da federação em que o jerimum é mais prestigiado.
Além de potiguar, quem nasce especificamente em Natal é chamado de papa
jerimum. Um famoso político amazonense oriundo de lá é conhecido aqui como buchada
de bode. Acho um desrespeito aos bodes. O homem é papa jerimum, minha gente!
Há uma
migração crescente de papa jerimuns vindos de Natal para Manaus. Especialmente
no âmbito da Petrobras. Com a diminuição da produção de petróleo por lá, e o
aumento gradativo de nossa produção local, os papa jerimuns estão se
transferindo de Natal para Manaus.
Meu
amigo Chaguinhas acaba de adquirir terras no Município de Presidente Figueiredo.
Quer se aventurar no setor primário. Perguntou-me se eu teria alguma sugestão
sobre que produto deveria plantar.
Não
tive dúvidas. Depois de tanto jerimum usado no Halloween e a vinda de tantos
natalenses ultimamente para cá, eu fui logo aconselhando:
– Plante
jerimum.
domingo, 13 de novembro de 2016
sábado, 12 de novembro de 2016
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
exercício nº 9
Zemaria Pinto
Em minha face, onde o
tempo se define
nos limites de fantasmas
cartográficos,
cicatrizes da distante
pubescência
e monturos de poemas sob
os olhos,
vagueiam mórbidos vultos
de panteras,
pássaros torturados,
cavalos mancos.
Pelos flancos do meu
rosto pendem pedras
e rasteira capoeira sob
espinhos.
Refletida pelo espelho
intemporal,
minha cara transmutada em
trinta séculos
trilha os rastros
incessantes da agonia.
Submergido em meu
semblante lacerado,
vejo o tempo como um rio
de águas vorazes:
já não sou quem fui ou
quem serei ou quando.
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
Alguns aspectos familiares de Platão
João Bosco Botelho
Platão nasceu em Atenas, no ano de 428 ou 427
a.C., no demo de Colitos. O filósofo tinha dois irmãos mais velhos, Adimanto e
Glauco, e uma irmã, Potone. O pai, Aríston, deve ter morrido cedo, pois a mãe
voltou a casar com Pirilampo, com quem teve um filho chamado Antífon.
Quando Platão morreu, só restava da família
uma criança chamada Adimanto, neto do seu irmão. O grande pensador grego fez
dele o seu herdeiro e as fontes o registram como membro da Academia no tempo de
Xenócrates.
Na Grécia antiga, era costume escolher o
mesmo nome do avô para o primeiro filho, desta forma é provável que Platão
tivesse o nome de Arístocles, como o avô.
Existem dúvidas das razões pelas quais prevaleceu o nome Platão, aliás,
comum naquela época. Diógenes Laércio conta que esse nome lhe foi dado pelo seu
professor de ginástica por causa da sua estatura, contudo não existe consenso
entre os historiadores sobre essa questão.
A família de Platão possuía uma propriedade
próxima de Kefissia, no Cefiso, onde o filósofo, certamente, aprendeu a amar a
vida no campo, e talvez pela exigência da melhor educação, deve ter passado a
maior parte da infância na cidade.
Como parte desse aprendizado esmerado, como
convinha a uma criança de família rica, aprendeu primeiro a honrar os deuses e
a observar os ritos da religião. Platão guardaria durante toda a vida esse
respeito pela religião e iria torná-lo claro no livro Leis. Além da ginástica e da música, que constituíam a outra base
da educação ateniense, também estudou desenho e pintura. Nessa fase, compôs
tragédias, poemas líricos e ditirambos.
O estudo da filosofia foi orientado por
Crátilo, um dos discípulos de Heráclito. Com vinte anos de idade teve o
primeiro encontrou com Sócrates.
Desajeitado e trajando vestes descuidadas, o
reverso dos sofistas, Sócrates começou a falar nas praças. A profundidade dos
discursos, sempre procurando verdades e valores mais sólidos, fez com que,
pouco a pouco, aumentasse o número de discípulos e de admiradores.
Uma
das maiores determinações de Sócrates era a busca dos conhecimentos verdadeiros
e universais, identificados por ele na virtude. Com a arma da ironia, levava o
seu interlocutor a descobrir dialeticamente a falta de base de suas opiniões e,
em consequência, a própria ignorância fundamental. Continuando o diálogo,
conduzia o interlocutor, pelo método da indução, a passar do particular para o
geral, fazendo nascer – maiêutica – o conhecimento verdadeiro por meio das
definições do saber racional, universal e imutável, a essência da realidade.
Sócrates negava o valor da autoridade e da
tradição como critério de verdade e optou pela reflexão livre e convicção
racional. Argumentava sobre a certeza objetiva da própria razão,
fundamentalmente, como a capacidade humana de se conhecer – conhece-te a ti mesmo. Pretendia organizar
de modo racional e ético a vida pessoal e coletiva identificando o conhecimento
à virtude, posição também adotada por Platão.
Contudo, é importante ressaltar que Sócrates
não ensinou o que é o bem – conteúdo –, mas ressaltou o caminho do bem – método. Essa postura socrática,
inclusive a dura crítica às aparências, se por um lado prepararam o gênio de
Platão, por outro foi tragicamente mal entendido por outros discípulos.
Sob
essa terrível denúncia, Sócrates foi acusado de perverter os jovens e de ser
ateu. Condenado à morte, pagou com a vida a sua extraordinária busca da verdade.
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
terça-feira, 8 de novembro de 2016
Curtir or not curtir
Pedro Lucas Lindoso
“Eu quero ter um milhão de
amigos e bem mais forte poder cantar”, diz a velha canção de Roberto Carlos.
Hoje, os jovens querem ter não um milhão de amigos, mas um milhão de “curtidas”
no facebook.
Acredito que há uma
banalização do que seja amizade com o advento das mídias sociais. Em minha
opinião, amizades se efetivam com o passar dos anos. É preciso tempo para
construí-las. Não só tempo, mas dedicação e trocas.
Ouço o relato de uma mãe preocupada com a filha
adolescente que estaria deprimida por não ter recebido “curtidas” suficientes
por parte de colegas da escola. Lastimável. A adolescente precisa saber que a
quantidade de seguidores e de “curtidas“ obtidas no facebook ou qualquer outra mídia social não refletem necessariamente
as amizades que se tem na vida real. O
afeto autêntico, genuíno, legítimo está fora do mundo virtual e das mídias.
O verdadeiro amigo não compartilha só fatos e
fotos exibicionistas. O verdadeiro amigo é principalmente aquele que quer
compartilhar não só as suas alegrias, mas as suas tristezas. Quer estar presente
não só nas suas vitórias, mas estará atento para consolar e apoiar nas derrotas
da vida, que não são poucas.
O facebook escolheu a palavra “curtir”, em detrimento de “gostar” ou
mesmo “desfrutar”. Acho inadequado. O velho e bom dicionário a define como preparar
o couro para torná-lo imputrescível ou preparar o alimento, pondo-o de molho em
líquido próprio. Curtir significa ainda queimar, enrijecer a pele, padecer,
sofrer, suportar. Na nossa literatura os exemplos de Machado de Assis vão nessa
direção. “Acerbas penas / curtiu naquelas regiões” (Machado de Assis, Poesias
Completas, p. 254); “curtindo violentas dores nevrálgicas” (Machado
de Assis, Páginas Recolhidas, p. 155); Graciliano Ramos vai no mesmo
diapasão: “curti uma insônia atroz” (Graciliano Ramos, Caetés, p.
88);
Obviamente o significado mais
utilizado hoje em dia é o de “Gozar,
desfrutar, deleitar-se”. O fato de não achar a palavra curtir adequada, não me
impede de curtir o que acho que devo no facebook.
Entretanto, amigos, amigos, curtidas à parte.
Nota do editor: Pedro Lucas Lindoso colabora
com o Palavra do Fingidor desde 29 de
novembro de 2010; há 6 anos, portanto. De início, esporadicamente; a partir de
2014, replicando, semanalmente, as crônicas publicadas pelo Jornal do Comércio. Pois os leitores do
centenário JC, infelizmente, não
lerão mais o Pedro. Mas a sua crônica semanal continuará saindo aqui, no
Palavra. Palavra!
segunda-feira, 7 de novembro de 2016
Lábios que beijei 64
Zemaria Pinto
Janaína e o unicórnio azul
Quando nos conhecemos,
a índia Janaína mal entrara na segunda década de vida, enquanto eu já me
acercava das cinquenta. Às vezes, me parecia avoada, falando coisas sem nexo,
textos que ela sabia de cor. Uma ocasião, deitada nua sobre mim, falou tu és
meu unicórnio azul. Depois mostrou-me a ilustração de um unicórnio, branco,
agasalhando-se no colo de uma jovem. Disse-lhe que achava a imagem de extremo
mau gosto, pelo que fui chamado de tolo e estúpido, com a suavidade que lhe era
natural. Somente o amor puro pode domar o unicórnio, metáfora da natureza
livre. E porque azul? Unicórnios não existem – nem mesmo brancos, quanto mais
azuis. Mas tu és o meu unicórnio azul.
domingo, 6 de novembro de 2016
sábado, 5 de novembro de 2016
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
Vereda de pássaros
Zemaria Pinto
(para Carol, Paloma, Amanda e Maria –
pássaros)
paisagem de luz e
harmonia
de sonho e éter
construída
assombro da dor, fantasia
paixão, muito mais que
amor: vida
um viajante de alva plumagem
vai deslizando no azul
e na seda infinita do
espaço
melodias, notas raras
explodem num canto de
amor
revelando a rota da
viagem:
uma chegada sem ida
um adeus sem despedida
sorrisos pra quem se vai
canções, gorjeios, sinais
araras e jaburus
juritis e japiins
patativas, bem-te-vis
rouxinóis e jacamins
bacuraus, uirapurus
inhambus e colibris
marias ainda implumes
palomas brancas, morenas
amandas e carolinas
cantos de dor, de alegria
quadros de encanto e
magia
o poema revela o mito:
a procura do destino
é feito o voo dos pássaros
– o caminho é o infinito...
quinta-feira, 3 de novembro de 2016
Algumas relações dos pré-socráticos com a medicina
João Bosco Botelho
Uma das características do pensamento
pré-socrático estava voltada à determinação de desvendar a origem de tudo,
identificado como período cosmológico, ligado aos mistérios do cosmo e à
realidade da fisis. Esse complexo
conjunto de idéias extraordinárias influenciaria de modo marcante a medicina na
construção da primeira explicação laica do aparecimento das doenças: teoria dos
quatro humores.
Já que a doença, a deformidade visível ou a dor,
impossível de quantificar, se materializava nas relações sociais, a explicação
estaria atada à origem comum de tudo e todos, ao primeiro elemento formador.
Sem pretender qualquer descrição linear, Tales
de Mileto se destacou ao propor a água como o elemento fundamental. Parece ter
existido alguma ligação entre os banhos terapêuticos que se disseminaram nas
cidades gregas com a proposta de Tales: deveria ocorrer melhora nas queixas dos
doentes, porque até os dias atuais, os banhos curadores estão ativos nos quatro
cantos do planeta.
Anaxímenes, também de Mileto, discípulo de
Anaximandro, propôs ser o ar o elemento fundamental.
A cidade
de Crotona, na Itália Meridional, onde floresceu o pensamento pitagórico, se
tornou famosa por abrigar escola médica liderada por Alcmeon, contemporâneo de
Pitágoras. Esse genial médico grego, no livro Sobre a natureza, descreveu com maestria: os nervos ópticos; a trompa
de Eustáquio, que comunica a orelha média com as fossas nasal; o cérebro, como a
fonte do intelecto e dos sentidos; os três fatores que afetavam a visão: a luz
externa, o fogo interno e o líquido contido no olho, além de distinguir as veias
das artérias. De modo genial, ampliou a concepção de Empédocles e acrescentou
outros elementos para explicar a saúde e a doença. Assim, a doença e a saúde
dependiam da combinação de elementos opostos como o quente e o frio, molhado e
seco, doce e azedo, e assim por diante.
Contemporâneo, o genial Parmênides, além de
descrever a forma esférica da Terra, adicionou dois elementos fundamentais: o
fogo e a terra.
Nessa
ebulição de buscas, Empédocles de Agrigento escreveu um poema, “Da natureza”, composto
com dois mil versos e um texto de Medicina em prosa. Com clareza, defendeu a
teoria de o mundo ser constituído de quatro elementos inalteráveis que em
partes iguais formavam tudo e todos: terra, ar, fogo e água. Associou os quatro
elementos para compreender a anatomia humana, desvendando o coração como o
centro de sistema circulatório: o sangue fluindo incessantemente, enquanto o pneuma,
ou sopro de vida, era distribuído pelo corpo, através dos vasos sanguíneos. Ao
valorizar o ar, acrescentou que a respiração não se restringia aos pulmões, mas
também ocorria pelos poros. Produziu várias associações da proporcionalidade
entre os quatro elementos fundamentais – terra, ar, fogo e água – compondo
condições perceptíveis como o calor, frio, umidade e secura, para explicar a
origem das partes que compõem o corpo humano e as más formações congênitas, inclusive.
A
teoria de Empédocles influenciou a Escola Médica de Cós, culminando com a genial
teoria dos quatro humores – sanguíneo, fleumático, bilioso preto e bilioso
amarelo – descrita por Políbio. Essa primeira explicação laica da saúde e da
doença dominou os saberes da medicina por dois mil anos: a saúde seria
garantida pelo equilíbrio dos quatro humores. Como consequência, os tratamentos
organizaram as sangrias, diarréias, diureses, suores e vômitos, para eliminar
os excessos dos humores.
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