Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A poesia é necessária?



Alvíssaras
Antônio Lázaro de Almeida Prado


Que traz em seu alforje a madrugada?
E o áugure o que lê nas entrelinhas
Das arcanas entranhas do futuro?

Em seu ninho de fogo, generoso,
Que prepara em seu sangue o pelicano?
E Orfeu o que perscruta em sua lira?

Acaso já delira a pitonisa
Em sua embriaguez antevisora?
Qual a safra de sonhos do profeta?

Desvelo em seu tremor estas primícias
Do canto inaugural da Nova Idade,
E posso proferir  meus vaticínios:

Haverá tanto amor na virgem Terra
Que seu mênstruo benéfico assegura
A vitória da Ovelha sobre o Lobo.

Tudo mais será escória do Passado,
Voz antiga, insensível, dispensável,
Que o fogo em seu ardor reduz a cinzas...

Embora infante boca do futuro
Já posso pronunciar meu Evangelho:
SOMENTE O AMOR INFLAMARÁ O PLANETA!

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Lauren K. Cannon.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Abundância



Pedro Lucas Lindoso


Estava no fórum e como de costume conversava com meu amigo Dr. Chaguinhas. O assunto versava sobre um famoso brocardo jurídico – quod abundat non nocit. No jargão forense, significa o que abunda não prejudica. Ou, o que é demais não é nocivo.
A origem do verbo abundant é obviamente o Latim. Diferente de outra palavra que se refere aos glúteos, cuja origem está em línguas africanas. Línguas que contribuíram muito para o enriquecimento do Português do Brasil e de nossa cultura em geral.
Chaguinhas lembrou-se de um versículo do Evangelho de João em que Jesus nos fala “Quero que tenhais vida e vida em abundância”.
E ficamos meditando sobre a beleza desse ensinamento de Jesus.
O dicionário nos ensina que abundância é excesso do que é necessário; bens em exagero, grande porção de alimentos, de indivíduos.
Mas será que o ensinamento bíblico seria esse mesmo?
Eu penso que não. Acredito que para o Messias abundância não seria excesso. Também acredito que não significa desperdício nem muito menos perda.
Chaguinhas concordou. E como bom filósofo humanista, disse algo bem tocante:
– Acho que o ensinamento que podemos ter do versículo é que abundância é não faltar nada. Que as coisas importantes da vida estejam sempre disponíveis. Que não haja qualquer tipo de restrição.
Um rapaz nos ouvia com atenção. Aguardava para ser testemunha em uma audiência. Identificou-se como estudante de Física, com intenções de especializar-se em Astronomia.
O jovem nos contou que havia aprendido que abundância é a quantidade de átomos ou moléculas que fazem parte de uma camada de gases que envolvem o sol. Não só o sol, emendou ele. Mas todas as estrelas. Essa camada de gases e íons circundam o núcleo, a parte de dentro das estrelas.
Chaguinhas e eu ficamos encantados com a explicação do jovem futuro astrônomo.
Eu disse ao rapaz que continue a estudar as estrelas, os planetas, o cosmo. E como seria bom se aqui em nosso planetinha Terra, todos os habitantes tivessem abundância de comida, trabalho e principalmente de amor.



domingo, 26 de janeiro de 2020

Manaus, amor e memória CDLVII

Esquina da Eduardo Ribeiro com 7 de Setembro.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Sacrifice.
Frank Frazetta.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

As cidades imaginárias de Otoni Mesquita




A poesia é necessária?



Antes o mundo não existia
Zemaria Pinto


Quando o mundo inda era nada
Yebá-Buró, não criada
do nada fez os trovões
e os rios e a luz foram feitos
mas o universo perfeito
a humanidade pedia
foi então que ela criou
Yebá-Gõãmu, o criador

Umukosurã-Panami, Umukosurã

Das entranhas da serpente
em canoa transformada
fez-se então a humana gente
e a terra foi povoada

Tukano, Tapuia, Desana
Baniwa, Maku, Siriana
entre si distribuíram
as riquezas do Trovão.

Umukosurã-Panami, Umukosurã

Quando o branco apareceu
tendo ao lado o missionário
cumpriu-se o ciclo esperado
inventou-se o tal pecado
e nunca mais houve paz
nos caminhos da canoa.

Com o lento passar do tempo
toda forma se transforma:
o um no todo se enforma
e o todo se enforma em um
  o um do nada criado
ao todo um dia retorna
fundindo a fôrma com a forma
e o todo se torna um.

Umukosurã-Panami, Umukosurã



quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Lady Godiva.
Kirsi Salonen.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Torcedora bissexta



Pedro Lucas Lindoso


Perguntei a Tia Idalina se ela vai continuar torcendo pelo Flamengo nesse ano.
– Depende, ela me disse.
Se o Flamengo continuar ganhando, Idalina vai continuar torcendo. Se começar a perder, ela vira a casaca para o time que estiver com chances de ser campeão.
Sempre foi assim, com relação ao futebol. Ela se justifica dizendo que não entende nada do assunto. Mas gosta de participar das polêmicas. Idalina tem vários sobrinhos e parentes com torcidas diversas. Prefere ficar com quem está vencendo. Evita sofrimentos desnecessários.
Só é fiel para a seleção brasileira. Torce de verdade somente em ano de Copa do Mundo. Idalina diz que é torcedora bissexta. Só torce de verdade de quatro em quatro anos.
Expliquei a titia que os anos de Copa do Mundo não são bissextos. Esse ano de 2020 é bissexto e teremos as Olimpíadas. Caio Silva é professor de Educação Física em Brasília. Fanático por Atletismo e esportes olímpicos em geral. Foi ele quem me alertou. Ano bissexto é ano de Olimpíadas.
Já Teresa Cristina, amiga professora de Matemática, me ensinou que ano bissexto é todo ano cuja expressão numérica é divisível por quatro.
Ano bissexto acontece de quatro em quatro anos. Fevereiro tem 29 dias. Acontece porque ano é o tempo que a Terra faz o movimento de translação em volta do Sol. Na verdade, não leva somente 365 dias. O tempo exato é de 365 dias e seis horas (ou um quarto de dia).
O Google me ensina que Sosígenes de Alexandria foi quem estabeleceu que o ano comum teria 365 dias três vezes consecutivas. E, na quarta vez, 366 dias, acrescentando-se um dia no mês de fevereiro.  Assim, fevereiro tem 29 dias de quatro em quatro anos.
Disse a tia Idalina que ela pode ser torcedora verdadeiramente bissexta torcendo para a seleção sub-23, a seleção de juniores que disputa as Olimpíadas.
Idalina ficou contente que só. Vai torcer para a seleção brasileira, com certeza.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Manaus, amor e memória CDLVI

Igreja de N. Sra. dos Remédios.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria

Gemini.
Boris Vallejo.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

A poesia é necessária?


A Teoria de se Fazer Amor
Inácio Oliveira


O amor, para fazê-lo
É preciso muito, muito tempo;
Pouca, quase nenhuma pressa
E uma certa habilidade mística.

É preciso ter mãos leves e lésbias
Pousadas feito pássaro
Sobre o verão da carne
E ousar um determinado voo.

É necessário um divertimento
Dos ossos e dos músculos,
Algo como uma partida de futebol
Ao entardecer da vida.

É preciso uma certa displicência,
Um completo desprendimento
De todas as coisas;
Que nada no mundo interfira no amor.

É preciso um completo silêncio,
Um silêncio vegetal anterior às palavras,
Um silêncio de dois antigos olhares que se entrecruzam
Ouvindo o sangue nas veias correr.

É preciso redescobrir aquela antiga
Prática perdida pelos homens
De fazer uma rosa se abrir
Dentro dos olhos de uma mulher.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Yuehui Tang.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Excludente de ilicitude



Pedro Lucas Lindoso


Quando eu era menino e fazia danação, minha mãe puxava minhas orelhas e dizia:
– Francamente! Não sou tua pareceira! Já para o castigo.
O pior mesmo era levar umas palmadas. Sou de uma geração em que se apanhava soletrando:
– Já-te-fa-lei-pa-ra-não-fa-zer-mais-is-so. Doze sílabas. Doze palmadas.
Ora, lembrei-me dessas coisas observando o comportamento de dois meninos danados. Era domingo. Estávamos almoçando em conceituado restaurante da cidade. Os garotos não paravam de pinotear.
Um colega paulistano me informou que em São Paulo há um restaurante que proíbe a entrada de crianças com menos de 14 anos. Questionado, o gerente explicou que “o espaço não está adaptado para recebê-las”.
Pessoalmente, entendo que a proibição é aceitável. Desde que os consumidores sejam previamente informados. Não se pode e não se deve causar constrangimentos. Nem aos pequenos, nem às famílias.
Por outro lado, há quem seja contra essas restrições. De fato, a Constituição Brasileira diz que todos são iguais perante a lei. Há um artigo específico que trata as crianças e adolescentes com absoluta prioridade.
Um casal de Brasília me relatou que quando seu primeiro filho era bebezinho arriscaram uma ida a uma pizzaria. O neném chorava com cólica. Fazia muito calor. Os donos da pizzaria sugeriram que a família fosse comer a pizza em casa. O casal ficou traumatizado.
Nesse caso específico, acho que o casal tem razão. Nós, adultos, temos que entender que o mundo não é só nosso. Choro de criança incomoda. Mas também há adultos que são um incômodo total.
Temos que ter paciência com os bebês. Aprender a conviver com as crianças e entender suas necessidades.
Agora, menino danado precisa ter limites. E os dois do restaurante não tinham nenhum. E os pais devem saber que umas boas palmadas, inclusive soletrando, está no rol de excludentes de ilicitude.

domingo, 12 de janeiro de 2020

sábado, 11 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


African Warrior.
Frans Mensink.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A poesia é necessária?


Galáxias (fragmento)
Haroldo de Campos (1929-2003)


circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô de fulô e ainda quem falta me dá soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular aquela música se não canta não é popular se não afina não tintina não tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da mais megera miséria física e doendo doendo como um prego na palma da mão um ferrugem prego cego na palma espalma da mão coração exposto como um nervo tenso retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao sol enquanto vendem por magros cruzeiros aquelas cuias onde a boa forma é magreza fina da matéria mofina forma de fome o barro malcozido no choco do desgosto até que os outros vomitem os seus pratos plásticos de bordados rebordos estilo império para a megera miséria pois isto é popular para os patronos do povo mas o povo cria mas o povo engenha mas o povo cavila o povo é o inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol pois não tinha serventia metáfora pura ou quase o povo é o melhor artífice no seu martelo galopado no crivo do impossível no vivo do inviável no crisol do incrível do seu galope martelado e azeite e eixo do sol mas aquele fio aquele fio aquele gumefio azucrinado dentedoendo como um fio demente plangendo seu viúvo desacorde num ruivo brasa de uivo esfaima circuladô de fulô circuladô de fulô circulado de fulôôô porque eu não posso guiá veja este livro material de consumo este aodeus aodemodarálivro que eu arrumo e desarrumo que eu uno e desuno vagagem de vagamundo na virada do mundo que deus que demo te guie então porque eu não posso não ouso não pouso não troço não toco não troco senão nos meus miúdos nos meus réis nos meus anéis nos meus dez nos meus menos nos meus nadas nas minhas penas nas antenas nas galenas nessas ninhas mais pequenas chamadas de ninharias como veremos verbenas açúcares açucenas ou circunstâncias somenas tudo isso eu sei não conta tudo isso desaponta não sei mas ouça como canta louva como conta prova como dança e não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe me esqueça me larga me desamarga que no fim eu acerto que no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim me reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e se verá que está feito que pelo torto fiz direito que quem faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre que me ensinou já não dá ensinamento bagagem de miramundo na miragem do segundo que pelo avesso fui dextro sendo avesso pelo sestro não guio porque não guio porque não posso guiá e não me peça memento mas more no meu momento desmande meu mandamento e não fie desafie e não confie desfie que pelo sim pelo não para mim prefiro o não no senão do sim ponha o não no im de mim ponha o não o não será tua demão


quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Mohawk.
Tim Okamura.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Memória nem só olfativa e gustativa



Pedro Lucas Lindoso


Nas festas de Natal e Ano Novo sempre nos dá vontade de comer algo específico. Considerando os cinco sentidos: audição, visão, tato, olfato e paladar. Não só estes dois últimos se referem às comidas. Mesmo antes de provar um alimento, nossos outros sentidos, como a visão e a audição, são acionados. Quando ouvimos a fritura de um alimento ou quando avistamos a placa de um restaurante famoso.
Obviamente há muitos outros fatores que condicionam essa experiência. De fato, o ato de comer é uma experiência sensorial. Em especial nas festas de final de ano. 
A memória gustativa em particular é um sentimento saudosista de tudo que nos traz boas lembranças que provocam a consciência de um sabor que remete ao passado.
Na casa de meus sogros, o queijo bola, o famoso queijo do reino, era disputadíssimo no Natal. Além das famosas rabanadas.
Muitos brasileiros, principalmente os descendentes de portugueses, não abrem mão dos bolinhos de bacalhau. Há ainda as deliciosas castanhas portuguesas. As nozes, os queijos e também as nossas frutas regionais.
Em nossa família era costume matar um leitão e mandar assar na padaria da família Grosso, na Sete de Setembro. Costumes de uma Manaus que não existe mais.
Meus filhos pedem sempre o tender. E, principalmente, um certo bolo de chocolate. Um delicioso bolo impregnado de uma gostosa e suave calda, cuja receita pernambucana é uma das especialidades de minha mulher.
Bacalhoada, pernil, frutas cristalizadas, saladas especiais, fricassés e arroz de lentilhas. Arroz à grega e à piemontesa. Os regionais patos no tucupi, pirarucu de casaca, vatapá e caruru.
O peru é o prato mais tradicional, tendo sido usado desde o século 16 na Europa. Recentemente, no Brasil, o pernil de porco e o frango passaram a estar muito próximos do peru na ceia de Natal.
Ah! E a nossa farofa. Jamais poderíamos esquecê-la. Tem a farofa básica, a farofa doce e a farofa de ovo.
Nada supera a rabanada. Ou fatias paridas. Receita tradicional nas ceias de Natal. Muito popular em Portugal e no Brasil.
Não me conformo de só comer rabanadas nesta época. As rabanadas são servidas no Natal e remetem a lembranças não só gustativas e olfativas, mas principalmente aquelas do fundo do coração.

domingo, 5 de janeiro de 2020

sábado, 4 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Angel.
Luis Royo.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A poesia é necessária?



Primeiros anos
Ferreira Gullar (1930-2016)


Para uma vida de merda
nasci em 1930
na Rua dos Prazeres

Nas tábuas velhas do assoalho
por onde me arrastei
conheci baratas formigas carregando espadas
caranguejeiras
que nada me ensinaram
exceto o terror

Em frente ao muro negro no quintal
as galinhas ciscavam, o girassol
gritava asfixiado
longe longe do mar
(longe do amor)

E no entanto o mar jazia perto
detrás de mirantes e palmeiras
embrulhado em seu barulho azul

E as tardes sonoras
rolavam claras sobre nossos telhados
sobre nossas vidas.
E do meu quarto
eu ouvia o século XX
farfalhando nas árvores lá fora.

Depois me suspenderam pela gola
me esfregaram na lama
me chutaram os culhões
e me soltaram zonzo
em plena capital do país
sem ter sequer uma arma na mão.
B. Aires, 1975

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Fantasy Art - Galeria


Pegasus Befriends the Muses.
Julie Bell.