Amigos do Fingidor

terça-feira, 6 de junho de 2023

Resiliência tem limites

Pedro Lucas Lindoso

 

Era madrugada. Solicitamos um Uber para irmos para o Aeroporto Eduardo Gomes. O rapaz que nos atendeu foi bastante atencioso. Ajudou-nos com as malas. Abriu a porta do carro e cumprimentou-nos com educação e respeito. Notei de início que ele tinha um olhar extremamente triste e cansado. Fiquei preocupado. Estaria ele em condições de dirigir? 

Na parte de cima do painel havia carrinhos de brinquedo e o retrato de um garotinho. Perguntei-lhe se o menino era seu filho. Ele acenou afirmativamente e disse que na época ele tinha dois anos e meio. E disse tristemente que o Papai do Céu o havia levado.

Sempre achei que pais jamais deveriam enterrar seus filhos. É antinatural. Percebe-se que deve ser uma dor imensa. Como superar um evento tão doloroso? O rapaz disse que desde então não conseguia dormir. Por isso trabalhava à noite. A dor da perda do filho era insuportável.

Como exigir ou falar sobre resiliência com uma pessoa assim?  Em sentido figurado, resiliência é a capacidade que algumas pessoas têm de se recobrar ou mesmo se adaptar e superar facilmente um evento trágico ou danoso, às mudanças drásticas ou ainda uma grande má sorte.

A resiliência é vista por psicólogos como um estímulo a ser dado aos indivíduos para superar obstáculos que surgem vida afora. Por meio da inteligência emocional, os indivíduos devem agir de maneira ponderada em situações de estresse e mudanças, buscando sempre a adaptação. Como aquele rapaz poderia se adaptar a perda de seu único filhinho?

O rapaz ponderou que um passageiro havia lhe falado sobre resiliência. Explicou-lhe que a água pode ser esquentada até ferver e depois volta ao estado natural novamente. A água pode ficar congelada, virar gelo e voltar ao normal. Mas a água não é humana. A água não é gente. A água é coisa. “Eu não sou uma coisa. Eu sou humano”. Desabafou o rapaz.

É senso comum que a pessoa resiliente é capaz de se adaptar e crescer quando colocada frente a uma crise. Ou seja, consegue se equilibrar emocionalmente para achar caminhos, soluções para as adversidades e, com elas, tornar-se mais forte.

Não nos foi possível opinar ou sugerir algo que pudesse ajudar o rapaz a se equilibrar emocionalmente. Algo que o ajudasse a se tornar mais forte e superar a perda do filhinho.

Pensei nos meus filhos e nas minhas netinhas. Estão todos proibidos de partirem antes de mim. Como disse o rapaz, não sou água para voltar ao normal assim facilmente. Resiliência tem limites.