Amigos do Fingidor

domingo, 31 de maio de 2009

As aventuras de Filó e Raquel na Terra do Nunca – 1
Mestre Pinheiro

Filó e Raquel fazendo pose.

Outro dia, a Filó chegou varando a casa da avó paterna, e o avô perguntou cobrando:

– Como é que se diz, quando se chega, dona Filó?

E ela:

– CHEGUEI...!!!
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Quando Rachel Lorrans está zangada ela diz:
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– SAI DAQUI QUE TOU DE MAU AMOR!!!!
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(Traduzindo: mau humor!)
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Chega a Filó com uma escova de dentes na embalagem, pulando num pé e noutro, cantando: eu ganhei uma escova nova e tu não ganhou. Fiquei calado, ela puxa, morde, querendo rasgar a embalagem, não consegue e me pede: teu avô*, abre pra mim; respondo no mesmo tom da música: mas não sabe abrir... Ela volta a insistir; dessa vez já pede mandando: anda logo!!! Respondo: pede pelo menos, por favor. Ela vira de costas, olha um pouco para cima, com o ar de puro deboche, e fala baixinho, com o canto da boca, tal qual o Oscarino: por favor...!!! Falo: não ouvi. E ela, olhando pra baixo, com um pouco menos de deboche no fio de voz que mal dá pra se ouvir: por favor...
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*Ela me chama de “teu avô”. A explicação que tenho é que o pai ou a mãe dela, quando chegam em casa, dizem: vai tomar a benção do teu avô... E ela: bença teu avô...
skabrática 3

com fúria fodia o cadáver da amada. ela parecia dar de ombros.

(Allison Leão)

sábado, 30 de maio de 2009

Estética do poeta anti/lírico
Adrino Aragão

Zemaria Pinto é, seguramente, dos mais destacados poetas da geração pós-madrugada. Como os companheiros de juventude, ele publicou os primeiros poemas em revistas e jornais independentes nos anos 70 e 80, da chamada geração marginal. Mas não me parece que tenha feito poemas de resistência ou de contestação, coisa tão comum à época. Também não seguiu a trilha daqueles que se lançaram radicalmente contra valores do passado. Buscou sempre no movimento modernista os fundamentos para a renovação da linguagem poética. E, realmente, encontrou o verdadeiro caminho a seguir na vertente da poesia brasileira que, “partindo de propostas estéticas modernistas”, promove a “coexistência do romântico e do moderno no mesmo espaço”. Hoje, com quatro livros de poemas publicados (dois deles de haicais), pode cantar a experiência advinda do aprendizado: “A medida do poema / nasce na palma da mão, // galopando até a língua/ no ritmo desejado. // Mas a música do poema / é o ouvido do leitor.” (...) “O meu poema procura / a ordem fora da ordem. // Mas não resiste o poema / que não reflete uma imagem, // ainda que distorcida / em figura de linguagem.”

O meu primeiro contato com a poética de Zemaria foi a leitura de Fragmentos de silêncio (1995), seu segundo livro. No ano anterior, ele publicara Corpoenigma, que reúne uma série de haicais com forte carga de sensualidade em torno do corpo feminino.

Para aqueles que não o conhecem, Fragmentos de silêncio, como um mosaico simbólico da memória, dá uma boa amostragem das fases percorridas pelo autor. Compõe-se o livro de alguns poemas elaborados naquelas duas décadas, quando o poeta não havia estreado em livro. A linguagem pode ser despojada, simples, sem rebuscados; mas as imagens às vezes se revestem do tecido da metáfora, nem sempre o significado é delimitado e preciso, exigindo por isso releitura e reflexão para a compreensão do texto. Como se pode observar nos versos: “Trago nas mãos a lâmina dos anos / que passaram por mim tragando sonhos: / sementes de um passado sem memória, / inúteis fragmentos de silêncio”. Uma alusão metafórica às décadas sombrias da repressão e censura no país?

Aliás, os poemas, na maioria curtos, quase impulsos fragmentados da memória, falam sobre: a natureza (“dissolve-se a tarde / no alarido das araras / e em flocos de chumbo”); o cotidiano banal e cinzento (“rito da simples manhã: / entre o mijo e o dentifrício / a noite evola-se amarga / na overdose de hortelã”); o erótico (“a nona sinfonia explode / tua lâmina me rompe o ventre” (...) “o beijo a dentada / contigo, eu pelo espaço: / Beethoven & boleros// sou uma égua de fogo”); a metalinguagem, reflexão sobre o fazer poético (“a essência consiste em ser medula / fluir / conter / podar: // condensar!”); o amor (“a noite só tem sentido / se a manhã se descortina / na madrugada dos olhos / dos olhos de mar de Márcia / nos longos braços-abraços / do corpo magro de Márcia”). Há também poemas em que o autor faz reverência a verdadeiros vultos da literatura, como Ezra Pound, Fernando Pessoa, Dylan Thomas, Cecília Meireles e outros.

Igualmente como não cultiva a unidade de temas, a estética dos poemas é variada, indo da liberdade da criação poética à riqueza da métrica da poesia na tradição. Vejam os versos desta quadra inicial da redondilha maior “romança - 1o movimento (modinha)”: “reza, vela, terra nua, / lembranças de nem-me-lembro, / festa de febre, louvor / para os peixes de setembro.” Para Zemaria Pinto, “o poema não reclama, / não requer assepsia. // Apenas pede passagem/ como um quisto que supura: // a urgência do poema / não condiz com a escritura”.

Consciente de que cada livro é uma aventura, agradável e necessária aventura mas arriscada, Zemaria Pinto sabe que escrever é um processo de busca, de aprendizagem. Por isso um livro seu é sempre diferente do outro. Mas só na aparência, pois, como observa Rosa Montero, romancista espanhola, “os universos de interesses e as obsessões do autor estão sempre por trás de cada obra”.

Para concluir. Recomendo que leiam Música para surdos (Editora Valer, 2001). E vejam que belo passo adiante deu o poeta Zemaria Pinto no atingimento da maturidade poética. Trata-se de livro construído com sensibilidade e mãos de mestre como se fora uma partitura musical. Ou “uma poética do devaneio”, tomo de empréstimo do autor a expressão. Mas estejam atentos: “a música do poema / é o ouvido do leitor”. Como adverte o poeta amazonense: “Pois assim é o meu poema: / lúcido, lúdico, meu. // De outra forma, valeria / transformar sonho em poesia?”

Eis o nosso poeta Zemaria Pinto. Quem sabe, um João Gilberto ou um Hermeto Paschoal amazonense em concerto de poesia – para até mesmo surdos que queiram escutar.
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Publicado originalmente na Revista da Literatura Brasileira, n° 49, São Paulo, março de 2008.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Monarco em Manaus
Um encontro de mestres: Monarco e Pinheiro.
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Pouca gente soube: Monarco, glória da Portela e do samba, esteve em Manaus, há exatas 3 semanas.
Faça-se o registro para a posteridade.
o raio

sempre que um raio cai mais forte sobre o vilarejo, o homem, embaixo da mesa, chora como uma criança desesperada, suplica que não o deixem morrer novamente ali, ao abrigo da velha mangueira.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

malditas criaturas infernais 1



O vice-alcaide olhou diretamente nos olhos do alcaide-mor, sentado a sua esquerda; fez um gesto teatral, baixando a mão lenta e pesadamente sobre o tampo de jacarandá, e vomitou, possesso:

– CINQUENTA, FDP!!!

(João Sebastião)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Ouvindo Claudio Santoro

Rogel Samuel
Homenagem popular a Claudio Santoro, comandada por Gilson Peranzzetta, em 1989.

Escrevo ouvindo Claudio Santoro. Pela Internet, na Radio Uol você pode ouvir um álbum de Santoro gratuitamenhte. Infelizmente é música da sua fase mais difícil. Mas música difícil tem uma virtude, nós precisamos ouvir várias vezes para "compreender". Não existe manual de instrução para ouvir-se música clássica, ainda que Aaron Copland escreveu em 1939 o seu clássico What to Listen For in Music, traduzido no Brasil mas difícil de encontrar: Como ouvir e entender a música, da Artenova. Música difícil é bom desafio para nossos ouvidos viciados. Música de vanguarda é sempre bom ouvir para quem gosta do novo. Eu lastimo que não haja no Brasil uma rádio ou TV com Santoro, Villa-Lobos, Marlos Nobre, Guarnieri, Siqueira, Mignone, Brenno Blauth, Tacuchian, Sergio Vasconcelos Correia, Lindembergue Cardoso etc; vários são os nossos compositores de música clássica. Todos deveriam ser disponibilizados na Internet para a gente ouvir, conhecer. Isso cabe ao Ministério da Cultura, que nada faz pela música clássica. Ao contrário, no Brasil, Cláudio Santoro, John Neschling e até Maria Callas experimentaram demissão. Maria Callas foi demitida no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, episódio que qualquer dia contarei...

Conheça os blogs mantidos pelo autor: Rogel Samuel e Livros Online.
CONCURSO LITERÁRIO

2º JOGOS FLORAIS DO SÉCULO XXI

Em momentos de reativação dos caminhos de integração socioeconômica dos povos, empreendemos o nobre objetivo de revalorizar a palavra poética como forma de delinear ideias e construir realidades.

Propomos que o conceito seja uma resposta à impessoalidade da globalização, cimentado nas diferenças próprias de cada cultura, valorizando e fortalecendo identidades a partir do laço fundamental da linguagem, que é tronco e raiz pela qual floresce a humanidade.

Por esse motivo, a aBrace Editora e o Movimento Cultural aBrace convocam a um CONCURSO INTERNACIONAL LITERÁRIO DE POESIA em português com tema livre, sustentado no seguinte fundamento: Trânsito poético para a liberação definitiva.

OBJETIVO:

Este concurso terá por objetivo promover a atividade literária e o idioma português, bem como valorizar a criatividade e integrar poetas dos países de língua portuguesa.

PARTICIPAÇÃO:

1.-Poderão participar todas as pessoas de qualquer lugar de residência com um único trabalho de poesia ou prosa poética, em língua portuguesa, de caráter inédito, tema livre, com no máximo 25 linhas.

2.- Por razões de organização e confiança na solidariedade entre criadores, lema do Movimento Cultural aBrace, quando o verdadeiro valor desta convocação é a difusão da palavra poética. Considerando a internacionalização do concurso, os custos de realização e as técnicas atuais em material de comunicação, somente receberemos inscrições via e-mail: http://bmail.uol.com.br/compose?to=abracept@abracecultura.com, até 31 de agosto de 2009, com as seguintes características:

a) No campo assunto: 2º JOGOS FLORAIS DO SÉCULO XXI;

b) Os participantes deverão anexar 2 arquivos de Word 9
2003. O primeiro deve incluir arquivo em Word (anexo) com o poema digitado (fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12 ? entre linhas 1,5), título e pseudônimo.

c) O segundo deve incluir arquivo em Word (anexo) com o título do trabalho com o mesmo pseudônimo, nome completo do participante, fotografia, pequeno curriculum (até 10 linhas), endereço residencial e e-mail.

d) A aBrace editora se compromete a enviar aos pré-selecionados e jurados somente os arquivos com poemas e pseudônimos, reservando os de documentação somente para identificar os selecionados e premiados. Não acusaremos recibo de e-mail. Sugerimos que cada participante solicite recibo de leitura automática.

O não cumprimento das orientações implicará na desclassificação do trabalho.

SELEÇÃO:

1- Trinta trabalhos serão pré-selecionados por uma comissão integrada por um representante da editora e dois representantes do Movimento Cultural aBrace. Serão critérios para o julgamento: criatividade, correção linguística, originalidade e relação direta com o fundamento do concurso.

2- Posteriormente os trabalhos serão entregues a uma comissão julgadora internacional composta por três destacados membros do meio literário, que procederá à seleção dos melhores trabalhos entre os pré-selecionados. Não caberá recurso às decisões da comissão julgadora. Os nomes dos integrantes do Corpo de Jurados serão divulgados juntamente com o resultado do concurso. É vetada a participação de membros das comissões organizadora e julgadora, de profissionais a serviço das entidades que dão apoio ao concurso ou nelas empregados, bem como de familiares até o terceiro grau de parentesco de todos os incluídos no veto à participação.

3- A comissão julgadora escolherá o 1º, o 2º e o 3º prêmios e as menções honrosas.

4- Os autores publicados na coletânea, produto final do concurso, cedem os respectivos direitos autorais, quanto à exposição e publicação, nos prazos e condições legais que passam a pertencer à aBrace Editora e concordam em permitir a utilização de seus nomes, fotografias ou filmagem, para a divulgação do prêmio, sem qualquer ônus para os promotores, exceto com declaração assinada.

5- Cada concorrente somente poderá participar com um trabalho e não haverá devolução do material inscrito.

6- Os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pela comissão julgadora e/ou pelos organizadores do concurso. A inscrição implicará, por parte do concorrente, a aceitação dos termos deste regulamento.

PRÊMIOS:

Caberá aos contemplados a seguinte premiação:

a) 1º, 2º e 3º colocados receberão: troféus, coleção de livros da aBrace Editora e certificado;

b) Menções : coleção de livros e certificado;

c) Restante dos selecionados: certificado.

d) Publicação a cargo da aBrace editora, sem ônus para os autores de todos os textos selecionados, encabeçados com os ganhadores e menções, de um poemário intitulado: 2º JOGOS FLORAIS DO SECULO XXI. Paralelamente a esta convocação se realiza a mesma em língua espanhola. O livro, motivo deste concurso, publicará também, de forma intercalada, os textos premiados e selecionados em espanhol, para efeito de uma maior integração.

e) O poemário 2º JOGOS FLORAIS DO SECULO XXI, será apresentado em ato a programar e exibido em todas as oportunidades em que aBrace em MOVIMENTO seja convidado a participar como expositor da cultura.

Informações:
Nina Reis
e-mail: abracept@abracecultura.com
Manaus, amor e memória VII – 1953, a cheia-mãe

Rua Marquês de Santa Cruz. À direita, o prédio da Alfândega.

O prédio da Alfândega, visto de frente.


Palafitas à margem do igarapé de Educandos.

A torcida contra foi grande e vibrante – malditas criaturas infernais! –, mas o Negro parou de encher e o Solimões-Amazonas está quase parando. Ainda há o risco de repiquete – mas só até 12 de junho, que a partir de 13 o Antônio de Borba segura as pontas das águas, como dizia a Mãe Velha.
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Clique sobre as fotos, para ampliá-las.
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Colaboração: Roberto Mendonça.
drops de pimenta 12

Mirinha, são 3 da manhã e eu não consigo pegar no sono. Falta você?...

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 26 de maio de 2009

Metáfora viva da degradação e do descaso
O prédio da Biblioteca Pública, inaugurado em setembro de 1910, sendo assaltado, hoje, por um parasita: metáfora viva da degradação e do descaso a que aquele prédio centenário, símbolo da cultura amazonense, está submetido.
Foto: Roberto Mendonça.
As nuvens de Machu Pichu – I
Marco Adolfs
O caminho íngreme e serpenteante até Machu Pichu.
Navegar é preciso, viver não é preciso, escreveu o poeta Fernando Pessoa em um momento de inspiração. Mas quando a van contratada para nos pegar no hotel chegou, ainda na madrugada cuzqueña, navegar foi uma necessidade, mas viver, mais ainda, já que precisávamos navegar por entre precipícios quilométricos com os quatro pneus do veículo a poucos centímetros de um escorregão fatal, e ainda viver para ver as belezas perdidas de Machu Pichu.

Diversos turistas de várias nacionalidades nos acompanhavam nessa aventura, que em seus quilômetros finais ainda tinha o tal trem da morte para enfrentar. Apesar do perigo latente, o visual compensava. Subimos montanhas, descemos montanhas e chegamos ao pequeno povoado de Urubamba. Não demoramos muito, só o tempo para algumas fotos a mais e a compra de choclos, milhos cozidos de grãos avantajados. Depois a van se equilibrou um pouco mais e nos levou até Ollantaytambo.

Lá pelas tantas – quando já estávamos chegando à Hidrelétrica, lugar onde pegaríamos o trem para a localidade de Águas Calientes, nossa base para atingir Machu Pichu –, o tempo começou a fechar. Nuvens ameaçadoras circulavam nos picos andinos como flocos de algodão. Foi quando uma chuva começou a castigar a nossa paciência. Fios d’água desciam pelas encostas das altas montanhas, tornando escorregadio e temeroso cada trecho percorrido em equilíbrio. Como eu estava munido de uma filmadora com lente Leika supersensível, minha preocupação era que ela não molhasse. Mas, para relaxar, comecei a pensar na história de Machu Pichu e na música de Caetano Veloso O Trem das Cores, já que crianças cor de romã e nuvens oliva-chumbo circulavam ao redor. Foi quando finalmente chegamos à cidade-base de nossa expedição.

Agora pensem em um trem antigo, cortando uma vegetação espessa, de transição entre os Andes e a Amazônia; depois vejam centenas de pessoas saindo desses vagões, todos carregados de mochilas e grossos casacos de proteção, a caminharem por entre trilhos escorregadios e gotículas de chuva em busca de suas hospedagens provisórias. E sintam ao redor cumes altos e fantasmagóricos, envolvidos por nuvens que parecem eternas. Atrás de uma delas, escondida e esperando a nossa invasão, estava Machu Pichu.

Entramos em nosso hotel e fomos direto para os apartamentos. Nosso guia nos orientando, quase aos berros, sobre o jantar de logo mais e sobre as orientações que daria sobre o esquema da manhã seguinte. O dia em que veríamos Machu Pichu.

Durante o jantar, em uma grande mesa disposta, havia uma organização natural de representantes de nações reunidas em busca de aventura e peregrinação.

Cidade de Urubamba - As nuvens sempre presentes.

(Continua na próxima semana...)
Fotos: Marco Adolfs

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O aprendizado de perder-se
Inácio Oliveira
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A noite quando sonhava com ela o velho chorava na cama. Sozinho como um deus, pequeno como um verme. Lembrava-se de quando a vira naquele dia, ele era como o homem que vê o mar pela primeira vez e ela parecia uma manhã de feriado. Apaixonou-se e apaixonar-se era uma forma de não morrer tão depressa demais. Esses dias eram azuis assim como o oceano e o céu. Quando ela tirava a roupa, sua pele de campo lavrado brilhava sob a meia-luz do quarto e ele a amava como uma força precisa, assim como um artesão em seu ofício. Toda vez que ele olhava para ela era como se não a visse há muito tempo, mas a conhecesse desde sempre, então ele sentia-se renovado. Percebia, talvez tarde demais, que as mulheres tinham algo de se fazerem entender sem dizer nada, de receber sem nada pedir, de castigar sem suplício. Perdição do velho era aquela boca de morango partido ao meio. Ele era calmo e bom, necessário para aquela pequena paz na vida de moça perdida. Mas o tempo não os perdoava, ficavam cada vez mais distantes que se um dos dois estendesse o braço talvez não fosse possível nem tocar. As vezes ela sentia o seu cheiro de objeto guardado, virava para o lado e pensava em homens jovens e fortes. Houve dias em que o amor não era possível. Olhando por um longo tempo o teto do quarto ele pensava que a vida era triste. Chegou um dia, que talvez já estivesse marcado em algum lugar, dia em que ela saiu de repente e não voltou nunca mais. O velho errava pelas ruas vazias até quando a tarde o abandonava em um bar qualquer. Ele voltava sozinho para casa. As noites eram grandes e grotescas. Para um homem velho e abandonado, há sempre uma hora antes do amanhecer em que ele viaja ao inferno, talvez não goste de lá, mas passeia pelos seus abismos.

domingo, 24 de maio de 2009

skabrática 2

antigamente havia entre os lobos uma lenda: de que, em noite de lua minguante, um deles se transformava num terrível homem.

(Allison Leã0)

sábado, 23 de maio de 2009

“O Corvo” e seus leitores
Carlos Heitor Cony

Edgar Allan Poe (1809-1849).

Meados de 1997. Num almoço com o poeta e amigo Ivo Barroso, falávamos sobre traduções e nem me lembro mais como chegamos a “O Corvo”, de Edgar Allan Poe. Em minha vã ignorância, pensava que o poema só havia merecido duas versões em português, a de Machado de Assis e a de Fernando Pessoa.

Ivo falou de uma outra versão, a de Milton Amado. Começou a recitar a primeira estrofe, cuja história é tão popular, entre nós, quanto a abertura de Os Lusíadas. Eu não a conhecia. Tinha referências de uma terceira tradução, a de Gondin da Fonseca. Ignorava compacta­mente o texto que Ivo recitava.

Foi assim que também me entusiasmei. Sabia que o mineiro Milton Amado traduzira outras obras em parceria com Oscar Mendes. No dia seguinte, Ivo enviou-me a tradução integral, acompanhando o ensaio que havia escrito sobre o tema, dando-me na bandeja um bom assun­to para minha crônica diária na Folha de S. Paulo.

Por força da localização do meu texto na página de opinião daquele jornal, minhas crônicas são geralmente de natureza política. Evidente que uso e abuso da independência que é a marca da Folha. Sempre que posso, emigro do dia-a-dia de nossa vida pública e enveredo para temas variados, embora tenha certa relutância em abordar a seara literária – natural constrangimento de quem atua profissionalmente no jornalismo e na literatura.

Bem, seria mais uma crônica, das muitas que já escrevi. Daí que não me emocionei quando recebi o primeiro fax de um leitor pedindo a transcrição integral do texto de Milton Amado. Nos dias seguintes, começaram a chegar telegramas, cartas, faxes e telefonemas com o mesmo pedido. De todas as regiões do Brasil apareciam curtidores do poema, confraria numerosa espalhada em todo o território nacional. Liguei para o Ivo que me deu informação igual: também ele estava sendo solicitado a mostrar o mapa da mina.

Ficamos orgulhosos em saber que um tema literário despertava tanto e tamanho interesse. Uma semana depois, recebi uma espécie de reclamação do departamento ligado ao relacionamento da Folha com seus leitores. O volume de pedidos vindos de todas as partes do Brasil começava a tumultuar o serviço. Sugeriam-me que eu tomasse uma providência.

Fiz nova crônica, explicando o óbvio: meu espaço era pequeno para publicar a tradução de um poema razoavelmente longo. Além disso, havia a questão dos direitos autorais. Transmiti as indicações que me foram passadas pelo Ivo: a tradução de Milton integrava a coleção Poesia e prosa (Obras completas) de Edgar Allan Poe, da Glo­bo, de Porto Alegre, 1943. E, mais recentemente, a edição da Nova Aguilar reunindo a obra completa de Poe.

Posteriormente, num encontro casual com meu amigo Maurício Azedo, ele me agarrou pelo braço, levou-me a um canto e começou a recitar outra tradução de “O Corvo”, essa de Benedito Lopes. Nova­mente liguei para o Ivo e fiquei sabendo que ele estava dando o toque final em seu ensaio, no qual constaria o original de Poe acompanhado das cinco traduções citadas: Machado, Pessoa, Milton, Gondin, Bene­dito Lopes, e mais uma ainda, a de Alexei Bueno, feita em 1980.

Trata-se de excelente ocasião para o leitor brasileiro tomar conheci­mento não apenas do poema em si mas dos desafios da versão de um texto literário em outra língua. Além de pertencer ao primeiro time dos poetas nacionais, Ivo Barroso é, reconhecidamente, um dos nossos mais importantes mestres na arte da tradução. Seu nome - editores e leitores o sabem – é garantia de seriedade e bom gosto.

Essa é, em resumo, a história deste livro. Embora não se trate de um campeonato, é evidente que temos, Ivo e eu, opinião pessoal a respeito de cada uma das traduções. E aí a surpresa: apesar de o poema ter merecido a atenção de dois monstros sagrados de nossa literatura (Machado e Pessoa), o trabalho de Milton Amado, modesto redator provinciano em Minas Gerais, é disparadamente o melhor, tanto do ponto de vista técnico como da fidelidade interna ao poema.

Em tempo: os direitos autorais da presente edição, por deter­minação de Ivo e consenso dos herdeiros dos tradutores cuja obra ainda não caiu em domínio público, serão da família de Milton Amado. Afinal, foi ele quem deu pretexto e oportunidade para a publicação, em livro, do ensaio de Ivo Barroso.

De minha parte, comerei o prato frio da vingança podendo informar ao serviço de atendimento aos leitores de a Folha que o retorno dado à crônica sobre “O Corvo” foi um dos motivos deste livro. E que muitos novamente se emocionarão lendo em boa e criativa linguagem literária alguns dos mais belos versos produzidos pelo gênio humano.


(Apresentação do livro “O Corvo” e suas traduções, Lacerda Editores, 1998; organização: Ivo Barroso.)
Até o final deste ano, comemorando os 200 anos de nascimento de Poe, O Fingidor publicará outras versões de "O Corvo".

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Audifax Rios.
retalhos do cotidiano

entrou na pensão decidido a gastar até o último centavo com as putas. saiu de bolsos vazios, a cara arrebentada de porrada, prometendo retornar para outras farras homéricas...

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 21 de maio de 2009


Acontece nesta sexta-feira, 22, às 19h, no Espaço Cultural da Livraria Valer (Rua Ramos Ferreira, 1195, Centro), o show de lançamento do CD de Mirtes Melo, intitulado Olhos do Mato, contendo canções de Regina Melo e parcerias com Natacha Andrade, Adalberto Holanda e Reinaldo Marques. Na ocasião, Regina Melo fará uma performance com seus poemas.
Clique sobre a figura, para ampliá-la.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

drops de pimenta 11

Joca, a solidão machuca... Mas amanhã, em casa, você me paga essa tristeza...

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 19 de maio de 2009

Domingo de Páscoa em Cuzco
Marco Adolfs
O cronista, com a Iglesia La Compañia ao fundo.

No Domingo de Páscoa acordei bem cedo e resolvi ir até à Plaza de Armas, lugar em Cuzco onde tudo acontece. Afinal, pensei, as belas igrejas que em dias comuns são caras para demais para se visitar, poderiam estar abertas ao público em geral e assim eu economizaria alguns soles. Mas qual foi minha surpresa ao perceber que esses templos, em qualquer das Américas, ultimamente só estão servindo para arrecadar dinheiro. Se você quiser ver as maravilhas da colonização religiosa espanhola tem que pagar mesmo. E pagar caro! Pois os mercadores de almas postam-se às portas e só as abrem se você tiver bastantes soles para pagar. É assim em Cuzco. Não basta ter fé, tem que ter soles...ou, de preferência, dólares.

Portanto... Quando cheguei à Plaza de Armas no Domingo de Páscoa, não só as igrejas estavam cerradas a qualquer visitação, como a missa do dia estava sendo rezada na rua, em frente a praça. Com as “autoridades” cuzqueñas postadas em uma grande mesa de frente para as centenas de humildes andinos que estavam mesmo a fim de alguma “propinita” de algum escritor deslumbrado disfarçado de turista. Paguei cinco soles para tirar uma foto com um bando de meninas fantasiadas de camponesas dos Andes.

Mas, resignado de que tinha de me render ao turismo e suas seqüelas, sentei-me, sob a pressão de mais de 3.000 metros de altitude em uma calçada e comecei a observar o povo pra lá e pra cá... Foi quando, repentinamente, escutei o que me parecia ser um protesto revolucionário dos anos 60. Uma voz tonitruante, lembrando vagamente a de Fidel Castro, reverberava na Plaza de Armas de Cuzco. Pensei em me proteger do possível tiroteio que haveria, quando percebi ser apenas o discurso inflamado de um bêbado amanhecido. Sintam o cenário: um bêbado, sua mulher também de porre e uma “criança cor de romã” de seus cinco anos aproximados, a filha do bêbado.

– Hijos de una p...!!! – gritava o bêbado, xingando corajosamente uma viatura policial postada em uma esquina. – Corruptos!!! Maricones governamentales!!! Atirem en mi pecho se tiene coraje!!! – desandava o infeliz, abrindo o primeiro ato do que parecia uma tragicomédia sul-americana.

Fiquei olhando aquela cena e esperando o que não aconteceu. Os policiais não moveram um dedo para prender aquele homem que os xingava desarvoradamente. O único gesto de tomada de consciência partia da pequenina criança cor de romã, que com sua mãozinha direita, tentava inutilmente dar uma palmada simbólica no pai, na tentativa de contê-lo.

O mais estranho foi os policiais não prendê-lo. Mas, fiquei pensando com os meus botões, era Domingo de Páscoa na Plaza de Armas de Cuzco, e, quem bebe muita chicha, bebida alcoólica dos tempos dos incas e feita de milho fermentado, pode ficar assim mesmo: como outro ilustre desconhecido cuzqueño, que estava bem ali na minha frente, combalido em um banco da mesma Plaza de Armas, naquele inusitado Domingo de Páscoa em Cuzco.

Sob o efeito da chicha.

Fotos: tem sempre alguém por perto pra tirar.
 

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O pintor diante da tela em branco
Inácio Oliveira
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Aquarela e pincel nas mãos. Fazia alguns minutos que ele estava diante da tela em branco. O opressivo e misterioso branco que era ao mesmo tempo ausência e presença de cor, antes uma confusão de todas as cores. Para ele o branco era sempre uma paisagem esperando acontecer, mas agora sentia-se incapaz de erguer o braço para atacar ou defender-se da tela. O pintor considerou esboçar o corpo de uma mulher que já havia amado um dia. Olhos turvados de lembranças antigas...

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Naquela noite ela disse: tu queres – e afrouxou o laço que prendia o vestido às costas. O vestido caiu no chão e eles então inauguravam a palavra amor.

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O silêncio pesado do mundo sobre o ateliê vazio. O pintor se permitiu dar uma pincelada rápida na tela, algo assim: vazio, oblíquo, desprovido de sentido. Ficou olhando o traço se perder na imensidão branca. Depois cobriu a tela como se assim encobrisse um crime.

Voltou para a varanda. Acendeu um cigarro. Quis esquecer a tela, mas ela era agora algo mutante que perturbava a sua paz. Quando a primeira pincelada ferisse o branco já era tarde demais, tudo estava perdido, impossível voltar atrás, apagar com o diluente. A tela era um mundo em gestação, um agonizante parto que lhe doía. O pintor era forçado a reconciliar-se consigo mesmo para humildemente submeter-se outra vez à tela, agora não mais em branco. Uma terrível pincelada que inundava toda a sua vida.

Lembrava-se do conselho de um velho mestre da pintura: desista, desista enquanto é tempo, antes que seja tarde demais, mas se já estiver naquele estágio em que nada mais se pode fazer, aceite seu destino com humildade e sacrifício.

Naquela noite ele não conseguiu dormir. Pincelou ao acaso algo que parecia ser o corpo de uma mulher.

domingo, 17 de maio de 2009

saga skabrática*
Allison Leão

skabrática 1

– doutor, se doer, o senhor jura que me leva pra passear nessas suas enormes asas?


*Ainda sem ter lido Kafka ou Borges, aos três anos de idade conheci skabrática. Não era fêmea de um skabrático, porque no mundo só havia ela de sua espécie. Às vezes tinha a forma de um novelo, às vezes, de um dragão. Umas vezes aparecia toda azul, outras, toda amarela. Mas na maior parte do tempo era invisível. Não para mim: para os outros, por entre os quais ela caminhava, saltava, voava ou se desfazia quando eu ria. Eu então olhava ao redor, prestes a ficar profundamente triste por não a estar enxergando... Até entender que ela tornara-se meu riso no ar.

sábado, 16 de maio de 2009

Barreirinha – uma cidade submersa
Barreirinha é um símbolo do descaso do governo para com o interior do Amazonas. O bolsa-enchente, no valor de R$300,00, é pura manobra demagógica – populismo sem-vergonha de dizer o próprio nome.

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sexta-feira, 15 de maio de 2009

Manaus, amor e memória VI – 1953, a cheia-mãe

Rua Marquês de Santa Cruz, vista a partir da Marechal Deodoro; ao fundo a tradicional Drogaria Fink.

O prédio da Alfândega.

O roadway.
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Observe bem as fotos acima. Repare nos passadiços improvisados das primeiras fotos e na extensão da água na terceira. Clique sobre as fotos para ampliá-las.
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Agora responda com honestidade: com um mês ainda de enchente, você acredita que as águas vão chegar nesse nível? Estamos todos torcendo para que não aconteça – e eu, particularmente, estou aceitando apostas. Simbólicas, é claro. Agora, como tem gente torcendo pelo pior, não? Vende jornal, aumenta a audiência no rádio e na televisão, dá no Jornal no Nacional, na CBN, na Veja, no Estadão...
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Em 56 anos, nada se fez, nem em Manaus nem no interior, para amenizar os efeitos devastadores de uma cheia dessas proporções.
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E nada como uma calamidadezinha pública para liberar geral no setor de compras: férias coletivas para as comissões de licitação...
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Eta vida besta, meu Deus.
encontro

viajou mais de 40 horas de ônibus, para conhecer o pai, que a mãe nunca lhe revelou quem era. foi encontrá-lo em cima da fria pedra de mármore, no necrotério.

(Adrino Aragão)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

El Perikiton em festa
Para reunir amigos no El Perikiton não precisa haver motivo. Mas neste sábado de maio o motivo era relevante.
Fotos e montagem de Roberto Mendonça.
drops de pimenta 10

─ E aí? Cidadão Kane, Trama Macabra ou Os 7 Samurais?
─ Prefiro Amor, Sublime Amor... Eu choro...
(Zemaria Pinto)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Os atentados contra os jornalistas Cristóvão Nonato e Gilson Monteiro são apenas uma pequena amostra do que se entende por “estado de direito” na terra que já foi de Ajuricaba e agora é um paraíso de piratas.
(João Sebastião: poeta nefelibata, filósofo de boteco, profeta do caos)
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Themis, a deusa da justiça, chorando lágrimas de sangue e suando frio, de medo.
Artista desconhecido (ou, quem sabe?, clandestino).
O turista original: em busca do tempo lido
O cronista em Cuzco.
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Tenho observado o turismo em geral. Tem gente para todo tipo de situação. Existem aqueles que vão a praias paradisíacas, se trancam em hotéis all incluse e ficam olhando o mar, achando que estão conhecendo o mundo; outros que apenas querem comprar bugigangas, principalmente de Miami; e aqueles, a maioria, que são levados pelas cidades, com suas atrações programadas, como um bando de reses tocadas por um peão-boiadeiro. Confesso que já fiz e participei um pouco disso tudo. Mas sempre com o espírito alerta para observar os prós e os contras.

Hoje, garanto, a melhor maneira de se viajar pelo mundo é de forma independente, se perdendo por ruelas obscuras em dias nublados ou perdendo-se em devaneios de noites cavernosas, quando nem a lua ousa aparecer no céu. Digo isso a nós todos que já assistimos muitos filmes, lemos muitos livros e acessamos constantemente a Internet. Pois reencontrar os locais e lugares por onde os “nossos heróis e personagens” viveram ou passaram, torna-se o real prazer para uma viagem de turismo.

Confesso que agora gosto de viajar assim: em busca do tempo perdido de nossas visões especializadas, solto como uma criança a apreender o mundo.

Recentemente eu e Dora estivemos no Peru, em Paris e Lisboa. No Peru, nos perdemos pelas ruelas de Cuzco e, conversando com populares, descobri que o Império Inca ainda existe, só que está atolado na lama da sobrevivência pura e simples ou perdido no coração enevoado desses habitantes dos Andes. Em Paris, visitei os lugares das minhas leituras e conhecimentos, em uma verdadeira “busca do tempo lido”. Entre outras situações, destaco ter ido à livraria Shakespeare and Company – na Rue de La Bucherie, 37 –, ícone de todos os leitores e escritores do mundo; e ao lugar onde viveu Gertrude Stein – na Rue de Fleurus, 27 –, escritora e divulgadora de artistas, no comecinho do século passado.

Em Lisboa, assistimos à ópera Agripina, em um lance do acaso, já que estávamos perdidos em suas ruelas. Tudo isso, antes de irmos comer um saboroso bacalhau no restaurante A Licorista, no Arco do Sapateiro, no Rossio; onde Fernando Pessoa costumava sempre parar para tomar um trago antes de subir para sua residência e escrever madrugada adentro.
Marco Adolfs disfarçado de turista em frente à Shakespeare and Company.

Fotos: tem sempre alguém por perto pra tirar.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Para saber mais, clique sobre a figura.

Faça download do Caderno de Resumos (em PDF).

A flor de Coleridge
Inácio Oliveira

Se um homem atravessasse o Paraíso em um sonho e lhe dessem uma flor como prova de que estivera ali, e ao acordar encontrasse essa flor em sua mão... O que pensar?
Samuel Taylor Coleridge

Um homem procura uma mulher por entre a multidão. Ana, seu nome. Sonhou com ela em uma noite de verão. Este sonho está a corromper sua realidade. Ao atravessar o longo jardim entre a cama e o infinito ela colhe uma flor e a entrega em suas mãos, que ele não sabe nem como tocá-la. Estrelas caindo bem devagar. Medo de acordar de repente. Qualquer erro pode ser fatal, qualquer palavra pronunciada em vão, qualquer gesto, qualquer barulho lá fora e... O mundo é tão frágil e a vida cheia de sonhos difíceis. Bem que este podia durar para sempre. Para sempre é uma palavra que nos foi negada, isto é fala de Ana que sabe que pode acordar a qualquer momento. Rápido o tempo escoa, já quase amanhece. No sonho amanhece de uma forma inversa, as imagens cada vez menos nítidas a consumir-se na sombra. Talvez fosse possível um carinho, mas tão devagar que não fizesse despertar. Mãos distraídas tocam o abajur que balança a lua e acorda os pássaros. Quando eu amanhã acordar vou procurar você, vou te reconhecer por este cheiro de acácias em suspensão. Ana sorri, quase desaparece entre as árvores ao se virar na cama. Vai nada, a gente nunca lembra desses sonhos direito. Juro que vou, vou te procurar por todos os lugares. Mãos avulsas batem à porta, os pássaros se afastam, as árvores desaparecem e Ana vai sumindo sumindo como um lento poente de outono. E nas noites de muito frio e vento é possível ver um homem com inútil cuidado a carregar uma flor na lapela por entre a multidão.

domingo, 10 de maio de 2009

romance possível romance xi

vinte quilos depois, acabou com o casamento. o diabo é a aliança emperrada no dedo gordinho.
(Allison Leão)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Inserir Delacroix na belle époque é misturar cacos com macacos, ignorando a história da França e o desenvolvimento das artes. Pura macaquice de gente sem um caco de cultura!
(João Sebastião: poeta nefelibata, filósofo de boteco, profeta do caos)

La Liberté guidant le peuple, pardon, A Liberdade guiando o povo, homenagem à revolução liberal de 1830, do romântico Eugène Delacroix (1798-1863), ilustra toda a divulgação do XIII Festival Amazonas de Ópera, evocando a belle époque, motivo da reflexão de JS.
Um chá pra lá de especial
Benayas Inácio Pereira
Montagem com alguns dos frequentadores do Chá, com Armando em destaque no andar superior.

Em uma determinada casa numa determinada rua de Manaus, todas as sextas-feiras, uns amigos se reúnem para tomar um chazinho. Trata-se de uma casa velha, cercada de miríades faculdades. Em razão disso, a avenida se engalana para receber os futuros “doutores”, que ora dividem os estudos com a amizade que existe entre eles, mas as fofocas são o alvo maior. Os carros se aglomeram em fila dupla e tripla. Nessa via festiva, os vaivéns provocados pelos estudantes, os altos decibéis produzidos pelos carros de boa potência e o buzinaço ensurdecedor fazem com que ela se transforme num verdadeiro pandemônio, bem diferente dos finais de semana, quando o silencio impera.

Pois é exatamente em meio a tudo isso que os velhos amigos da velha casa se reúnem. Alheio a todo aquele tumulto, entre salgadinhos e chazinhos “envelhecidos” de 8 a 12 anos, eles passam algumas horas jogando conversa fora. Como todos são gente fina, o horário é meio controlado. A reunião se inicia bem cedo (por volta da 17h) e, logicamente, não termina muito tarde. O número de componentes não é assim tão grande. Também não é relevante assim, pois a reunião prima pela qualidade e não pela quantidade dos componentes. O número de pessoas dificilmente passa de dez.

Esse encontro semanal tem o sugestivo nome de Chá do Armando. É claro que, com receio de omitir nomes, não vou dizer quem frequenta a casa velha do artista plástico, poeta, escritor, ensaísta e acima de tudo uma pessoa de coração aberto, o acadêmico Anísio Mello. Uma vez, porém, que eu já perdi o medo, digo que os imortais Almir Diniz, Luiz Bacellar, Zemaria Pinto e, quando em Manaus, Jorge Tufic, além de o nosso sempre querido mestre Armando de Menezes, que dá nome ao encontro, são habitués dessas efemérides.

Ainda fazendo parte desta turma da pesada, o historiador Roberto Mendonça, o poeta Sérgio Luiz Pereira, o pesquisador Nonato Braga, o sexo-humorista Simão Pessoa e o músico e compositor Mauri Marques sempre marcam presença, além de um e outro personagem não menos importante que aparece quando lhe dá na veneta – como os músicos Rossini Lima e Nato Neto e o poetator Dori Carvalho.


Outro ângulo do Chá, com o cigarrro politicamente incorreto de Sérgio Luiz Pereira em primeiro plano.

Nunca vi fechada a porta dessa velha casa. Ela está sempre aberta para receber as pessoas de bem.

Entendo que a curiosidade mata o rato e o peixe, mas se quiserem saber quais os assuntos mais abordados, posso adiantar que ali se respira principalmente a arte; todavia, a semente da acerola, os últimos acontecimentos mundiais, a música, a poesia, o cinema, o meio ambiente, a literatura, o jaraqui e o matrinxã são exaustivamente citados.

Nada disso importa, porém. O que é mais relevante nesses encontros é a curtição da amizade que cada membro dessa sociedade única carrega dentro de si. É o amor que se cultiva, mas de uma forma singular, terna, onde ele é dourado por todos, simultaneamente, formando uma redoma onde a maldade dá lugar à brandura e a inveja é pura utopia. O Chá do Armando não é restrito somente às pessoas do sexo masculino. Esposas e convidadas também comparecem e são sempre bem-vindas.

O viajado poeta Almir Diniz não se cansa de dizer que em lugar algum ele viu tanta irmandade junta. É verdade: ali conseguimos esquecer, nem que seja por algumas horas, as agruras que a vida pode nos reservar.

Sem receio de apelar para a pieguice, confesso que por muitas vezes, durante essas reuniões, observei uma aura vagando pela sala onde nos encontramos. Ela é toda branquinha, em forma de fumaça. Entra sorrateiramente sem que ninguém a note e passeia alegremente pelas cabeças dos presentes.

Anísio Mello, nosso querido anfitrião, acha que a semana deveria ter mais sextas-feiras. Acho que o Anísio tem razão. Eu, que há algum tempo fui brindado pelos deuses ao ser convidado a participar dessas reuniões, corroboro com essa opinião.

E cá com os meus botões fico a pensar: que bom se todos os dias fossem sextas-feiras...

(Fotos de Roberto Mendonça)
encantamento

a canoa solitária descia de bubuia as águas barrentas do solimões. ao redor de chapéus de palha que flutuavam ao sabor da correnteza, o festim dos botos anunciava o encantamento de duas cunhãs do vilarejo.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Claudio Santoro
Maestro Claudio Santoro (1919-1989).

Li de uma assentada o belo livro de Elson Farias sobre Claudio Santoro (Claudio Santoro - cantor do sol e da paz, Manaus, Ed. Valer, 2009).

A única vez que estive com Santoro foi no aeroporto de Frankfurt, no fim da década de 70, início de 80. Voltava para o Brasil. Ele vinha da França, onde creio que tinha regido a Orquestra Sinfônica da Radio-Difusão Francesa (ORTF) de Paris.

Eu disse para o pessoal da VARIG:

- Ali está o maior compositor do Brasil, coloquem-no na primeira classe.

Não adiantou. Como ele sentou-se não muito longe de mim, eu me apresentei, disse-lhe que tinha sido vizinho de D. Cecília, sua mãe, na Vila Auxiliadora, em Manaus, onde ela vivia modestamente, junto com o filho Alberto Santoro, depois físico. Foi o bastante para a conversa se iniciar. Falamos cerca de uma hora de música e de músicos. Infelizmente não posso relatar as críticas que me fez ao meio musical brasileiro, o que seria uma indiscrição. Mas me disse que estava arrependido de ter voltado para o Brasil... Contou que o prefeito de Paris tinha ido buscá-lo no Aeroporto, enquanto que no Brasil não haveria um só funcionário do MEC para ajudá-lo com as malas...

Ele dava aula de composição na Alemanha. E comentou:

- Imagine caboclo amazonense dando aula de composição na Alemanha...

O livro de Elson Farias impressiona pela riqueza de informações, de detalhes. Grande poeta, o livro está muito bem escrito e facilmente será traduzido no exterior, onde Claudio Santoro é muito famoso.

E escrevo ao som das Sinfonias 5 e 7 de Santoro. Regidas por ele-mesmo. Orquestra Filarmônica de Leningrado e Orquestra Sinfônica da Rádio de Berlim, respectivamente.

Gravação rara.

Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília.
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Mais informações sobre Claudio Santoro:

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Essa obsessão pela belle époque parece coisa de visagem. Eu só tenho saudades do futuro!
(João Sebastião: poeta nefelibata, filósofo de boteco, profeta do caos)

É Paris, mas bem que poderia ser Manaus, maninha.
Baile no Moulin Rouge, 1890, por Toulouse-Lautrec (1864-1901).
drops de pimenta 9

─ Pô, Roberto Carlos?
─ Vamo ouvir... Jovem Guarda...
─ Tem Sua Estupidez?
(Zemaria Pinto)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Quarta Literária festeja Ionesco
Eugène Ionesco, por Jesper Deleuran.

Realizada sempre na primeira quarta-feira de cada mês, a Quarta Literária do mês de maio comemora, dia 6, o centenário de Eugène Ionesco. A palestra em sua homenagem será ministrada pelo escritor e ator Jorge Bandeira.

O objetivo da Quarta Literária é, por meio da troca de experiências e leituras, formar novos leitores. O evento tem início às 18h30, no Espaço Cultural Valer, altos da Livraria Valer, situado na Rua Ramos Ferreira, 1195, Centro. A entrada é franca!

Com o tema Cem anos de Ionesco – sobre rinocerontes e outros bichos, Jorge Bandeira fará um histórico da vida e da obra do dramaturgo, analisando seus principais trabalhos. Será apresentado o trailer do filme Rhinoceros, adaptação cinematográfica da peça teatral O Rinoceronte, estrelado por Gene Wilder.

Eugène Ionesco nasceu na Romênia, em 1909, e passou a maior parte da infância na França. Foi um dos maiores dramaturgos do teatro do absurdo, ganhando notoriedade internacional. As peças de Ionesco retratam de uma forma tangível a solidão do ser humano e a insignificância da sua existência.

Perfil do Palestrante

Amazonense de Manaus, Jorge Bandeira nasceu no dia 23 de abril de 1968. É formado em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), onde pós-graduou-se em História Social da Amazônia. É ator, músico e dramaturgo. Autor da peça A fabulosa loja dos bichos, prêmio de melhor texto infantil no primeiro, e provavelmente único, concurso de textos para teatro promovido pela Secretaria de Cultura, no longínquo 2003. Dedica-se ao estudo do teatro, com especial atenção em Samuel Beckett e Antonin Artaud. Atua como crítico de Teatro e Dança. Traduziu poemas inéditos no Brasil, de Samuel Beckett e do poeta norte-americano Allen Ginsberg, além do clássico poema non sense de Lewis Carroll A Caçada do Snark. Os poemas de Beckett e de Lewis Carroll foram lançados pela Editora Valer.

Evento: Quarta Literária
Tema: Cem anos de Ionesco – sobre rinocerontes e outros bichos
Palestrante: Jorge Bandeira
Data: 6 de maio de 2009
Horário: 18h30min
Promoção: Livraria e Editora Valer
Local: Espaço Cultural Valer – Rua Ramos Ferreira, 1195, Centro
Contatos: Valer – 3635-1324; Jorge Bandeira 9116-6775
Na solidão das noites brancas
Inácio Oliveira

Na solidão das noites brancas e oleosas ele faz amor com a lembrança dela. Não se conforma que de onde ela esteja os vermes roam seu corpo e o incessante universo dela se afaste e ele, homem forte, não possa nada fazer, nada... Ele que não crê faz uma prece assim, sem pressa, em silêncio. Enquanto o dia amanhece assim, sem pressa, em silêncio.

domingo, 3 de maio de 2009

romance possível romance x

– me amas do tamanho de quê?
– do tamanho de tua falsidade.
– tão pequeno assim?...
(Allison Leão)

sábado, 2 de maio de 2009

Augusto Boal (16/03/1931-02/05/2009)
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sexta-feira, 1 de maio de 2009

É preciso acender uma lâmpada

Erico Verissimo (1905-1975), fotografado por Leonid Streliaev.

Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.

(Erico Verissimo, em Solo de Clarineta - vol. 1)

véus da morte

uma rosa de sangue brotou-lhe do peito, enquanto o vulto indecifrável parecia fugir do escuro e ermo beco da morte.

(Adrino Aragão)