Amigos do Fingidor

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Um bom romance de amor

Jorge Tufic


                                 Um bom romance de amor, numa época difícil como a nossa, quando se não distingue mais a beleza de um gesto no torvelinho frenético da vida cotidiana, nem o matiz de uma rosa do falso reflexo de uma lâmpada mortiça! Não sei se autobiográfico, mas esta narrativa de Carlos Costa nos toca profundamente.

                                Não há meio de parar com sua leitura, posto que os incidentes ocorrem de uma para outra página, e o tempo  ficcional do enredo anula os ponteiros do relógio. Nas quase 80 páginas do livro, foram poucos os intervalos do olhar sequioso por novas cenas e novos desdobramentos da estória desse homem,  personagem e narrador onisciente, capaz de seguir os avanços de uma doença pertinaz a minar seu próprio organismo, mas nunca de substituir sua paixão pela pessoa amada, de modo algum, pelo temor à morte.

                                Ressalte-se, nele, também, a linguagem poética e o estoicismo no enfrentamento do destino, assinalado, talvez, por um destes casos raros da medicina, embora os avanços da própria ciência em busca de um diagnóstico preciso. Fazer disso tudo a trama de uma novela sob o título de Amor no tempo do câncer, é ou não é vencer a fúria do caranguejo e triunfar, com glória, acima dos aparentes absurdos que a vida nos coloca diante dos olhos?

                               Carlos Costa, poeta, jornalista e assistente social, está de parabéns com mais esta obra de intensidade lírica e narrativa, para grandeza das letras amazônicas.

                                               Trata-se de um texto definitivo. Linguagem e organização me parecem resolvidos. E as possibilidades de leitura ao alcance de todos, ou seja, daqueles que se fazem o objeto da narrativa enquanto ela própria; mas, se for o caso,também do aspecto histórico e biográfico do autor, situação ambígua no caso desta novela. Louve-se, afinal, a construção de significados além do simples relacionamento das personagens do livro, o que o torna prazeroso na transmissão de valores que interagem com o enredo sobremaneira complexo e surpreendente.

domingo, 30 de outubro de 2011

Manaus, amor e memória XXX

Na hora da fotografia, todos os espaços são ocupados...
E quem disse que as paralelas não se encontram? Aí o Ribeiro e o Deodoro que não me deixam mentir!

sábado, 29 de outubro de 2011

100 anos de Nelson Cavaquinho

Nelson Cavaquinho (29/10/1911  18/02/1986), no traço de J. Bosco.

Fantasy Art – Galeria

Frank Frazetta.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Apresentação do livro O Sétimo Dia, de Jorge Tufic 2/2

Zemaria Pinto


Poeta não se define: é um ser à parte.” Dividido entreSonetos” e “Poemas”, O Sétimo Dia traz um Jorge Tufic peregrino, desde Sena Madureira a Salamanca, passando pelo Cairo, por Alcântara, Machu Picchu, Nam Madol, Atlanta, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Lisboa e Singapura. Além, claro, de Manaus e Fortaleza. No sonetoPériplo”, talvez a chave dessa busca incessante, ele escreve:

Cidades inventei por toda parte
quando o tédio mostrou-me o seu reverso:
nos sítios da miséria, o controverso
lixo da solidão que se fez arte.
Perdi a mala, o sonho, o meu tabaco.
Lavrando rochas, decepando luas,
tudo me enoja, tudo me enche o saco.

Sinto falta de Beirute, mas o Líbano também se faz presente no “Soneto à Beringela”, vegetativa musa sobre a mesa; no “Soneto Árabe” – Amada os cedros voam. Pedras cantam / nos âmbares da terra. –, nos oásis, nas tâmaras, nos sândalos, nos desertos, nas tendas recorrentes, e, muito especialmente, no “Soneto para Kahlil Gibran”:

Letra por letra a doce voz do mestre
vai-se passando para o coração.
  
O ser generoso cultiva a amizade e cultua a arte, alegorizada no “sétimo dia” genesíaco. Assim, Tufic contempla os amigos, como, entre tantos, Nilton Maciel, Almir Diniz, Marco Luchesi e a amada Izabel, e faz arte sobre arte ao dizer daqueles amigos que lhe preenchem a solidão, como Van Gogh, Borges, Huidobro, Rembrandt, Cioran, Bandeira, Kurosawa e o distante Van Pereira. Mas é o cachimbo, outra recorrência, o melhor companheiro da solidão, quando o poeta descobre “a geometria do incativo e momentâneo brilho do que passa.” São momentos de sonho, lições simples, de há muito cristalizadas na memória:

Não sei dizer passarinho
sem dizer passarinhos,
tal como ensinava
a senhora de meus dias.
Ela dizia de um modo
que se via e se ouvia
o ser e o canto
a pluma e o vento;
e, por detrás de tudo,
o canto do encanto
tanto do pássaro
como dos passarinhos.
A’sso-fir, em árabe
são pássaros de pássaro
e pássaro de pássaros.

Tufic noslições de simplicidade e plasticidade: simplicidade plástica e plasticidade simplespois essa é a essência de uma poesia que, sem pretensão de inventar, está sempre a renovar-se. Ouçam essa dúzia de versos colhidos a esmo:

Eu tive um lar, talvez uma varanda
com árvores de fogo nos telhados;

Quantos metais se fundem nessa chama

Versos-medula plangem neste abraço

junta-se ao nosso o eco de outros nadas.

de luz & sobra paz & antemanhã

Late um cão neste verso, late late

Todos os mortos pulsam nas raízes

Palavrastambém sobre os destroços

da noite plena como é pleno o sexo

De qualquer solidão brota a poesia.

para que eu chova estrelas, vento claro.

O ser generoso tem o ânimo elevado, ainda que sujeito a angústias episódicas, especialmente ao tédio dos domingosporque o sétimo dia, meus amigos, é o sábado; o domingo é apenas o dia da “ressaca vital”, o dia da criatura sem o criador:

Como sugar
deste sol
que tudo resseca
as tâmaras vitalícias
do apogeu
e da
alegria?

Eu dizia que, a despeito dos domingos, o humor do poeta mantém-se vivo, seja olhando velhos álbuns de fotografias, seja num “anúncioque beira o nonsense:

Aluga-se um velho
que não serve pra nada.
Garante-se, porém,
que ainda olha e .
E enquanto olha e
cachimba
os pedaços da noite.


Poeta não se define: é um ser à parte.” O nosso querido confrade Alencar e Silva percebera isso no ensaio Jorge Tufic: as tendas do caminho (lançado aqui, neste salão, a 23 de março do ano passado). Diz o Alencar: “vem o Poeta construindo e diversificando os seus caminhos, percorrendo e iluminando as suas sendas e cumprindo, enfim, o itinerário que se traçara ao adentrar as terras-do-sem-fim da poesia.” Esses caminhos que se bifurcam e se multiplicam são os caminhos da inquietação que o verdadeiro artista experimentamesmo quando em estado de contemplação, mesmo quando apenas cachimba em seu cachimbo, feitonão de roseira, que a rosa é o fumo, mas do aroma e da nuvem passageira.”

Eu, que não gosto de adjetivos, pinço deste livro um soneto magnífico, que, se não fosse pela obrigação ritual da apresentação que me foi pedida – e pelo orgulho-narciso de assomar a esta tribuna –, poderia ter lido logo no início desta fala e dado por encerrada minha participação, pois se trata de uma síntese de tudo o que falei até aqui, uma autêntica Poética – uma definição viva do que é a poesia, o poeta, o fazer poético:

Poeta não se define: é um ser à parte.
De homem se veste, de animal caminha,
mas algo nele de anjo se avizinha
quando em fatias brancas se reparte.
Cheira o pão de seus versos; faz-se arte
pela dor que humaniza e que espezinha;
não a dor do egoísmo, a dor mesquinha,
mas a dor que se empluma no estandarte.
Pode ser o domingo que se anula,
um galgo que tropeça, o lenço esgarço
que, sendo de Marília, ainda tremula.
Para si mesmo estranho ele se enigma,
avesso ao paletó, caderno esparso,
nada o liberta, nunca, desse estigma.

Muito obrigado.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Eco eterno – lançamento

2° Concurso Manaus e Poesia – Regulamento

Clique sobre a imagem, para ampliá-la.
Clique sobre a imagem, para ampliá-la.

Vozes infantis indígenas

Medicina como especialidade social – Hipócrates e Galeno

João Bosco Botelho
 

A aparência física do médico também foi prevista pelos ensinamentos hipocráticos. No capítulo “Do Médico”, no Tratado Ético, lê-se: “A norma do médico deverá ter boa cor e bom aspecto... Pois será de grande utilidade para si colocar-se elegantemente e perfumado agradavelmente... e tudo isto agradará ao doente”. Continua sendo essa imagem exigida do médico ideal, independente de sua diferenciação no domínio do conhecimento.

            É indiscutível a influência da Medicina grega no vasto domínio territorial romano. Após a terceira guerra púnica, os romanos consolidaram o grande império no Mediterrâneo. Nos anos seguintes, alguns destacados intelectuais resistiram à Medicina grega hipocrática. O historiador romano Marco Pórcio Catão, no século II, expôs a sua opinião: “Os gregos decidiram matar todos os bárbaros com a Medicina e a ainda cobram por isto”. E em carta dirigida ao seu filho foi enfático: “Proíbo-te de recorrer aos médicos.”

O espírito legislador romano não deixou de abordar as atividades médicas. Com a regulamentação romana, os médicos constituíram categoria profissional definida, tanto entre os homens livres quanto entre os escravos. As obrigações do médico eram estipuladas pelo Estado que pagava pelos serviços profissionais.

Sob o império de Adriano, no século II, os médicos eram dispensados do serviço militar e quase todas as cidades romanas dispunham de assistência médica pública.

Em torno do século IV, a profissão médica foi severamente fiscalizada e foi instituído rigoroso exame para todos que quisessem exercer a profissão. O império romano subvencionava os estudantes de Medicina, mas em troca eram obrigados a prestar assistência aos pobres.

Existem registros de que foram proibidos de praticar o aborto e negar o atendimento a qualquer doente, sob risco de castigo corporal e multa. Nessa mesma época, sob o império de Diocleciano, no ano de 300, um édito do imperador impunha como condição para entrar na escola de Medicina, a apresentação de certificado de boa conduta fornecido pelo comando militar da cidade de origem.

A diferenciação entre médicos e cirurgiões foi reforçada. Nesse sentido, Cícero falava dos médicos verdadeiros, o que corresponderia aos clínicos gerais de hoje. Em seus versos, o erudito romano registrou as especialidades médicas: “Cascelio extirpa ou cura os doentes; tu Igino, queimas os cílios que irritam os olhos, Eros elimina as tristes cicatrizes dos servos e Hermes goza de fama de ser o Podalírio das hérnias.”

Os historiadores da Medicina acreditam que o grande número de especialistas na Medicina romana tenha sido consequência não somente dos progressos técnicos, mas principalmente porque as especialidades eram mais lucrativas para quem as exercia.

Alguns médicos especialistas romanos, como Stertínio, conseguiram formar grande fortuna como fruto do trabalho médico. Provavelmente, em consequência dos abusos nos lucros obtidos por alguns médicos, no ano de 368, o imperador Valentiano proibiu que os médicos empregados do Império recebessem dinheiro dos doentes pobres.

Todos estes problemas éticos e pecuniários não impediram o aparecimento de grandes expoentes na Medicina romana. Entre eles, um dos mais destacados foi Galeno, considerado o sucessor de Hipócrates e que influenciaria decididamente a Medicina medieval. Esse famoso médico romano, professo do monoteísmo, elaborou a teoria dos Quatro Temperamentos, como seguimento à teoria dos Quatro Humores.

De certa forma, Cláudio Galeno reforçou a teoria hipocrática admitindo que a predominância constante de determinado humor provocaria o aparecimento de um tipo específico de temperamento que marcaria, definitivamente, as relações entre a saúde e a doença das pessoas na vida social:

Fleuma
Fleumático
Bile amarela
Colérico
Sangue
Sangüíneo
Bile preta
Melancólico



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Fantasy Art – Galeria

Alma Mater.
Zeljko Tonsic.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

De família em família

José Almerindo Alencar da Rosa*


 – Sem esse alicerce a família desmorona como um castelo de areia. Mesmo quando não se tem vontade de dar carinho e quando não se compreende nada do que acontece, é preciso um esforço extra... Só assim pais, filhos e irmãos se entendem...

Zemaria Pinto, em A cidade perdida dos meninos-peixes

Três ideias nos marcam e ficam traquinando em nossa mente após a leitura de O urubu albino. Estas ideias que nos fazem pensar são o brincar com a liberdade, a fascinação e o medo que o desconhecido nos oferece e o jeito discriminante de ser de cada ser.

Brincar, ser um ser livre é desejo do bicho homem, sendo humano, é nosso objetivo alcançá-lo. O encantamento pelo desconhecido e o inevitável medo também são componentes das buscas deste ser tão contraditório e sujeito da história, porém o homem lança-se no desconhecido e impõe-se ao elemento que o apavora. Já o nosso jeito de ser, mesmo pretendendo não sermos todos iguais, sempre reparamos no diferente e a tendência é ignorá-los, desprezá-los, criticá-los.

Por que nos acompanham tais ideias? Será que a família não nos alerta para os valores e os limites da liberdade; para o pensar e o agir diante do desconhecido e do medo; para o respeito às diferenças?

Sabe-se que aos pais conscientes cabe a competência de dar os bons conselhos e indicar os caminhos que devem ser trilhados, todavia a formação do caráter de uma pessoa, de um ser pensante, está nas mãos deste. Quem leu o diário de Anne Frank, certamente, aprendeu muitas destas lições.

Lendo-se a obra O urubu albino, série Florescer da leitura, Editora Valer, deparamo-nos com estas interrogações. Zemaria Pinto já nos ensinou, em O texto nu, que Ler nos leva ao Compreender, este nos conduz ao Interpretar e este verbo nos induz ao Conhecer. Partindo-se do conhecimento, quando nosso cérebro apreende a ideia, atingimos o ápice da pirâmide, o Pensar. Estes verbos acompanham a realização de qualquer leitura, seja do mundo que nos cerca ou das palavras que cercam o mundo. De palavra em palavra cada leitor, jovem ou adulto, vai construindo o seu jeito de ser, o seu caráter, com liberdade perante os fascínios e os temores que o mundo nos oferece.

Bico Claro, o urubu albino, é mais um animal disposto a servir de exemplo aos animais racionais, que somos nós, nos apresentando: a amizade, o respeito, os limites, o ouvir os mais experientes.

O urubu albino é a terceira produção infanto-juvenil de Zemaria Pinto, o poeta do Fingidor. O poeta é aquele que busca, nas entrelinhas da vida, descobrir uma nova maneira de dizer aquilo que outros já disseram ou que outros até já perceberam, mas não souberam dizer.

Zemaria é o poeta que fragmentou o silêncio e compôs melodias para os surdos. Em haicais cantou a beleza feminina e participou de dabacuris. Agora, nada com os peixes, em A cidade perdida dos meninos-peixes e nos dá uma lição do que é a família e seus valores. Também nos convida a não nos acomodarmos, a não nos instalarmos e dizermos que não tem jeito, que nada muda. O pequeno Beijinho, personagem de O beija-flor e o gavião, convence a acomodada e desajeitada Grandona a assumir o seu verdadeiro perfil, fugindo da mesmice e da falta de perspectivas. Convence-a a voar em busca da liberdade para não se deixar prear pelo ambiente e a opinião dos outros.

Capa de O urubu albino.
Cecília Meireles escreveu que a literatura não é passatempo, é alimento. O conceito da poeta continua pleno de significado. Ler bons livros nos ajuda a alimentar o espírito para que possamos enfrentar as agruras do dia a dia. Os livros, sejam infantis, infanto-juvenis ou adultos, quando bem escritos, marcam-nos e nos acompanham ao longo da caminhada. Nestas três obras infanto-juvenis, o autor destaca, de maneira natural, os valores da convivência, seja na família, seja nos grupos sociais. De família em família, a mensagem vai perfurando e penetrando na mente dos jovens leitores. Estas mensagens não nos arrancam lágrimas, nem suspiros; nos fazem construir pensamentos.

É bom que os leitores observem e pensem acerca da felicidade dos urubus diante dos “dois ovos azulados” assim como o reencontro com o filhote albino desaparecido. São animais irracionais que não maltratam nem abandonam os filhos como os humanos, conhecidos como racionais. Temos ainda muito a aprender e crescer. Aprendamos com os animais estas lições de vida, de vida em família, em comunidades, em sociedade.

Aprender para melhorar é missão de todos que pretendem viver e conviver com os demais. Não é demais lembrar o que escreveu Zemaria:

Ao descer das águas
a várzea rejuvenesce
  – tempo de plantar.

Sempre é tempo de plantar ideias em nossa mente para que este corpo, firmado sobre os pés, percorra o caminho que Deus nos indicou. São os pés, na visão do poeta, os que: 

devassam fronteiras
na construção do amanhã
sonhando mensagens. 

Sonhemos, pois, mensagens, sem esquecer, porém, de firmar-se no alicerce.


(*) José Almerindo Alencar da Rosa é professor de literatura.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Solo das chuvas

Jorge Tufic


Quem o disse? Pelo menos oito palavras se enraízam por muito tempo na escritura de cada autor, seja ele poeta ou ficcionista. Às vezes até para sempre. No caso da poesia, são as chamadas palavras-chaves, ou constantes, usadas para expressar ou dar forma aos sentimentos pares, que nelas encontram as nuances, o toque e o rastro dos objetos cativos. Dançamos a dança de Zorba: o fogo, de permeio, entre a vida e a morte. Quer seja a nossa, cotidiana e pertinaz, quer seja a dos laços afetivos intimamente difíceis de aceitar, a menos que outros se interponham, lhes dando continuidade.

Em José Telles, fenômenos como estes preenchem os vazios de sua lírica, ao mesmo tempo em que alimentam a notória evolução de sua arte maior, cada vez mais dedicada, absorvida e entregue à economia verbal, ao minimalismo ou momentos-monumentos revelados ao apelo das metáforas, sobretudo aquelas por conta das quais a necessidade do discurso pertence aos ecos de sua própria leitura.

Eu entendo que o mistério lunar desse modo, no autor deste livro, não abre mão do silêncio como a órbita de suas constelações temáticas. O silêncio-personagem, confidente ou antagônico. O silêncio da culpa com suas “goteiras de saudade”. A paisagem com suas tardes viúvas. O silêncio das fraturas em tempos de aceitação. A pedra e o sangue das raízes; a dor e o pânico nos sargaços da idade madura; lembranças, fugas, cicatrizes, brindes, contrapontos, falésias, alpendres, águas paradas; o azul e o tropel, também silencioso, das horas insólitas.

Poemas longos e bem sucedidos completam o volume, numa prova a mais de que fôlego e talento poético não lhe causam fadiga.

Pós-modernidade, revisitação aos parâmetros surrealistas, abstracionismo ou a súmula de tudo isso para obter a essência do canto que se degusta, tanto das perdas que o mundo lhe impõe, quanto dos ganhos que nada representam sem a forma das mãos e do olhar de sua mãe, como a vejo num dos mais belos poemas desta coletânea?

O jogo nascera com o dom da palavra. A escrita é um desses contatos. Mas o lúdico é atributo comum. Um lance de dados. Nem a matemática se aproxima do acaso. Quem acerta um número ou completa uma sena, não fora, contudo, obra do acaso. Alguma coisa existe e subjaz ao fenômeno, ao verso e ao simples acaso. A isto se dá o nome de arte. A arte do poeta, a arte que fez este livro pulsar, inscrever-se no bronze, na prata e no ouro.

Nele, José Teles alcança o melhor que poderia ter sido feito, entre uma produção e outra, desde que se estreara com seus “Poemas Estivais”. E posso afirmar que ele já tem seu lugar garantido entre os maiores poetas brasileiros do século XXI.

domingo, 23 de outubro de 2011

Manaus, amor e memória XXIX

A Praça do Comércio não mais existe; tampouco a Constatino Nery, que mudou de lugar.
Mas, pela paisagem, essa geografia situa-se no Centro (velho) da cidade.
Tudo parece tão devagar...
Devagar, as janelas (e as portas) olham...

sábado, 22 de outubro de 2011

Fantasy Art – Galeria

Gothic.
Dorian Cleavenger.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Apresentação do livro O Sétimo Dia, de Jorge Tufic 1/2

Zemaria Pinto*


Foi há exatos 25 anos que travei, por intermédio de jovens amigos comuns, contato pessoal com o poeta Jorge Tufic, a quem aprendera a admirar a distância. Uma qualidade desconhecida foi logo realçada naqueles encontros iniciais: a generosidade do poeta, capaz de dedicar horas de seu raro tempo para nos passar noções de poética – versificação, metro, ritmo. Falar, nem sempre bem, das vanguardas ainda em voga: a poesia concreta, a poesia-práxis, o poema-processo, a poesia de muro. Sobre os poetas que, parte do cenário mundial, começavam a ser conhecidos e estudados no Brasil, e mereciam nossa atenção, como Eliot, Pound, Cummings. A sua paixão pelo soneto, da qual eu não compartilhava, inicialmente. Tudo isso entremeado por deliciososcausos”, envolvendo os amigos do Clube da Madrugada. O dedicado professor seria contemplado, 23 anos mais tarde, com o Prêmio Nacional de Ensaio, da Academia Mineira de Letras, para o seu Curso de Arte Poética. “Um lance de dados jamais abolirá o acaso.” O professor Tufic não o era por acaso...

Poeta não se define: é um ser à parte.” A análise de uma obra literária de qualidade dispensa a teoria literária e todos os seus (pre)conceitos, buscando engendrar uma nova teoria, específica e apropriada unicamente àquela obra sobre a qual nos debruçamos. Um novo livro de Jorge Tufic é uma oportunidade ímpar para deixarmos de lado tudo aquilo que aprendemos e iniciarmos um novo aprendizado do que é a poesia lírica neste início do século XXI.

Estreando em livro em 1956, com Varanda de Pássaros, Jorge Tufic construiu, nestes quase 50 anos, uma poesia rigorosa e reflexiva, mas sobretudo inquieta: Das pedras que lavro, diz ele no poemaOfício”, 

soltam-se, às
vezes,
clarões e
gemidos.
Estalos, brilhos
que imitam
palavras.

Não à toa, a pedra é uma imagem recorrente neste livro de Tufic, ora como elemento natural, ora, no mais das vezes, como metáfora da liça cotidiana. Mas um poema não é apenas um amontoado de palavras. As pedras-palavras a que se refere o poeta precisam ser trabalhadas exaustivamente para que logrem alcançar o “estado de Poesia”. É o que temos neste O Sétimo Dia, uma referência explícita ao Gênesis, quando Deus deu sua obra por terminada e descansou, ou melhor deu-a ao uso do homemque desde então tem-se dedicado a destruí-la. O “sétimo dia” é, pois, o dia da contemplação, do lazer, do prazer. É o dia da poesia. O poeta conclui mais uma coletânea a e entrega para deleite de seus leitores. Mas, com certeza, não descansa. Antes, trabalha lavrando pedras, pois tem sido assim desde o início, e é assim que ele chega, com este, ao 43° título de sua brilhante carreira.

(*) Discurso em sessão pública da Academia Amazonense de Letras, no dia 18 de junho de 2005, apresentando o livro O sétimo dia, de Jorge Tufic.
Foi publicado no n° 27 da Revista da AAL.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011