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domingo, 31 de julho de 2022
quinta-feira, 28 de julho de 2022
A poesia é necessária?
Não há vagas
Ferreira Gullar (1930-2016)
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
terça-feira, 26 de julho de 2022
Penso, logo escrevo
No dia 25
de julho de 1960 realizou-se o Primeiro Festival do Escritor Brasileiro. O
evento foi organizado pela União Brasileira dos Escritores. Na época, a UBE era
presidida por João Peregrino Júnior e Jorge Amado. A partir desse evento e nessa
data se comemora o Dia do Escritor Brasileiro. Em outros países os escritores
são homenageados em 13 de outubro, data conhecida como o Dia Mundial do
Escritor.
Parafraseando
Descartes: Penso, logo escrevo. Eis aí a grande responsabilidade de quem
escreve. Pensar. Antes de escrever o escritor contempla as paisagens, ouve os
sons do mundo e das pessoas, e, em consequência disso, pensa.
Percebo
que através do pensamento criamos e desenhamos aquilo que vamos escrever. Nem
tudo que pensamos torna-se algo escrito.
Mas tudo que já escrevemos foi pensado antes. Daí a importância em bem
selecionar os pensamentos que se tornarão escritos.
Pode-se
pecar em pensamentos, palavras e obras. Quando se escreve algo ruim, pecaminoso
e abominável comete-se pecados nos três níveis. Ora, sendo o pensamento um produto da mente,
pode surgir mediante atividades racionais do intelecto ou por abstrações da
imaginação. Os meus melhores escritos são abstrações da minha imaginação.
Principalmente quando faço literatura, ao escrever contos ou crônicas. Já no
papel de operador do direito os pensamentos devem ser baseados na
cientificidade e procuram as áreas racionais do intelecto.
Contudo,
as abstrações da imaginação são mais prazerosas. É quando escrever se torna um
deleite. Mas não é nada fácil. Enquanto os pensamentos voam as palavras nem
sempre se adequam às abstrações. Daí temos que escrever e reescrever.
Nosso
pensamento ao ser transportado para o papel se torna realidade. Eis a nossa
grande responsabilidade. Ao pensar e criar uma realidade podemos atrair
leitores. E, como uma roda dentada que vive girando, provocar pensamentos. O
papel principal do escritor é fazer pensar os que podem e gostam de
pensar.
O certo
é que a atividade principal do escritor é o ato de pensar. Antes de escrever
sempre há que se refletir ou meditar. É preciso também ser capaz de combinar e
comparar os fatos e as coisas da vida.
Nesse
mês do escritor o meu convite é para que se pense em coisas boas, produtivas.
Pode-se e devemos usar a escrita para desacomodar, instigar, alertar e até
denunciar. Mas devemos fazer isso com elegância. Sejamos mais humanos. Vamos
ter pensamentos alegres. Sejamos tolerantes. Vamos nos despir de ódios e
recalques.
Penso.
Logo escrevo. Com açúcar e com afeto.
segunda-feira, 25 de julho de 2022
domingo, 24 de julho de 2022
sexta-feira, 22 de julho de 2022
quinta-feira, 21 de julho de 2022
A poesia é necessária?
Litania dos pobres
Cruz e Sousa (1861-1898)
Os miseráveis, os rotos
São as flores dos esgotos.
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
As sombras das sombras mortas,
Cegos, a tatear nas portas.
Procurando o céu, aflitos
E varando o céu de gritos.
Faróis à noite apagados
Por ventos desesperados.
Inúteis, cansados braços
Pedindo amor aos espaços.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
Figuras que o Santo Ofício
Condena a feroz suplício.
Arcas soltas ao nevoento
Dilúvio do Esquecimento.
Perdidas na correnteza
Das culpas da Natureza.
Ó pobres! Soluços feitos
Dos pecados imperfeitos!
Arrancadas amarguras
Do fundo das sepulturas.
Imagens dos deletérios
Imponderáveis mistérios.
Bandeiras rotas, sem nome,
Das barricadas da fome.
Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.
Fantasmas vãos, sibilinos
Da caverna dos Destinos!
Ó pobres! O vosso bando
É tremendo, é formidando!
Ele já marcha crescendo,
O vosso bando tremendo...
Ele marcha por colinas,
Por montes e por campinas.
Nos areais e nas serras
Em hostes como as de guerras.
Cerradas legiões estranhas
A subir, descer montanhas.
Como avalanches terríveis
Enchendo plagas incríveis.
Atravessa já os mares,
Com aspectos singulares.
Perde-se além nas distâncias
A caravana das ânsias.
Perde-se além na poeira,
Das Esferas na cegueira.
Vai enchendo o estranho mundo
Com o seu soluçar profundo.
Como torres formidandas
De torturas miserandas.
E de tal forma no imenso
Mundo ele se torna denso.
E de tal forma se arrasta
Por toda a região mais vasta.
E de tal forma um encanto
Secreto vos veste tanto.
E de tal forma já cresce
O bando, que em vós parece.
Ó pobres de ocultas chagas
Lá das longínquas plagas!
Parece que em vós há sonho
E o vosso bando é risonho.
Que através das rotas vestes
Trazeis delícias celestes.
Que as vossas bocas, de um vinho
Prelibam todo o carinho...
Que os vossos olhos sombrios
Trazem raros amavios.
Que as vossas almas trevosas
Vêm cheias de odor das rosas.
De torpores, de indolências
E graças e quintessências.
Que já livres de martírios
Vêm festonadas de lírios.
Vêm nimbadas de magia,
De morna melancolia.
Que essas flageladas almas
Reverdecem como palmas.
Balanceadas no letargo
Dos sopros que vêm do largo...
Radiantes de ilusionismos,
Segredos, orientalismos.
Que como em águas de lagos
Boiam nelas cisnes vagos...
Que essas cabeças errantes
Trazem louros verdejantes.
E a languidez fugitiva
De alguma esperança viva.
Que trazeis magos aspeitos
E o vosso bando é de eleitos.
Que vestes a pompa ardente
Do velho sonho dolente.
Que por entre os estertores
Sois uns belos sonhadores.
terça-feira, 19 de julho de 2022
O que temos programado?
Pedro Lucas Lindoso
Os
Estados Unidos comemoraram o bicentenário de sua independência em 04 de julho
de 1976. Há quarenta e seis anos. Os planos para o Bicentenário começaram
quando o Congresso Americano criou a Comissão do Bicentenário da Revolução
Americana, em 4 de julho de 1966. Ou seja, uma década antes! Chaguinhas estava
lá, em pós-graduação e nos conta:
O
logotipo do Bicentenário consistia de uma estrela branca de cinco pontas dentro
de uma estrela estilizada de vermelho, branco e azul. Os eventos oficiais
começaram em 1975. O American Freedom Train saiu de Wilmington,
Delaware, para uma turnê por todo os Estados Unidos.
No réveillon
do ano do Bicentenário, o presidente Ford dirigiu-se ao povo americano. Foram ressaltados os princípios fundamentais
de dignidade, igualdade, governo por representação e liberdade.
Uma
grande frota internacional de navios veleiros atracou em Nova Iorque no Dia da
Independência. Depois em Boston. O
público visitava os navios, enquanto em terra suas tripulações se divertiam em
celebrações e festas étnicas.
O
desfile do Bicentenário em Washington contou com a presença da rainha Elizabeth
II e do príncipe Philip. O casal real fez uma visita de Estado aos Estados
Unidos. Percorreu o país inteiro e participou de vários eventos do Bicentenário
com o Presidente e a Sra. Ford.
Em
Washington, o Museu Smithsonian abriu uma exposição replicando a Exposição do
Centenário de 1876. Nos parques da Disney houve a America on Parade. O
magnífico desfile celebrava a história e a cultura americanas. A NASA comemorou
o Bicentenário organizando uma exposição de ciência e tecnologia alojada em cúpulas
geodésicas.
Muitos
produtos comerciais apareceram em embalagens vermelhas, brancas e azuis,
celebrando o Bicentenário. No Super Bowl, os jogadores usaram um patch
especial com o logotipo do Bicentenário em suas camisas. Várias nações deram
presentes aos EUA como sinal de amizade. O Reino Unido emprestou uma das quatro
cópias existentes da Magna Carta. O Canadá produziu o livro Between
Friends/Entre Amis. O governo da França, por meio do Louvre, promoveu uma
exposição de pinturas com exibições em Detroit e Nova York. O governo do Japão
construiu o Terrace Theater do Kennedy Center, em Washington. Em
sua proximidade encontra-se uma escultura de Don Quixote doada pela Espanha. Os
festejos foram muitos. Fogos estourando e festas em todo o país. Principalmente
atrás da Estátua da Liberdade, em Nova York, e no Mall, em Washington.
Nosso
bicentenário será no próximo 7 de setembro. A pergunta é: o que temos programado?
domingo, 17 de julho de 2022
quinta-feira, 14 de julho de 2022
A poesia é necessária?
O primeiro degrau
Konstantinos
Kaváfis
(1863-1933)
Foi a Teócrito queixar-se
um dia
Eumene, poeta ainda
jovem:
“Faz dois anos que
escrevo e até agora
compus apenas um idílio.
Esse, o meu único
trabalho pronto.
Pobre de mim! Pelo que
vejo, é alta,
deveras alta, a escada da
Poesia.
Estou no primeiro degrau:
jamais,
infeliz que sou, chegarei
ao topo.”
“Essas palavras”,
respondeu Teócrito,
“são um despropósito,
blasfêmias.
Se estás no primeiro
degrau, cumpria
te sentires feliz e
envaidecido.
Chegar onde chegaste não
é pouco,
nem é pequena glória o
que fizeste.
Do primeiro degrau da
mesma escada
está bem distante o comum
das pessoas.
Para pisar esse degrau de
ingresso,
necessário é que sejas,
por direito,
cidadão da cidade das
ideias –
um título difícil:
raramente
fazem-se ali
naturalizações.
De quantos na sua ágora
legislam,
aventureiro algum pode
zombar.
Chegar onde chegaste não
é pouco,
nem é pequena glória o
que fizeste.”
(Trad. José Paulo Paes)
terça-feira, 12 de julho de 2022
Inspiração
Pedro Lucas Lindoso
Nesse
mês se comemora o dia do escritor. Escritores vivem procurando inspiração. Como
sempre, estou à procura de uma inspiração. Quero fazer uma carta de amor. Não
quero por e-mail. Nem tampouco uma mensagem de amor por WhatsApp ou Messenger.
Gostaria
de poder enviá-la pelos Correios. De preferência, nos envelopes antigos os
quais tinham uma borda com tracinhos verdes. Indicava que a carta era
proveniente do Brasil mesmo. Se as bordas fossem azuis ou vermelhas, com
certeza era uma carta vinda do exterior.
Nos
envelopes vinha impresso VIA AÉREA, PAR AVION, ou AIR MAIL. Tempos em que as
comunicações viajam somente de avião. Hoje elas viajam virtualmente. E pasmem,
podem ficar arquivadas em nuvens! E para sempre!
Gostaria
de postar usando selos. Hoje também quase não se usa mais selos. Há agências
dos Correios que não disponibilizam selos. Tudo é postado com código de barras
ou carimbos. Mas os filatelistas continuam por aí. Uma amiga brasiliense possui
uma coleção de selos temáticos. Tem uma coleção de selos de plantas e flores.
Há selos de orquídeas, flores do campo, begônias e até de vitórias-régias.
Imaginei
como gostaria de postar a carta de amor. As inspirações para fazê-la foram
muitas. Mas fiquei com medo de ser ridículo. Mas o amor não pode ser ridículo. Inspirar
não pode ser somente inserir ar nos pulmões. Para respirar é preciso inspirar.
Estou
procurando aquela inspiração que nasce no coração e no espírito. Estou
procurando um sentimento amoroso. Um pensamento que possa me guiar, me orientar
a fazer uma carta de amor que não seja banal nem ridícula.
Sugestões
não me faltam. No Google há mais de 2 milhões de resultados para o tema “cartas
de amor”. Somente o Pinterest nos apresenta 660 ideias de cartas de amor. E
ainda há dicas de como escrevê-las. Descartei tudo isso. No mês do escritor
peguei um soneto de Olavo Bilac, a mais alta inspiração em poesia. E o declamei
para a amada:
“Ora
(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste
o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que,
para ouvi-las, muita vez desperto
E abro
as janelas, pálido de espanto...
E
conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea,
como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as
procuro pelo céu deserto.
Direis
agora: “Tresloucado amigo!
Que
conversas com elas? Que sentido
Tem o
que dizem, quando estão contigo?”
E eu
vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só
quem ama pode ter ouvido
Capaz
de ouvir e de entender estrelas.”
Grande Bilac. Quanta inspiração!
domingo, 10 de julho de 2022
quinta-feira, 7 de julho de 2022
A poesia é necessária?
Floresta de fogo
Claufe Rodrigues (Baby the Billy)
Quando o crepúsculo nos oferece a face púrpura
e eu te beijo com meus dentes de sabre
tudo se acende como uma febre suave e ruiva.
Agora estou sozinho na Cordilheira dos Andes,
com os pés descalços no chão de pedras pontiagudas
e uma folha de coca na boca para espantar o frio.
Próxima parada Los Angeles,
a cidade dos tiras, vigaristas e ricaços.
Admiro teus blefes, Los Angeles, tuas nuances.
Admiro teus escritores durões,
Teus poetas John Fante e Jim Morrison...
Então recebo a noite em meus braços,
artérias pulsantes do Rio de Janeiro,
e penso na floresta de fogo
onde você declama versos insólitos para os
eucaliptos assassinados.
terça-feira, 5 de julho de 2022
A imperturbável e serena Idalina
Pedro Lucas Lindoso
Idalina,
amazonense, emérita moradora de Copacabana, tem orgulho de falar Inglês com
sotaque britânico. Não tem nada contra quem aprendeu a falar Inglês como os
americanos. Contudo, ela estudou por vários anos na Cultura Inglesa no Rio de
Janeiro. E tem certeza de que o inglês falado na Inglaterra é o mais perfeito,
original e apropriado.
Idalina
é aficionada pela cultura Inglesa. Segundo uma de suas melhores amigas, ela é
meio britânica. Fala britanicamente, caminha britanicamente e veste-se
britanicamente. E ela tem razão. Não conheço ninguém além de Idalina que saiba
de cor, em Inglês, poemas de Wordsworth, Shelley e Keats, poetas do Romantismo
Inglês.
Provavelmente,
Idalina é resquício da Era da Borracha, quando a libra esterlina era a moeda
corrente no Amazonas. Ainda jovenzinha, quando morava em Manaus, praticou
equitação no Bosque Club, o bosque dos ingleses.
Idalina
já visitou Londres várias vezes e acompanha com curiosidade e entusiasmo os
eventos da família real britânica. Perguntei se prefere ver Camila, esposa de
Charles, ou Kate Middleton como possível rainha consorte da Inglaterra.
Idalina
me disse que, em princípio, a Rainha Elizabeth II ficou apreensiva com a jovem
plebeia recém chegada à família real. Mas Kate, com o tempo, demonstrou ter uma
qualidade imprescindível para ser membro da realeza e até uma rainha. Kate é,
como se diz em bom Inglês, “unflappable”. Ou seja, uma pessoa imperturbável,
uma pessoa serena. Não tem certeza se pode se dizer o mesmo da atual esposa do
Príncipe Charles.
Idalina
acompanhou pela BBC de Londres os festejos dos 70 anos de reinado da Rainha
Elizabeth II. Lembrou-se de sua visita ao Brasil em novembro de 1968. No Rio de
Janeiro, a Rainha visitou a Escola de samba da Mangueira e Idalina estava por
lá. Um jornal carioca noticiou que Elizabeth II visitava Mangueira, a rainha do
samba.
Idalina
se recorda ainda que logo após a visita de Elizabeth II ao Brasil, em 1968, o
tempo fechou por aqui. No mês seguinte, foi decretado o AI-5. Muitas pessoas
foram presas e desapareceram. Idalina se diz orgulhosa de ser como Kate
Middleton – unflappable. Imperturbável e serena. Mesmo tendo passado as
mais caóticas circunstâncias nos seus reconhecidos setenta anos de vida.
Mas
como pode uma pessoa como Idalina, com toda essa fleuma britânica, ser
torcedora do boi Garantido? E pior! Perder toda a sua proclamada serenidade com
a vitória do Caprichoso no Festival de 2022.