Amigos do Fingidor

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Mar da memória

Sebastião Norões (1915-1972)

 

Eu quero é o meu mar, o mar azul.

Essa incógnita de anil que se destrança

em ânsias de infinito e me circunda

em grave tom de inquietude langue.

 

O mar de quando eu era, não agora.

Quando as retinas fixavam tredas

a incompreensível mole líquida e convulsa.

E o pensamento convidava longes,

 

delimitava imprevisíveis rumos,

viagens de herói e de mancebo guapo.

Quando as distâncias fomentavam sonhos.

 

Rebenta em mim essa aspersão tamanha

que a imagem imatura concebeu

de quando o mar era meu, o mar azul.

 


quarta-feira, 28 de agosto de 2024

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Basta chover!

 Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina foi passear na Europa. Está passando uns dias na Itália. Ela e dona Zildinha, companheira de viagem e amiga das antigas. Viajaram do Rio para Roma pela ITA, empresa aérea estatal italiana, sucessora da falida ALITALIA.

Inadvertidamente, viajaram no dia 15 de agosto. Tia Idalina achou tudo muito estranho naquele voo. A passagem foi bem em conta. Excelente promoção. O voo, entretanto, estava meio vazio. Na tripulação, aparentemente, havia mais brasileiros do que italianos.

Vez por outra ouvia-se a expressão “ferragosto”. Nem ela nem dona Zilda sabiam o significado.

Ao chegar em Roma notaram que o aeroporto estava com pouco movimento. Algumas lojas inexplicavelmente fechadas. E novamente ouviu-se a palavra “ferragosto”.

Dona Zilda entende italiano. Mas não fala. Tia Idalina se arvora a falar qualquer língua. Inglês, Francês, Espanhol e também o Italiano. Fala, mas não entende. Pergunta, mas não compreende as respostas.

Nesse ponto as duas se completam. Idalina, com toda cara de pau que Deus lhe deu, perguntou ao funcionário da ITA o que era esse tal de “ferragosto”. O rapaz sorriu e disse:

– 15 de agosto. Ninguém trabalha na Itália nesse dia. Aliás poucos trabalham em agosto. Todos tiram férias aqui na Itália. Mais especialmente nesse dia, 15 de agosto, exatamente no meio do mês. “Tutto chiuso”. Tudo fechado. Até hospital fecha. É melhor não morrer nesse dia. Deixar para falecer no dia seguinte. É “ferragosto”.

Idalina virou-se para Zildinha e disse:

– É “ferragosto” e nós estamos ferradas. Veja aí no professor Google a origem disso. Zilda imediatamente deu uma “googada”. E explicou:

– Tem origem na Feriae Augusti, festa do imperador Augusto. Um decreto imperial fez do dia 15 de agosto um dia de descanso após semanas de muito trabalho na agricultura.

Com o tempo, tornou-se mais do que apenas um feriado.  Na verdade, ele marca o auge das férias de verão na Itália, com muitos negócios, escritórios e até cidades inteiras fechando suas portas, tirando férias e descansando.

Estamos acostumados. No Rio de Janeiro fecha tudo no Carnaval. No Nordeste, no São João. Na Bahia pouco se trabalha de dezembro até o Carnaval. Tem sempre uma festa popular. E em Manaus, Idalina?

– O caboclo não vai trabalhar. Não sai de casa. Basta chover!

 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A lança de Anhangá


Vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus, em 2022, na categoria Conto.

 

domingo, 25 de agosto de 2024

Manaus, amor e memória DCLXXXV

 

Carnaval na Eduardo Ribeiro.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Kaleidoscópio (fragmentos)

Anísio Mello (1927-2010)

 

Balé de felino

entre as flores do verde:

traição à vista.

 

Foi buscar o sol

e com suas asas de cera

o sonho acabou.

 

No vaso quebrado

os retalhos de uma vida:

lembranças da China.

 

Num dia quentíssimo

com um balde d’agua na mão

apaguei o sol

 

Caindo do céu

como se fosse cristal

molha o chão: a chuva

 

Olho o céu escuro

uma estrela abandonada

faz o meu luar.

 

Relógio-de-sol

com medo da tempestade

atrasou o dia.

 

Brotando do asfalto

o trilho do bonde é visto:

praça da Saudade.

 

Saudade e lembrança

duas emoções que se unem

na velha cidade.

 

Madeira no campo.

Polpa, papel e palavra:

o livro está pronto.



 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Providência. Quais providências?

Pedro Lucas Lindoso

 

Assisto à primeira temporada da série “The Crown”, apresentada pela NETFLIX. O episódio 4, chamado de “Act of God”, “Ato Divino”, relata um  nevoeiro tóxico que toma conta de Londres. O fato se deu no inicio da década de 1950. A série tem como pano de fundo o longo reinado da falecida Rainha Elizabeth II. O fatídico nevoeiro ocorreu nos primeiros dias de dezembro de 1952.

Winston Churchill era o Primeiro Ministro. O terrível nevoeiro chamado de Big Smoke provocou enorme poluição atmosférica em Londres. Matou milhares de pessoas. A causa foi a queima de combustíveis fosseis. Ou seja, enorme queima de carvão. Com a chegada de uma frente fria, a população queimou mais carvão do que de costume. O nevoeiro chegou a interromper o trânsito nas ruas e até espetáculos teatrais foram cancelados.

Estamos, mais uma vez, enfrentando um nevoeiro aqui em Manaus. O seriado narra a morte de milhares de pessoas e centenas de vítimas de infecções respiratórias na Londres de 1952. E nossa Manaus? Os hospitais estão lotados. Crianças e idosos principalmente.

O governo Inglês subestimou o alerta das autoridades ambientais. Aqui em Manaus, a omissão parece ser a norma. Inclusive de todos os envolvidos, incluindo a população, que insiste em tocar fogo na mata e nos roçados.

O Primeiro Ministro Winston Churchill, conhecido pela sua verve sofisticada e brilhante inteligência, disse que aquilo era uma questão climática. Há sol e chuva. Faz frio e calor. E chamou o nevoeiro de “act of God”. Um ato divino.

Os fatos e a História provaram o contrário. Todavia, para sorte dos londrinos, foram implementadas normas legais severas.  Restringiram o uso dos combustíveis e do carvão. Sabe-se que o carvão contém enxofre, arsênio e mercúrio.

Não sei se nessa fumaça que cobre Manaus tem mercúrio. Sabemos que usam esse metal pesado, aliás pesadíssimo, para poluir nossos rios com garimpo.

Se no século 21 algum governante ou autoridade quisesse justificar esses descalabros ambientais como ato divino seria execrado. No mínimo uma piada de mau gosto. Mas os tempos eram outros e Churchill sobreviveu. A Mãe Natureza deu uma colher de chá para os ingleses. De chá inglês. O tal “Big Smoke” nunca mais se repetiu. Sérias restrições foram impostas ao uso de combustíveis sujos e foi banida a fumaça negra. Tomaram providências.

Existe também a Providência Divina. É a sabedoria suprema de Deus com a qual ele governa todas as coisas e pessoas.

Os ingleses contaram com a Providência Divina. Mas tomaram providências. E nós, que providência tomamos com relação ao nosso fumacê? Parece que deixamos só com a Providência Divina.

 

 

domingo, 18 de agosto de 2024

Manaus, amor e memória DCLXXXIV

 

Revista Redempção, de maio de 1925.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Hoje, a tarde está muito azul


                 L. Ruas (1931-2000)

 

 

Hoje, a tarde está muito azul.

 

Não há ódio no olhar dos homens

E os olhos das mulheres são bondade.

Levemente o sol derrama uma camada

De ouro muito velho sobre as águas.

 

Os motoristas dirigem com cuidado

E os pedestres caminham descuidados.

Não houve nenhum desastre borrando

De vermelho o azul da tarde.

 

Não houve nenhuma tragédia:

Nenhum marido abandonou a mulher;

Nenhum operário caiu do andaime;

Não houve nenhum incêndio na cidade;

Nenhum anjo se revoltou contra Deus.

Os sexos estão repousados:

Virgem alguma foi, hoje, deflorada;

Não houve incestos nem adultérios;

Não houve casos de inversão sexual;

Não houve nenhum crime passional

Registrado na crônica policial.

 

Hoje, a tarde está muito azul...

 

Não houve prisões nem fuzilamentos políticos

Em qualquer parte do mundo.

Não houve jovens partindo para a guerra

Em qualquer parte do mundo.

 

Não houve sequestros nem lutas raciais

Em qualquer parte do mundo.

Não foram feitas experiências com bombas nucleares

Em qualquer parte do mundo.

 

As crianças soltam balões na praça

Sem medo de morrer bombardeadas

E os namorados esperam a noite, em paz.

 

E, enquanto as crianças brincam na praça,

Em paz,

Passa o enterro alegre de um menino

Levado, por meninos, num caixão azul.

 

Hoje, a tarde está muito azul...



 

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Márcio Souza (04/03/1946 – 12/08/2024)



 

Conheci Márcio Souza por meio do CJ (Caderno Jovem) do JC (Jornal do Comércio), na virada dos anos 60 para os 70 – do século passado. Depois veio o teatro e, em 1976, o fenômeno Galvez. Me perguntaram há pouco se havia como dimensionar a perda de Márcio para a cultura do Amazonas. Eles sempre fazem essa pergunta. Minha resposta, não importa o morto – mas, no caso do Márcio, coloquei uns decibéis a mais –, é sempre veemente: a morte há de vir sempre, é inevitável; aos que ficam resta a lembrança, o aplauso e, por fim, o agradecimento. Márcio Souza deu seus melhores anos – ou melhor, sua vida! – à cultura do Amazonas. É assim que devemos lembrar dele. E dizer, sem nenhum pudor: MUITO OBRIGADO, CARA! 

(Zemaria Pinto)



Barulho ou silêncio

Pedro Lucas Lindoso


Em tempos de Olimpíadas fico pensando o quanto o barulho da torcida pode ajudar, ou não, os atletas durante os jogos.

Na pandemia, com os estádios de futebol compulsoriamente vazios, houve necessidade de preparação motivacional para os jogadores entrarem ligados e jogarem com afinco. Sabe-se que a torcida contra motiva. A torcida a favor ajuda. Mas isso principalmente nos esportes coletivos em geral.

Esportes como a ginástica de nossa campeã Rebeca Andrade, o silencio é importante. Mas sempre há barulho. Parece que a torcida, ansiosa, cochichava. E cochicho no silencio vira barulho.

Em algumas situações, não somente nos esportes, o barulho pode ser aterrorizante. Sabe-se que pessoas com autismo tem os tímpanos bastante sensíveis. E sofrem com o barulho. Alguns animais também. Os cães sofrem com o barulho dos fogos. Especialmente no réveillon e jogos da copa.

Nos jogos de tênis é interessante observar o silencio sepulcral nas arquibancadas. Ouvem-se as raquetadas e as bolas para lá e para cá, numa sincronia similar aos sons da natureza. Sabe-se que a concentração é crucial.

Manter o silêncio durante os pontos é uma forma de respeitar tanto o próprio jogo quanto o adversário. Interromper este silêncio pode não apenas prejudicar a concentração do jogador, mas também alterar o andamento da partida. Isso por parte dos jogadores e da torcida.

Ora, o silêncio é uma regra extremamente importante, já que o tênis é um esporte muito intenso e exige muita concentração. Portanto, qualquer distração pode ser fatal para o tenista na disputa do ponto.

Mas os tenistas gritam também. Os gritos deles servem para ajudar na rebatida da bola. Isso aumenta a força do movimento sem esgotar o suprimento do oxigénio. Mas parece que não existe regra específica para o silêncio no tênis. É como a tal lei do silencio. As pessoas acham que ela existe. Mas só que não.

Mas nada emociona mais do que o silêncio da galera contrária quando da apresentação do boi rival no Festival de Parintins. Mas aí tem regra. E vale pontos. Os espectadores de fora, especialmente os vindos do sudeste e do exterior, ficam encantados.

Contudo o silencio pode ser de uma tristeza frustrante. Rafael Medina esperou ansiosamente pelo barulho de uma onda que não veio. A natureza negou ao nosso surfista a medalha de ouro. Faltou o barulho e a majestade de uma onda. Uma pena.

 

 

domingo, 11 de agosto de 2024

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Morto vivo

Antísthenes Pinto (1929-2000)

 

fronte caída:

lágrima lavrada

no pedestal da fonte.

 

além o sobreposto

mar de ossos

esgarçando rastros

– fuzis de gritos!

de bruços:

 

reencontrar a rota

do meu mapa branco.

 

fazer-me bala,

deslocar-me uníssono

como um cão de aço.

 

morto

mais vivo.         morto pensante

de bruços:

 

grave loucura clara:

vivo morto morto vivo.

 


terça-feira, 6 de agosto de 2024

Amazonas nas Olimpíadas

Pedro Lucas Lindoso

 

O Amazonas está representado nas Olimpíadas pelo meu xará Pedro Nunes. Pedro é atleta de lançamento de dardo. Nosso atleta faz parte do Projeto Amazonas nas Olimpíadas de Paris 2024 e do Bolsa Esporte Estadual do governo do estado.

Com certeza, todos estamos orgulhosos pela convocação do Pedro. Maravilha. O que acho estranho é o fato de não haver incentivo para duas modalidades que certamente faríamos bonito.

Estou me referindo à canoagem e ao arco e flecha. Ou tiro com arco. Com tantos rios e tantos canoeiros na nossa região. Temos até músicas enaltecendo os canoeiros daqui. Quando se viaja de barco é comum ver jovens caboclos ribeirinhos remando rio acima com boa velocidade. E sem rabeta!

A canoagem de velocidade é categoria olímpica que pode ser disputada individualmente, em dupla ou até mesmo em quarteto. Cadê nossos caboclos que não estão em Paris?

O Brasil inteiro está de olho no baiano Isaquias Queiroz.  Uma das grandes esperanças de medalha para o Brasil. Há muitos anos a canoagem está incluída no quadro de modalidades olímpicas. Por que não se incentiva a canoagem por aqui?

O mesmo pode se dizer do arco e flecha. Ou melhor, tiro com arco. O Amazonas é a unidade da federação onde há mais indígenas. O arco e flecha foi uma das grandes invenções da humanidade. Com registros que remontam à pré-história. O arco e flecha permitiu ao homem ampliar a capacidade de caça. Depois, o arco e flecha mudou a forma dos combates nas guerras. Tornou-se uma das principais armas durante séculos E hoje o tiro com arco é uma das modalidades olímpicas bem disputadas e prestigiadas.

O Lançamento de dardo é uma modalidade olímpica do atletismo existente desde a Grécia Antiga. Uma das mais nobres modalidades por sua antiguidade, integra o heptatlo e o decatlo, além de ter sua própria prova individual. Assim, o nosso querido conterrâneo, Pedro Nunes, estará nas disputas junto com Luiz Mauricio da Silva nos próximos dias em Paris. O Brasil não tem tradição nessa modalidade. Nunca trouxemos medalha para casa. E nem sempre estivemos na disputa. O último campeão foi o indiano Neeraj Chopra.

Sinto falta, repito, de um canoeiro e de um arqueiro nos representando nas Olimpíadas. Vamos torcer pelo Pedro Nunes. Que ele possa nos trazer a primeira medalha de lançamento de dardo. O jovem manauara é campeão sul-americano e vice-campeão dos Jogos Pan-Americanos. Força, Pedro!

 

 

domingo, 4 de agosto de 2024

Manaus, amor e memória DCLXXXII

 

Armazém de Ferragens.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

A poesia é necessária?

 

Momento VI (desabafo)

Vera Duarte

 

 

Vai e grita pelas achadas imensas

que a vida se conquista

contra a violência e a morte.

 

Diz

do amor que brota das areias

do mar solitário

do abraço fecundo que nasce

dos confins de nossos seres.

 

Diz tudo

mas não digas que te amei

– e amo –

pois chega-me a morte pela recusa.

Não quero morrer duas vezes!