Amigos do Fingidor

domingo, 31 de março de 2024

sexta-feira, 29 de março de 2024

Crônica de um autógrafo

                Sousa Neto

  Quando cheguei à minha casa, fui explorar a semiótica do livro editado.

Comecei pelo autógrafo. O que me chamou a atenção nele, foi a solidez da palavra “careta”; onde a letra [e] assume a forma de um quatro. Isso tem coerência por dois motivos. Está coerente com a semântica da palavra na frase “para fundir a cuca dos caretas”, o careta é quadradinho. Antes do quadrado existe a letra [r], a qual expressa caligraficamente uma letra [e] invertida, pista discursiva para quatro e para a letra [r] de fundir; derretida. O segundo motivo é: quem diz o Discurso da Matemática é a língua.

Quando pequeno, meus pais fumavam. Não adquiri o hábito de fumar. Porém, entendi de imediato os versos de Caetano Veloso no CD Livro: Os livros são objetos transcendentes/Mas podemos amá-los do amor táctil/Que votamos aos maços de cigarro.

Assim, pode-se ser devoto do amor táctil ao seu livro.

Faz parte da semiose do livro editado também a sua beleza visual. E nela a poesia invisível que tropeça harmônica nos astros dos livros; quando se ouve a música de Caetano Veloso: livros.

Outra semiose é romântica: o cheirinho do livro novo que nos remete aos primeiros livros da infância.

A escrita é a forma sólida da palavra (Robert Bringhurst, A forma sólida da linguagem, p.9). Existe uma etimologia sólida e outra, transcendente. Para bem de todos, viva a ludicidade literária. Parabéns ao Zemaria Pinto. Parabéns, Zemaria.[1]                     




[1] O autor refere-se ao autógrafo no livro Os que andam com os mortos, de Zemaria Pinto.

quinta-feira, 28 de março de 2024

A poesia é necessária?

 

O lutador

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

 

Lutar com palavras

é a luta mais vã.

Entanto lutamos

mal rompe a manhã.

São muitas, eu pouco.

Algumas, tão fortes

como o javali.

Não me julgo louco.

Se o fosse, teria

poder de encantá-las.

Mas lúcido e frio,

apareço e tento

apanhar algumas

para meu sustento

num dia de vida.

Deixam-se enlaçar,

tontas à carícia

e súbito fogem

e não há ameaça

e nem há sevícia

que as traga de novo

ao centro da praça.

 

Insisto, solerte.

Busco persuadi-las.

Ser-lhes-ei escravo

de rara humildade.

Guardarei sigilo

de nosso comércio.

Na voz, nenhum travo

de zanga ou desgosto.

Sem me ouvir deslizam,

perpassam levíssimas

e viram-me o rosto.

Lutar com palavras

parece sem fruto.

Não têm carne e sangue.

Entretanto, luto.

 

Palavra, palavra

(digo exasperado),

se me desafias,

aceito o combate.

Quisera possuir-te

neste descampado,

sem roteiro de unha

ou marca de dente

nessa pele clara.

Preferes o amor

de uma posse impura

e que venha o gozo

da maior tortura.

 

Luto corpo a corpo,

luto todo o tempo,

sem maior proveito

que o da caça ao vento.

Não encontro vestes,

não seguro formas,

é fluido inimigo

que me dobra os músculos

e ri-se das normas

da boa peleja.

 

Iludo-me às vezes,

pressinto que a entrega

se consumará.

Já vejo palavras

em coro submisso,

esta me ofertando

seu velho calor,

outra sua glória

feita de mistério,

outra seu desdém,

outra seu ciúme,

e um sapiente amor

me ensina a fruir

de cada palavra

a essência captada,

o sutil queixume.

Mas ai! é o instante

de entreabrir os olhos:

 

entre beijo e boca,

tudo se evapora.

 

O ciclo do dia

ora se consuma

e o inútil duelo

jamais se resolve.

O teu rosto belo,

ó palavra, esplende

na curva da noite

que toda me envolve.

Tamanha paixão

e nenhum pecúlio.

Cerradas as portas,

a luta prossegue

nas ruas do sono.



quarta-feira, 27 de março de 2024

O CLAM na Academia

 

A mesa que conduziu o lançamento do livro KIGO, editado pelo Clube Literário do Amazonas.
Ao centro, o professor Cacio José Ferreira e o acadêmico Zemaria Pinto;
à esquerda. os co-autores Miguel de Souza e Grace Cordeiro;
à direita, os co-autores Gracinete Felinto e Nelson Castro, presidente do CLAM.
(Foto: Tainá Vieira)

terça-feira, 26 de março de 2024

Idos de março

 Pedro Lucas Lindoso

  

É pau, é pedra, é o fim do caminho / É um resto de toco, é um pouco sozinho / É um caco de vidro, é a vida, é o sol / É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol / É peroba no campo, é o nó da madeira / Caingá candeia, é o matita-pereira / São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu coração.

Para os brasileiros do sudeste esta maravilhosa música de Tom Jobim os lembra o fim do verão. Mas para nós, da Amazônia, essas águas se estendem até junho, quando termina o nosso período de chuvas e cheias. O nosso “inverno”.

O calendário dos romanos era diferente do nosso. Além das quatro estações do ano, o nosso calendário divide-se em meses. No calendário dos romanos havia três divisões: idos, calendas e nonas. Idos eram 15 de Março, Maio, Julho e Outubro, e 13 nos outros meses. Foi nos idos de Março do ano 44 a.C. que aconteceu uma famosa conspiração no Senado Romano.

Júlio César foi assassinado “brutalmente”. O glorioso e poderoso imperador romano foi esfaqueado até a morte em uma reunião do Senado Romano. Tudo amplamente liderado por dois famosos conspiradores:  Brutus e Cassius. Os historiadores dizem que um vidente havia avisado que o mal viria a César no idos de março. A caminho do Senado onde seria assassinado, César passou pelo vidente e brincou: "Bem, os Idos de março chegaram", dando a entender que a profecia não havia sido cumprida, em resposta, o vidente disse: "Sim, eles vieram, mas não se foram."

Shakespeare tornou o assassinato de Júlio César mais conhecido ainda ao escrever a tragédia que leva o próprio nome do imperador. O ponto alto, para muitos supersticiosos, principalmente, é quando César é avisado pelo vidente sobre ter cuidado com os idos de março.

Atualmente a palavra idos, um substantivo masculino plural, significa tempo que já passou e refere-se ao passado. Todavia sua origem foi na mesma palavra de uma das três divisões do calendário romano. Assim como a divisão calendas deu origem à palavra calendário.

Muitos dizem que o ano no Brasil só começa mesmo em março. Depois do Carnaval. Coincidentemente, março era o primeiro mês do ano novo na Roma antiga. E março seria uma homenagem ao deus Marte, o deus romano da guerra.

Muitos se preocupam com os idos de março. Aqui no Brasil o mês mais temido é agosto. Dizem que é o mês do desgosto. Há os que lembram mortes trágicas como a de Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek e Princesa Diana. Penso que essas coisas são pura superstição. Não sou supersticioso, mas não passo embaixo de escadas. Xô tempo de chuvas e guerras em nossos corações. Escolho os idos de março de Tom Jobim: que esse mês venha como promessa de vida em nossos corações.

(Republicada a pedidos)

 

domingo, 24 de março de 2024

quinta-feira, 21 de março de 2024

A poesia é necessária?

 

Silêncio molhado

Saturnino Valladares

 

Disfarçado de memória, um silencio

molhado habita minhas intimidades,

como uma gota de chuva na altura

da vertigem.

Minha voz não descobre o que de mim

escondo. Não me revela o fulgor

vazio do poema que me escrevo.

Meu pensamento não está nas minhas palavras.

 

Tudo o ocupa o silêncio molhado.

 

Arde, dói, apaga-se e não me acalma

a tristeza de compreender

e não saber. E não querer saber.

 

Tradução: Tenório Telles


terça-feira, 19 de março de 2024

Belém, Belém, nunca mais fico de bem!

Pedro Lucas Lindoso

 

Não sei como a meninada se comporta nos dias de hoje. As amizades infantis da minha infância tinham um código lúdico bem peculiar. Alguém ficava magoado e chateado. Era preciso saber se a amizade ainda persistiria ao entrevero. Juntava-se os dois dedos indicadores e perguntava-se: corta aqui? Se o outro cortasse era porque a amizade havia acabado!

Então dizia-se que fulano havia ficado “de mal” com o outro. Essa técnica também era válida entre irmãos.  Minha mãe, quando ouvia dizer que alguém estava “de mal” com outro, era taxativa:

– Podem parar com essa estória de ficar “de mal”. Tratem logo de fazer as pazes.

Outra técnica consistia em mostrar ao outro os dedos mínimo e indicador. Dedos esses conhecidos também como mindinho e fura bolo. Mandava-se escolher: Esse é o mal e esse é o bem. Se o mindinho fosse apontado, estavam “de bem”. O pedido de desculpas estava implícito e estava tudo certo.

Mas, se a escolha fosse pelo indicador, estavam “de mal”. E poderia ainda se ouvir: Belém, Belém, nunca mais fico de bem!

Recebo a visita de meu amigo Dr. Chaguinhas. Estava preocupado com sua filha. A garota, de dezesseis anos, namorou um rapaz por quase um ano. De repente, sem mais nem menos, o rapaz sumiu.

Estranhamente deixou de responder às mensagens de WhatsApp. Saiu dos grupos em que a garota e ele participavam. Não atendia mais às ligações da namorada. Saiu do Instagram e do Facebook.

Chaguinhas perguntou pelo rapaz e a filha caiu no choro! Preocupados, os pais foram conversar com a menina. Ela relatou que não havia feito nada de mais com o rapaz. Não estavam se relacionando sexualmente. Estava tudo bem no namoro. Mas simplesmente o rapaz sumiu de seus contatos no celular.

Chaguinhas e a esposa tentaram entrar em contato com os pais do rapaz. Tudo bem que o namoro terminasse. Mas de forma civilizada. Sem sucesso. Os poucos amigos em comum do casalzinho não sabiam dele. Aliás, eram amigos da garota. E todos achavam tudo muito estranho. Uma coleguinha disse ter visto o rapaz no shopping. E que ele fingiu não a conhecer. A garota, muito tristinha e abalada, foi levada ao psicólogo. O diagnóstico foi de que a menina tinha sido vítima de “ghosting”. O termo “ghosting”, vem da palavra ghost (fantasma, em inglês). Se popularizou por definir o desaparecimento em relacionamentos, principalmente nas redes sociais.

Ora, o afastamento sempre deve ser comunicado. Essa comunicação deve ser direta, fluida e assertiva, como a meninada da minha infância: Belém, Belém, nunca mais fico de bem!


 

domingo, 17 de março de 2024

Manaus, amor e memória DCLXII


Mercado Adolpho Lisboa, à noite.

 

quinta-feira, 14 de março de 2024

A poesia é necessária?

 

O mundo necessita de poesia


Gilka Machado (1893-1980)

 


O mundo necessita de poesia,

cantemos, poetas, para a humanidade;

que nossa voz suba aos arranha-céus

e desça aos subterrâneos,

acompanhando ricos e pobres

nos atropelos

das carreiras

de ambição

e na luta pelo pão.

 

Lavemo-nos das máscaras histriônicas;

tenhamos a coragem

de propalar a existência eterna

do sentimento;

ponhamos termo

a esses malabarismos

de palhaços

falsos

da modernidade,

permanecendo diferentes,

diante da multidão

insensibilizada,

enferma.

 

A humanidade quer rir de tudo,

porém é alvar sua gargalhada.

Foge das tristezas,

mas paira ausente

em meio aos prazeres,

desligada em toda parte,

perdida em si mesma.

O homem anda esquecido do caminho da fé

que a poesia sempre lhe ensinou.

O homem está inquieto

porque lhe falta a posse das distâncias

que só a poesia proporciona.

O homem se sente miserável

porque a poesia não lhe enche a alma

daquele ouro inesgotável

do sonho.

 

O mundo necessita de poesia,

(não importem assuadas)

cantemos alto, poetas, cantemos!

Que seja nossa voz

um sino de cristal,

um sino-guia de perdidos rumos,

vibrando no nevoeiro de inconsciência

do momento angustioso!

 

Nosso destino, poetas, é o destino

das cigarras e dos pássaros:

– cantar diante da vida,

cantar

para animar

o labor do Universo;

cantar para acordar

ideias e emoções;

porque no nosso canto

há um trigo louro,

um pão estranho que impulsiona

o braço humano,

e os cérebros orienta,

uma hóstia

em que os espíritos encontram,

na comunhão da beleza,

a sublimação da existência.

O mundo necessita de poesia,

cantemos alto, poetas, cantemos!



terça-feira, 12 de março de 2024

Doces palavras – Dia da Mulher

  Pedro Lucas Lindoso


Há alguns dias escrevi crônica cujo título foi “Palavras, palavras, palavras”. E confessei que sou um apaixonado por palavras. Há os que são apaixonados por números. Assim como há poetas e escritores, há numerólogos e conhecedores da Cabala.

Os números me impressionam, mas gosto mesmo das palavras, dos versos e dos textos. Há palavras pequeninas como oi. Há outras bem grandes como inconstitucionalissimamente! Nessa primeira semana de março, que culmina com o Dia da Mulher, milhares de homens, principalmente poetas, escritores e cronistas procuram incessantemente por palavras bonitas. É preciso celebrar as mulheres!

Nós, falantes do português, somos privilegiados. Há substantivos femininos que em outras línguas são neutros. Como exemplo vamos começar por professora. Em Inglês, “teacher” é professor ou professora! Fico imaginando como se poderia traduzir para o Inglês a famosa música “Meus tempos de criança”, também conhecida como “A professorinha”. Vejamos estes versos: Que saudade da professorinha/ Que me ensinou o beabá / Onde andará Mariazinha / Meu primeiro amor, onde andará? Ora, “little  teacher” pode ser professorinha ou professorzinho. Afora as rimas, também seria impossível de se fazer uma versão plausível.

Tenho mais primas do que primos. Tanto do lado materno quanto do lado paterno. E primas são como irmãs. Não podemos casar com elas. Mas podemos nos apaixonar pelas primas. E em Inglês, uma palavra tão doce como prima é neutra. “Cousin” serve para prima ou primo. Uma lástima!

As palavras que se referem às mulheres são sempre belas, poéticas, doces. Vejamos: mãe, avó, menina, garota. Existe palavra mais gostosa e bonita do que “garota”?

Houve um tempo em que nós homens podíamos celebrar as moças e as mulheres sem correr o risco de ser inconvenientes ou machistas. Mas naqueles tempos não havia um dia especial para mulheres. Todos os dias eram delas. Mas isso até hoje é assim! Apesar da comemoração especial do dia das mulheres, todos os dias são mesmo delas e para elas.

Aproveito a comemoração do dia das mulheres para homenagear as mulheres da minha vida. Minha saudosa mãe Amine Daou Lindoso, minha esposa Vera Lindoso, minha filha Marina Lindoso de Castro. Minhas irmãs e tias. Um carinho especial para minhas amadas netinhas Maria Luísa, Maria Helena, Catarina e Isadora. E claro, às inúmeras professoras que tive, do primário à pós-graduação. E por fim, às minhas primas. Queridíssimas primas.

 

domingo, 10 de março de 2024

sexta-feira, 8 de março de 2024

Os que andam com os mortos



 

Os que andam com os mortos, primeiro livro “oficial” de contos adultos de Zemaria Pinto, é uma provocação. A começar pelo subtítulo, que pulveriza os substantivos “fábulas” e “estórias” – este, uma provocação, em si mesmo – amalgamando-os com os adjetivos “cruéis” e “más”, e resultando uma poeira que, nos olhos do leitor, desafia os limites quadradinhos do gênero.

Invocando Mário de Andrade – “é conto tudo aquilo que o autor chamar de conto” – e Machado de Assis – “sobre o gênero, não sei o que diga que não seja inútil” –, Zemaria Pinto constrói em Os que andam com os mortos trinta narrativas entre a intertextualidade, a metalinguagem e a criação mais original: “desconforto é a palavra-chave para definir o sentimento que se quer incutir no leitor”, diz o autor na apresentação que, não à toa, tem por título um dissimulado “Apenas um livro de contos”.

Assassinatos, manifestações de loucura mansa até o mais agudo desvario, delírios, pesadelos, metamorfoses – físicas e mentais –, ais de amor, uivos de dor e outras mágoas supuradas: no universo do demiurgo não sobra espaço para a vidinha banal, a tal da áurea mediocridade de que falavam os antigos. Pulsa nessas trinta narrativas o mundo como vontade e representação, num encontro clandestino entre a poesia e a filosofia.   

Como já se insinuou, os textos emulam gêneros diversos que vão do conto convencional ao roteiro de cinema; da fábula à Esopo ao ensaio acadêmico; do texto teatral à entrevista; de falsas crônicas a memórias falsas. Conto com nota de rodapé? Relaxa, leitor/a: faz parte da tática narrativa. Do caldeirão resultante sobressai-se um humor ácido, que, se inibe a gargalhada, deixa um travo amargo na boca. Os quatro últimos textos, entretanto, enformam uma memória da pandemia – e podem causar um indesejável nó na garganta.

Acostumado aos embates das análises críticas, o professor Zemaria Pinto fica muito à vontade no papel de contista, enfeixando em um volume de desafiadora e prazerosa leitura textos que poderiam ilustrar suas aulas de Teoria da Literatura ou seus livros de ensaios. Evoé!

 

Clara Nihil, poeta e matemática, 

na “orelha” do livro.   


quinta-feira, 7 de março de 2024

A poesia é necessária?

 

Samurai

Sidney Aguiar

 

O samurai tocou a

katana

Observou o firmamento

Uma gota de água

explodiu em sua tez

Respirou

profundamente

e abriu o guarda-chuva.



terça-feira, 5 de março de 2024

Respeito ao sagrado

 Pedro Lucas Lindoso


Aprendi que todas as religiões levam a um só Deus, o Grande Criador do Universo. Mas os ritos e o sagrado variam. E todos devem e precisam respeitar aquilo que é sagrado para o outro.

No último Carnaval de Salvador houve uma lamentável polêmica envolvendo as cantoras Ivete Sangalo e Baby. Ambas provocaram constrangimentos. Carnaval é festa profana. Trio elétrico não é local para manifestação religiosa. Estamos nos aproximando da Páscoa. A “malhação de judas” é uma prática lamentável e deve ser evitada. É ofensiva.

Aprendi com meu velho pai que o respeito ao sagrado nas mais diversas religiões e credos é um dever de todos. Os caminhos da fé se destacam ante a universalidade do necessário respeito ao sagrado, mesmo diante da diversidade religiosa.

Ao amanhecer, o sol nascente beija primeiro os minaretes das mesquitas, onde o chamado para a oração reverbera, convidando os fiéis ao recolhimento e à entrega. Não muito longe, os sinos das igrejas anunciam o início de uma nova manhã, convocando a comunidade cristã para celebrar a esperança e a renovação da fé. Enquanto isso, os círculos de pedra sagrada recebem os primeiros raios de luz, preenchendo os corações dos praticantes do paganismo com a energia da terra, do ar, do fogo e da água.

Cada prática, cada canto, cada prece elevada, seja em um templo, uma igreja, uma mesquita ou nas tribos dos povos da Amazônia, é um testemunho do respeito ao sagrado. É um sentimento profundamente enraizado no coração humano, uma reverência compartilhada que nos une apesar de nossas diferenças.

Aqui na nossa Amazônia, as práticas espirituais dos povos indígenas, profundamente enraizadas na terra e em suas tradições ancestrais, nos ensinam o respeito pela sabedoria da natureza e pelos ciclos da vida, uma conexão sagrada que sustenta a vida. Não é à toa que nas mãos dos povos indígenas estão as nossas esperanças da preservação dos rios e das matas. A salvação do planeta!

Todas essas manifestações de fé refletem a riqueza da experiência humana com o divino. Apesar das diferenças, há um fio comum que nos conecta: a busca por significado, propósito e conexão com algo maior que nós mesmos.

Neste tempo de Quaresma para os católicos, ouso convidar meus poucos leitores a reconhecer e respeitar o sagrado em todas as suas formas. O exercício da fé é como uma tapeçaria tecida com fios de múltiplas cores, cada uma representando uma tradição, uma história, uma forma de entender e viver o sagrado. Faço também um convite à tolerância, ao diálogo e, acima de tudo, ao respeito mútuo que deve prevalecer entre todas as formas de expressão da espiritualidade humana.

 

domingo, 3 de março de 2024