Zemaria Pinto
III
Antísthenes de Oliveira
Pinto nasceu em Manaus, no dia 28 de novembro de 1929; era uma quinta-feira. O
quinto dia da semana tem uma simbologia complexa. Na tradição pagã, é o dia
consagrado a Júpiter, o organizador. Para os pitagóricos, por outro lado, é o
número “nupcial” por excelência, pois é a soma do princípio celeste masculino,
o 3, com o princípio terrestre feminino, o 2 (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1990, p. 241).
Isso não explica mas por certo avaliza a dedicação de Antísthenes ao trabalho e
à família.
Filho de Antísthenes
Nogueira Pinto e Delmira de Oliveira Pinto, Antísthenes foi casado com D. Ruth
de Albuquerque Pinto – tendo deixado 5 filhos: Marcos, Antísthenes Filho,
Wagner, Rita de Cássia e Márcia Cilene. Exerceu
muitas funções, no aspecto profissional: auxiliar de farmácia, escrivão de
polícia, vendedor viajante, corretor de imóveis, corretor de seguros, gerente
de rotisseria, empresário de artistas, professor de história e geografia – e,
sobretudo, jornalista, militando no Jornal
do Brasil, no Correio da Manhã e
na Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro.
Depois de mais de 10 anos longe de Manaus, voltou em 1970, onde, em paralelo ao
exercício da crônica jornalística, desempenhou as funções de Diretor de Cultura
e Promoções da Prefeitura de Manaus; Presidente do Conselho Diretor da Fundação
Dr. Thomas; Superintendente Cultural do Amazonas; diretor administrativo da
Imprensa Oficial do Estado e diretor do Museu do Porto de Manaus.
Ao longo de 19 anos de
convivência, lembro-me de visitá-lo em pelo menos quatro endereços, em Manaus:
10 de Julho, Jardim Paulista, Parque 10 e Joaquim Nabuco. Trabalhando pela
sobrevivência até os últimos dias, até onde lhe permitiu sua saúde, jamais teve
tempo para se dedicar à sua arte de modo integral, o que não o impediu de nos
legar uma extensa e premiada obra: 18 livros distribuídos em vários gêneros, ao
longo de 35 anos, entre 1957 e 1992.
Poesia: Sombra e asfalto,
Ossuário, Angústia numeral, A rebelião dos bichos,
Curvas do tempo, mais a Poesia reunida.
Romances: Terra firme,
A solidão e os anjos e Várzea dos afogados.
Novelas: Chavascal,
Os agachados e Porão das almas.
Contos: É proibido perturbar
os pássaros e Os suicidas.
Crônicas: Quelônios do
Carabinani e Os garis das alturas.
Ensaios: Literatura:
novos horizontes e Oito poetas amazonenses
Antísthenes Pinto faleceu em Manaus, aos 71 anos, a 03
de dezembro de 2000, um domingo – paradoxalmente, o dia da alegria, o dia do
sol, o dia da luz.
IV
O modernismo no Brasil é
consequência da explosão das vanguardas no resto mundo: impressionismo,
expressionismo, cubismo, abstracionismo, futurismo, foram rótulos reunidos sob
um título genérico. A preparação foi lenta: a exposição de Anita Malfatti, em
1917, que provocou a manifestação irada de Monteiro Lobato – Paranoia ou mistificação?;
a publicação de Carnaval, de Manuel Bandeira, em 1919, de onde saiu o
poema-ícone de 22, “Os Sapos”;
a divulgação das obras de Brecheret e Di Cavalcanti, em 1920; e o golpe de
misericórdia: a publicação, em 1921, da
série Mestres do passado, de Mário de Andrade, que, com reverência e até
mesmo carinho, demolia impiedosamente a poesia parnasiana dos “príncipes” Olavo
Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, entre outros menos notáveis. O
que aconteceu em fevereiro de 1922 foi apenas um marco – uma festa para
registrar a revolução fartamente anunciada.
Vieram, então, as
divergências dos grupos de Antas e Antropófagos, que se estendia até a
política, com as simpatias relativas a fascistas e comunistas. Apareceram novas
gerações de escritores, e novas formas de olhar o mundo, como o romance
nordestino, que reeditava o realismo do século XIX, com uma visão mais
politizada; a poesia de cunho místico, que reeditava o simbolismo; e a poesia
existencialista, que questionava o papel do homem diante de si mesmo e da
sociedade, desnudando suas angústias frente às situações extremas da vida, mas
também em confronto com a banalidade da vida.
No Amazonas, temos, em
1922, o poema A Uiara, de Octavio
Sarmento, publicado apenas em jornal e semi-inédito por 80 anos, como uma
manifestação ainda pré-modernista.[1] O
marco inaugural do movimento é a publicação, em 1935, de Ritmos de inquieta alegria,
de Violeta Branca. Em 1951, com a publicação de Silêncio e palavra, de
Thiago de Mello – e, principalmente, com a repercussão que essa obra viria
alcançar, pelas penas dos mais importantes críticos literários da época – numa
época em que os grandes críticos, como Tristão de Athayde, Manuel Bandeira,
Otto Maria Carpeaux e Cavalcante Proença, por exemplo, escreviam ordinariamente
para os jornais... Com a publicação, eu dizia, de Silêncio e palavra, o Amazonas entrava em sintonia com a
literatura, e especialmente com a poesia produzida nos “centros culturais mais
avançados do país”. Eu explico o porquê desse “entrava em sintonia” com um breve
trecho da introdução à Pequena antologia Madrugada, publicada em 1958,
escrita por Jorge Tufic.
O cenário era a conhecida praça da Polícia Militar do Estado. E estava fundado,
assim, o Clube da Madrugada. Seus fundadores tinham fama de boêmios, loucos,
maníacos etc. Mas cada um daqueles boêmios, loucos ou maníacos sentia na
própria carne o angustiante problema da terra que pisava. Saturados até à
medula do academismo cediço e rotineiro, resolviam, ali mesmo, numa bela
madrugada amazônica, externar suas ideias, dizendo da necessidade de se
reunirem para oferecer resistência – parte que eram desse organismo ameaçado
por cruenta enfermidade – aos males que, tão visivelmente, afligiam e
perturbavam até o mais indiferente. (TUFIC, p. 8-9)
O Clube da Madrugada
representava, pois, uma reação ao conservadorismo vigente na literatura feita
até então. Mas não era só isso – havia um forte desejo de mudança que implicava
em promover uma ruptura para começar do ponto zero, eliminando qualquer ideia
de continuísmo. Era uma tomada de posição contra o que se chamava à época de
“êxodo anual”, quando as melhores cabeças da terra iam em busca dos tais
“centros culturais mais avançados do país”. Mais do que uma reação ao marasmo
intelectual, era uma reação ao marasmo político, social e econômico por que
passava o Amazonas.[2]
Uma observação
interessante: na noite de 22 de novembro de 1954, quando o Clube foi fundado,
apenas Farias de Carvalho e Luiz Bacellar representavam os poetas, a literatura
de invenção, propriamente – os demais participantes eram de outras áreas do
conhecimento, como os professores Saul Benchimol, Teodoro Botinelly e Francisco
Batista, que viriam tornar-se notáveis economistas. O Clube da Madrugada
representa um marco na história da cultura de Manaus: há um antes e um depois
do Clube do Madrugada. Notem que eu falei “história da cultura” e não da
literatura – pois além da poesia e da ficção, havia representantes das artes
plásticas, como Moacir Andrade, mas também ensaístas cujo espectro de abordagem
ia desde a própria literatura até os estudos sociais, políticos, econômicos e
antropológicos. Devo ressaltar, como exemplo do que quero dizer, o nome do
professor Jefferson Peres, ex-senador da república, um dos mais destacados
parlamentares da virada do século, também membro do Clube da Madrugada.
O papel de Antísthenes
Pinto dentro do Clube se consolida com o passar do tempo, quando seu nome se
torna referência na poesia, na prosa de ficção e na crônica. Ele se identifica
de tal forma com o Clube que se considera o próprio – muitas vezes o ouvi
dizendo, quase sempre irritado, “enquanto eu estiver vivo o Clube da Madrugada
não morrerá”. Antísthenes foi presidente
do Clube em várias ocasiões e numa delas conduziu à presidência seu filho
Wagner Pinto, garantindo a continuidade do Clube.