Esquina da 7 de Setembro com Instalação. |
domingo, 29 de setembro de 2024
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
A poesia é necessária?
3 Hai-kais
Benjamin Sanches (1915-1978)
Banhando-se nua,
No rio treme de frio,
A pálida lua.
A noite chegou,
Com seu véu cobriu o céu,
E a lua voltou.
O sol despertou,
Viu quando a estrela sumiu,
Ardente ficou.
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
terça-feira, 24 de setembro de 2024
Sapotilha, sapoti ou poti
Pedro Lucas Lindoso
No
quintal de minha avó materna, Brigitta Daou, havia muitas árvores frutíferas. A
casa da vovó ficava numa chácara, na Vila Municipal. Hoje Adrianópolis. No
local foi construído um condomínio.
Algumas mangueiras teimam em ultrapassar anos, demolições e construções.
Ultrapassaram também vidas, recordações e memórias. Menos as minhas.
Além
das mangueiras, havia pés de jambo, abricó, pitomba, ingá e sapotilha. Ou
sapoti. Nunca soube qual seria o nome certo. Há ainda os que as chamam de
sapota. Eu as chamo de sapotilha e pronto.
Minha
amiga Ana Lucia, bióloga especialista em botânica, me disse que a sapotilha é
nativa do sul do México e da América Central. A sapotilha é muito apreciada in
natura. Cultivada em várias partes do Brasil. Desde o sul do estado de São
Paulo até a nossa região amazônica.
Minha
avó tinha duas irmãs e um irmão. Tia Antonieta, Tia Helmosa e Tio Bianor. Tia
Helmosa gostava muito de sapotilha. Chamava-as de sapoti. O que deve ser o mais
correto. Tia Helmosa era muito culta.
Teve uma educação primorosa. Além de um português escorreito, falava inglês
e francês com perfeição. Principalmente, francês.
Tio
Bianor era apaixonado por aviões. Foi estudar em Paris depois do fim da
Primeira Guerra. O período entre guerras foi a Era de Ouro dos aviões.
Tio
Bianor voltou de Paris piloto de avião e falante de francês. Ao chegar na
chácara de vovó, sua irmã Helmosa foi mostrar-lhe as diversas árvores
frutíferas. Inclusive, e principalmente, sapoti, sua fruta preferida.
Ambos,
Bianor e Helmosa, conversavam animadamente em perfeito francês, idioma no qual
eram fluentes.
A
palavra ça em francês é uma partícula que pode ser usada em diversas situações.
Coloquialmente, para significar "isto", "isso" ou
"aquilo". Helmosa então apresentou ao irmão recém chegado da França a
gostosa fruta sapoti.
Só que
ao ouvir sapoti, tio Bianor entendeu “Ça poti”. E pedia para comer poti.
Tia
Helmosa, que me ensinou as primeiras palavras em Frances, ria-se ao me contar
várias vezes essa história. “Ça poti” non, sapoti! E eu sempre lhe respondia em
Francês:
"C’est ça!", que significa
"isso mesmo!"
domingo, 22 de setembro de 2024
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
A poesia é necessária?
Tríptico do espanto
Alencar
e Silva (1930-2011)
I
Tudo traz
sob a pele a sua morte:
a rosa e o
sonho dançam sobre o abismo
as formas de
uma só fatalidade
trabalhada
em equívocos. Sereno,
contudo, é o
meu semblante: este e o mesmo
que passeio
entre as gentes. A amargura
é disposta
em murais pelas paredes
do eu
profundo – e me espia. Duro é vê-la
contemplando
os meus gestos: de seus olhos
flui um rio
de sono, um rio sem barcos,
onda boia
meu rosto repartido
em cartazes
de espanto... Chove cinzas
sobre as asas de uma ave: e o canto,
ausente,
talvez mudo se cumpra eternamente.
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Sessões contínuas
Pedro Lucas Lindoso
Em
tempo de “streaming” vejo um filme como quiser, onde quiser, quando quiser. Com
interrupções. Ou sem interrupções.
Houve
um tempo em que íamos aos cinemas e havia sessões contínuas. Não havia shopping
centers. Os cinemas eram nas ruas das cidades. Geralmente, nos centros.
Havia cinemas nos bairros também.
As sessões geralmente começavam às 14:00
horas. Havia sessões às 14:00, 16:00, 18:00, 20:00 e 22:00 horas. E eram
contínuas. Essa prática era muito comum em cinemas, durante décadas.
É
nostálgico. Os cinemas de rua acabaram.
Viraram lojas, edifícios comerciais. E pasmem! Muitos em várias cidades viraram
igrejas.
Acabaram
os cinemas de rua e as sessões contínuas. Será que preciso explicar o que eram
sessões contínuas? Sim, preciso. Meus filhos e meus sobrinhos não sabem o que
eram as sessões contínuas. Explica-se:
Os
cinemas em geral permitiam que as pessoas chegassem a qualquer momento para
assistir aos filmes.
Como já
dito, a primeira sessão era as 14:00 horas. Podíamos chegar as 15:00, assistir
do meio para o fim. E então esperava-se o início da outra sessão para ver a
primeira parte do filme.
Nos
cinemas havia os lanterninhas. Eles iluminavam o caminho dos frequentadores até
uma cadeira vazia. E eram responsáveis por pedir silêncio e até expulsar quem
se excedia no barulho, na bagunça ou até mesmo num beijo mais audacioso.
Havia
os que viam o filme em uma sessão e namoravam na outra. Ou vice-versa.
Com o
tempo, surgiram os shoppings com uma nova forma de exibição. Os cines
multiplex oferecem várias salas de cinema em um único local. Geralmente shoppings. A nova dinâmica possibilitou ao público
escolher entre uma variedade de filmes e horários. Foi o fim das sessões
contínuas.
Tive um
professor na faculdade que dava a mesma aula para as turmas A e B. Na nossa
turma A de oito às dez. Na turma B, de dez ao meio dia. Certo dia cheguei
atrasado. O mestre perguntou-me:
Vai
assistir a sessão contínua?
Recebi
e mail de Brasília no qual um colega me informa que o mestre havia falecido.
Esquecido num asilo. Acabaram as sessões contínuas.
Mas a
vida continua. Como ela é!
domingo, 15 de setembro de 2024
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
A poesia é necessária?
Certos
amores
Astrid
Cabral
Afirmo:
certos amores
são manhãs
no infinito.
A luz em
ritmo lento
não conduz
ao sol a pino.
Certos
amores se espraiam
sem pressa
assim sonolentos
por
intérminas estradas.
Sossegam
secretos. Dormem
sob chaves
de silêncio.
Vacinados
contra o efêmero
recolhem-se
disfarçados
sob véus de
negligência
latejando na
reserva.
Certos
amores não crescem.
Hibernam
pura promessa
de fogo a
arder. Aguardam
só que o
fósforo do acaso
risque a
fagulha da chama.
terça-feira, 10 de setembro de 2024
A finitude da vida
Pedro Lucas Lindoso
Maurilio
faleceu recentemente. Instintivamente havia desenvolvido um carinho especial
por Maria Helena. Um querer bem que, mesmo sem que fosse planejado,
substituiria a ausência de seu cunhado e amigo Ernani. O avô falecido de Maria
Helena.
Então, numa
manhã ensolarada e quente de agosto, Maria Helena, com olhos curiosos e cabelos
cacheados, acordou, como sempre, com um sorriso no rosto. Mas naquele dia, algo
estava diferente. O burburinho da casa, que normalmente a fazia ficar animada,
parecia misturado a algo triste.
“A
mamãe e vovó estão chorando”, pensou Maria Helena, enquanto descia as escadas.
Ao chegar à sala de estar, viu a mãe sentada no sofá, com as mãos cobrindo o
rosto. Ao lado dela sua avó e seu pai. Depois chegou sua irmã Malu.
As
pessoas falavam de seu tio Maurilio. Maria Helena e sua irmã Maria Luísa amavam
o tio Maurilio. Ele sempre contava histórias engraçadas. Maria Helena adorava
seu jeito carinhoso.
“Por
que a mamãe e a vovó choram?”, perguntou Maria Helena com a inocência de uma
criança que não entende a gravidade da situação. A resposta veio em forma de um
abraço apertado: “Ele se foi, minha querida. Ele está no céu agora”.
Maria
Helena ficou confusa. “O tio Mauro foi viajar?”, perguntou, olhando pela porta
da varanda em busca de algum sinal dele. O céu estava azul, repleto de nuvens
brancas. Para ela, isso significava que ele poderia voltar a qualquer momento.
Trazendo seu picolé de tapioca. As horas passaram e Maria Helena continuou a
fazer perguntas. “Quando o tio Mauro vai voltar?” e “Ele está brincando com as
estrelas?”. Sua família tentava explicar a morte, mas as palavras soavam
estranhas e pesadas para ela.
Ela vai
à casa de tio Mauro e tia Anne. Moram na casa vizinha. Procura incessantemente
por ele. É de partir o coração.
Maria
Helena agora acredita que o tio virou estrela. Para ela, a perda não significa
apenas um adeus, mas uma nova forma de conexão. A primeira lição sobre a vida e
a morte havia sido plantada em sua mente inocente.
Maria
Helena, através dessa experiência, trouxe um novo significado à dor de sua
família, lembrando a todos que o amor nunca morre. E aqueles que amamos continuam a viver em
nossas memórias e nossos corações.
P.S.: Os sinceros sentimentos do cronista aos familiares e amigos de
Maurilio Saraiva Cavalcante.
domingo, 8 de setembro de 2024
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
A poesia é necessária?
Meu cavalo chegou
Farias de Carvalho (1930-1997)
Meu cavalo chegou (memória e nuvem),
a aurora derramada sobre a crina.
Meu cavalo chegou. Fome de tudo
estou também: engoliremos mundos.
Meu cavalo chegou. E, pressentidos,
os caminhos me espiam de suas rédeas.
Meu cavalo chegou. Há quanto tempo
gasto-me em pés e olhos nesta espera...
Meu cavalo chegou. Eu despertava
quando o vento falou-me de seus cascos
e a poeira garantiu-me sua presença.
Meu cavalo chegou. Cumprir-me-ei.
Tanta gente cansada nessas cruzes...
Meu cavalo chegou. Mortos, montai!...
terça-feira, 3 de setembro de 2024
Ao vencedor, os tucumãs!
Pedro Lucas Lindoso
Estamos
novamente em período eleitoral. Os candidatos se digladiam. Nos dias atuais, o
ringue de ofensas e vilipêndios mútuos entre os candidatos ocorre pela
internet. Fui filho de candidato e de político. Não é fácil ouvir ofensas ao
seu pai. Principalmente quando você é criança e tem seu pai como herói.
Não
havia internet. As ofensas vinham em cartas anônimas. E as acusações, em
comícios, onde a disputa estava mais na oratória do que em trocas de farpas.
Mas havia o lado bom das campanhas. Eu gostava muito das viagens de barco pelo
interior.
Certa
vez chegamos num município onde havia muitos curumins da minha idade. O então
candidato distribuiu um saco de bolinhas de gude entre a meninada filhos de
potenciais eleitores.
O filho
do candidato, no caso eu mesmo, era curumim da cidade. Expert, modéstia à
parte, no jogo da peteca. Coube a mim ensiná-los a jogar. Alguns conheciam o
jogo. Mas jogavam de maneira diferente.
E
pasmem! Jogavam com bolinhas feitas de caroço de tucumã! Bem mais leves que as
bolinhas de gude. Mas fiquei encantado com elas. Os curumins descascam o fruto
e comem. Em seguida, raspam o excesso da polpa que restou e lixam o caroço. A
peteca de tucumã está então pronta.
Assim
como eu me encantei com as petecas de tucumã eles se encantaram com a variedade
de bolinhas de gude dadas pelo candidato. No caso, meu pai.
E fomos
ao jogo. Os jogos de petecas são baseados no seguinte princípio: o jogador deve
lançar a peteca rolando no chão para alcançar as petecas dos adversários,
posicionadas em um espaço delimitado por um círculo, uma linha, um buraco, um
triângulo, ou qualquer outro valor definido pelos jogadores, dependendo do
terreno.
Eu, garoto da capital, defini as regras do
jogo. Cada jogador tem seu próprio saco. O candidato havia distribuído cerca de
uma dúzia para cada curumim. As petecas são tidas como um tesouro de grande
valor, avaliado pela cor e material. O objetivo é tomar todas as petecas dos
outros jogadores. As bolinhas podem voltar no final do jogo se for uma falsa
partida. Se for verdadeira, o vencedor fica com todas as bolinhas.
Ganhei
todas. O jogo era de verdade. Quando o candidato viu que eu havia ganho todas,
mandou eu devolver. Então eu disse que estava devolvendo porque as partidas
eram falsas. Só valeu as de tucumã! Então, ao vencedor, os tucumãs!