domingo, 31 de maio de 2015
sábado, 30 de maio de 2015
sexta-feira, 29 de maio de 2015
exercício nº 10
Zemaria Pinto
Às
portas do Encantado me detenho
olhando
o chão lavado por silêncios
buscando
abismos, marcas de outras lendas
no
lânguido rumor do riocorrente
E
tu, Náiade minha, guardiã
do
negronegro espelho espedaçado
em
nenúfares lunares debruçada
feito
Ofélia, em orquídeas mergulhada
desarma-te
por fim de clava e clave
e
assoma-te guerreira à montaria
à
pele, à carne e ao fogo dos sentidos
À
cabeceira de teu leito jazo
adormecido
por noturnas vagas
de
gozo e gozo e gozo e gozo e gozo
quinta-feira, 28 de maio de 2015
Arte em Tese: a Universidade na Academia
A nova série de palestras da Academia Amazonense de Letras – Arte em Tese – pretende levar ao Salão do Pensamento Amazônico, ao longo do mês de junho, discussões muitas vezes restritas às audiências de apresentação de teses e dissertações.
Esta série deverá se tornar permanente, sendo reeditada todos os anos.
Desconstruindo ritos de curas
João
Bosco Botelho
O
corte nos saberes, separando o antes e o depois da Medicina como paidéia, ligando
os diagnósticos e as doenças às ideias laicas, afastando dos deuses e deusas, se
destaca no livro Das Doenças Sagradas,
de autor desconhecido, do século 4 a.C.: “Quanto à doença que nós chamamos de
sagrada (epilepsia), eis o que ela significa: ela não me parece nem mais
divina, nem mais sagrada que as outras; ela tem a mesma natureza que as demais
doenças e se origina das mesmas causas que cada uma delas. Os homens atribuíram-lhe
uma natureza e uma origem divinas por causa da ignorância e do assombro que ela
lhes inspira, pois em nada se assemelha às outras”.
Pela
primeira vez, uma doença foi explicitamente assentada no domínio da tékhne, fora do domínio dos deuses e
deusas curadoras. Não é demais repetir que também nessa época, na ilha de Cós, ocorreu
o ápice da medicina grega. O genial Hipócrates, o principal representante da
Escola de Medicina de Cós, foi reconhecido como o marco nos saberes médicos por
Platão (Protágoras 313b-c e Fedro 270c) e, posteriormente, por Aristóteles (La Politique. Paris. J. Vrin. 1989. p.
484).
Os integrantes da Escola de Cós construíram o maior
legado da Medicina como paidéia: a
teoria dos Quatro Humores, aqui considerada como primeiro corte epistemológico
da Medicina. A teoria dos Quatro Humores, atribuída a Políbio, genro de
Hipócrates, assenta as doenças e os tratamentos no mundo laico das ideias: “O corpo
humano contém sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, que estes elementos
constituem a natureza do corpo e são responsáveis pelas dores que se sente e
pela saúde que se goza”.
A Medicina como paidéia saltou do
domínio casual e ametódico para o método construído em torno da busca da etiologia
nos desequilíbrios dos humores. O diagnóstico acompanhava o prognóstico e a
terapêutica para identificar o excesso ou da falta do humor desequilibrado. Como
consequência, os tratamentos se voltaram para excretar as sobras por meio de vomitórios,
sudoreses, diureses, diarréias e sangrias. O prognóstico se materializava na
boa ou na ausência de resposta à terapêutica.
O médico era chamado para recompor a saúde
utilizando saberes como instrumento de leitura da natureza, como a justa medida
da saúde. Hipócrates e os médicos da Escola de Cós, na obra Da Medicina Antiga, seguiram esse
pressuposto ao afirmarem que o médico não pode saber de Medicina nem tratar os
seus doentes sem conhecer a natureza do homem (Daremberg. Oeuvres Choisies
d’Hippocrate. Paris. Labe Éditeur. 1855: “...os argumentos deles apontam para a
Filosofia tal como a de Empédocles e de outros que escreveram sobre a natureza
e descreveram o que o homem é desde a origem, como primeiro surgiu e de que
elementos é constituído”.
A
concepção teórica de saúde dos gregos também envolveu a harmonia. Sendo de natureza
harmônica em si mesma, isto é, preenchendo na medida e simetria exatas as vicissitudes
individuais, a saúde deveria ser procurada neste contexto da compreensão do normal.
Sob essa mesma perspectiva, Platão (Fédon, 93e; Leis 773a; Górgias 504c)
entendeu a saúde como a ordem do corpo e Aristóteles (Ética a Nicômaco. X 1180b)
associou o multiplicidade do comportamento moral às múltiplas dietas prescritas
pelos médicos para as febres, mas não para todas as febres.
Platão
(República 407b-c-d-e) retoma a Medicina como téhkne ao distinguir as diferenças entre as práticas Medicinais
entre pobres e ricos. O filósofo criticou o modo como os médicos dos escravos
correm de um paciente para outro e dão instruções rápidas sem falar com os
doentes e os compara com os médicos dos homens livres (Leis 720a-b-c-d-e).
Muito
atual e atrelado às queixas dos doentes acerca de alguns médicos que não ouvem
os doentes, praticando consultas de poucos minutos, Platão (Banquete, 186-187) reconhece
como insofismável a obrigação do médico em esclarecer o doente de todos os
aspectos da enfermidade, para que o tratamento seja eficaz.
Em
certas circunstâncias, a crítica de Platão à má prática médica, exclusivamente
ligada aos doentes pobres, continua válida na atualidade.
quarta-feira, 27 de maio de 2015
terça-feira, 26 de maio de 2015
Os bonecos são eternos
Pedro
Lucas Lindoso
Quem
foi menino em Manaus na década de sessenta, com certeza tem nas lembranças
afetivas a figura de dois bonecos emblemáticos e icônicos da cultura popular da
cidade de Manaus: Peteleco e Kamélia.
O
Peteleco é um boneco criado pelo ventríloquo Oscarino Varjão que foi muito
amigo de meu saudoso pai, José Lindoso. Peteleco é um neguinho muito querido,
respondão, malcriado e dizia tudo que a gente gostaria de dizer e não podia.
Naquele
tempo, menino era tratado como menino. Tolice era inibida com palmatória e
cachuleta. Para quem não sabe o que é cachuleta, trata-se de levar uma forte pancada com o dedo médio na orelha, para ficar esperto e não fazer mais
tolice. Aliás, cachuleta também se chama
peteleco, principalmente no sudeste do Brasil.
Posso
dizer que o Peteleco foi um dos meus melhores amigos de infância. Toda vez que
ele se apresentava no auditório do SESC na rua Henrique Martins, onde morávamos,
eu não perdia. Considero o Peteleco como um dos meus diletos companheiros da rua
Henrique Martins.
Soube
que o Peteleco também faz shows para adultos atualmente. Fico feliz em saber
que o Peteleco é um garoto cinquentão como eu.
Há
poucos meses, era domingo e eu fui assistir ao Peteleco, na Casa de Música Ivete Ibiapina, na Rua 10 de Julho. Após o show,
conversei com Oscarino e ele lembrou-se de meu pai com carinho e deferência.
Disse a ele que conhecia o
Peteleco desde menino e ele ficou feliz. Ah! E ainda tive o privilégio de
“conversar” com o próprio Peteleco. Foi uma alegria para mim.
O outro boneco, digo boneca, é a
Kamélia. Ela sempre chega para a abertura do carnaval de Manaus.
Durante certo tempo eu tinha medo da Kamélia. Um
verdadeiro pavor. Explico: a boneca foi
inspirada na marchinha Jardineira, na qual a Kamélia “caiu do
galho, deu dois suspiros e depois morreu”. Na minha cabeça de menino medroso, a
Kamélia seria uma “visagem”, uma assombração.
Como todo curumim, eu adorava ver
avião. Ir ao Aeroporto Ponta Pelada era um passeio irrecusável. Mas quando
soube que naquele dia iríamos ao aeroporto para a chegada da Kamélia, o medo
tomou conta de mim.
O fato é que a Kamélia chegava de avião, vindo
provavelmente da Bahia, e a população ia “buscá-la” no antigo Aeroporto de
Ponta Pelada. Era um acontecimento. Mas e o medo de alma penada?
Foi então que me enchi de coragem
e perguntei a Darinha, que morava lá em casa desde sempre: – Darinha, os
bonecos morrem? E então ela me disse:
– Não meu filho, bonecos não morrem.
Os bichos, as pessoas, as plantas morrem, mas os bonecos não morrem nunca.
Sempre acreditei na Darinha. E lá
fui eu, feliz da vida, ao aeroporto de Ponta Pelada receber a Kamélia, vindo
diretamente de Salvador para Manaus, vestida de baiana, para alegrar os
manauaras.
E todo ano ela chega. Agora,
procedente do Rio de Janeiro. E o Peteleco continua por aí.
E não é que é verdade? Darinha
tinha razão. Os bonecos não morrem nunca. São eternos.
segunda-feira, 25 de maio de 2015
Biografia de um homem comum
Inácio
Oliveira
Os
Cinco Maiores Sucessos
1_ O dia em que meu avô
me deu um triciclo de presente. (Tinha oito anos. Vejo meu avô descendo pela
ruazinha da nossa casa com o triciclo nas mãos, então saio correndo para abraçá-lo,
louco de felicidade).
2_ A primeira vez que fiz
amor com uma mulher. (Tinha quinze anos. Ela desfez o laço que prendia o
vestido às costas, então a terra se confundiu com os céus e o espírito de Deus
voltou a mover-se sobre a face das águas).
3_ O dia em que saí do
interior para a capital. (Tinha dezoito anos. Andei pela praça em frente à
igreja, vi a ponte sobre o rio, as estradas de terra e as palmeiras vergadas
sob o vento. Havia um enorme sentimento de despedida e libertação em cada
coisa).
4_ O dia em que conheci
Carmem. (Tinha vinte e cinco anos. Ela estava lendo um livro sobre o balcão,
aproximei-me e disse – eu vou me casar com você).
5_ O dia em que meu filho
nasceu. (Tinha trinta anos. Eu só precisava de alguém que precisasse de mim,
então a enfermeira pôs aquele ser tão frágil em meus braços. Qualquer coisa
poderia matá-lo, até mesmo a leve brisa que entrava pela janela).
Os
cinco melhores amigos
1_ Zico, bico de pato.
(Brincávamos de caçar no quintal de casa).
2_ Bebel. (Um dia eu me
apaixonei por ela).
3_ Mário Rodrigues. (Não
me deixou passar fome quando os dias eram longos).
4_ Paulão. (Amizade
etílica).
5_ Lúcio. (Empurra minha
cadeira de rodas e desce as escadas comigo no colo).
Cinco
coisas que me arrependo de ter feito
1_ Ter deixado de falar com
o meu pai. (Há muito tempo que ele está morto e eu nem lembro qual foi a última
coisa que eu lhe disse).
2_ Ter deixado Carmem
porque estava apaixonado por outra mulher. (Mas se não tivesse feito isso
também estaria arrependido).
3_ Ter matado um homem.
(Um animal pode combater longamente com outro da mesma espécie. Seja para
assegurar sua liderança, conquistar um território ou uma fêmea, ou simplesmente
para demonstrar sua força; mas esse animal dificilmente matará um semelhante
seu. Um homem mata o outro num piscar de olhos).
As
coisas mais bonitas que vi na vida
1_ A lua nascendo de
madrugada de dentro de um rio. (Eu e o meu pai estávamos pescando numa canoa,
ele disse que logo a lua nasceria. Eu fiquei sentado na proa da canoa e vi a
lua surgir como se brotasse de dentro d’água).
2_ Uma mulher de vestido.
(Quando ela tira o vestido).
3_ Uma árvore. (Há uma
paisagem. É um descampado com uma árvore solitária no meio. Nas noites de
tempestade ela é fustigada pelo vento e isso faz com que suas raízes tornem-se
cada vez mais profundas. Era ali que nos amávamos, Carmem e eu.)
4_ Um cavalo no pasto. (Quando
estive em Analto fui ao Museu do Musgo, lá eu vi um quadro pintado pelo famoso
artista Juan Castel. O cavalo no pasto. Fiquei horas olhando para o quadro.
Impressionou-me que o cavalo pintado fosse o mesmo que meu pai montava naquelas
tardes na fazenda do meu avô, o riacho ao fundo do quadro e as castanheiras que
cresciam ao longe eram as mesmas da nossa terra, até a casa na colina era
igual, era como se fosse um espelho).
As
piores coisas que já me aconteceram
1_ Quando minha mãe
morreu. (Eu tinha doze anos).
2_ Ver meu filho ser
criado por outro homem.
3_ Ter sido preso.
4_ Ter envelhecido.
5_ Ter ficado impotente.
6_ Ter perdido o
movimento das pernas.
Quatro
objetos
1_ Um triciclo que meu
avô me deu quando eu tinha oito anos.
2_ Um isqueiro da marca
Cobra Fumando.
3_ Uma caneta Parker.
4_ Um relógio da marca
Lucius (Este relógio me acompanha nos último anos, jamais atrasou um segundo.
Quando eu morrer seus indiferentes ponteiros continuarão a se mover no meu
pulso).
Cinco
Livros
1_ Meu pé de laranja lima, de Mauro Vasconcelos. (O primeiro livro que
li na vida, descobri que um homem que lê jamais estará sozinho).
2_ O livro de Jó.
3_ Como beber sem ficar porre, de Martin Heine. (Muito útil nas noites
sem fim).
4_ Quando o Diabo chorou, de Lucas Sarmento. (Impressionante história
sobre um menino que ficou sozinho).
5_ Ulisses, de James Joyce. (Nunca li, mas sempre quis colocá-lo em
uma lista).
Três
coisas que eu odiava em Carmem
1_ Fazia amor em
silêncio. (Nada pior que uma mulher que faz amor em silêncio).
2_ Mantinha os cabelos
sempre presos.
3_ Sabia quando eu estava
mentindo.
Um
cheiro
1_ Café sendo torrado
domingo à tarde. (Nós colhíamos o café e minha vó deixava ele secar por uma
semana no sol, quando chegava domingo ela acendia o fogão à lenha e torrava o
café em uma folha-de-flandres. O cheiro de café torrado tomava conta da tarde).
Uma
comida
1_ Canja de galinha.
(Feita pela minha mãe com arroz pilado no pilão).
Três
desejos
1_ Uma dentadura nova.
2_ Viver até maio quando
os jambeiros começam florir e o pátio fica colorido das flores vermelhas que
caem.
3_ Que meu filho viesse
me ver aqui neste asilo.
Uma
esperança
1_ Morrer sem dor.
domingo, 24 de maio de 2015
sábado, 23 de maio de 2015
quinta-feira, 21 de maio de 2015
30 notas sobre a má poesia, à margem da despoesia de Franciná Lira
Zemaria
Pinto
O tempo é ainda de fezes, maus poemas,
alucinações e espera.
(Carlos Drummond de
Andrade, em “A flor e a náusea”)
1.
Serei acusado de desagregador e
intolerante pelos corporativos, que se escondem atrás de coletivos para mascarar
a mediocridade individual. Serei denunciado e processado por escrever ofensas
morais a pessoas de caráter ilibado e comportamento inatacável, conforme manda
o figurino das folhas sociais. Algum subacadêmico parnasiano, que se masturba lambendo
adjetivos e advérbios, me acusará de virulência verbivocovisual, sem ter a
mínima ideia do que seja isso. Vão me chamar de arrogante, soberbo e
presunçoso. Serei tratado como um leproso, cuja visão repulsiva nauseia os
sentidos acostumados a panoramas paradisíacos, perfumes exóticos e sons
celestiais – ainda que o paraíso não passe de uma sórdida favela, as flores
podres estejam misturadas às fezes dos porcos e o som seja um mix de forró e
funk.
2.
Mas não poderão me acusar de
desonestidade ou mistificação: cumpro minha missão de professor e de crítico.
3.
A poesia que se produz nesta cidade por
menininhas tolinhas patinando no ensino médio, universitárias temporãs que não
sabem a diferença entre poesia e poema, senhoras quarentonas solitárias que se
descobriram tardiamente poetisas ou senhores de todas as idades com o miolo
amolecido pelo calor equatorial e pelo excesso de guaraná em pó, é motivo de
riso. “Poetas” e “poetisas” acreditam-se ungidos pelos deuses porque têm seus
trabalhos escolhidos para participar de alguma “antologia nacional”, em “regime
cooperativo”. Desconhecem a maldição que recai sobre os verdadeiros poetas.
4.
A poesia de verdade não fala de amor, só
de ódio. Não toca em sexo, mas em tortura. Não trata de abandonos, fixa-se em
assassinatos. Não fede a rosa, mas cheira a pus. A verdadeira poesia não dá
desconto nos hotéis vagabundos do Centro.
5.
A poesia é um
estado do ser ,
contemplação mí(s)tica, o i/logismo a serviço
do ir /racional: a poesia
é.
6.
Poesia é arte, não é masturbação.
7.
Eu já disse que há uma enorme carga de
poesia em
Grande Sertão :
Veredas , em
A Paixão
Segundo GH. Há poesia
num quadro de Van
Gogh, num filme de Herzog, num
pôr-do-sol no rio Negro ,
num fim de tarde
em São
Paulo, num passo de contradança ,
e, com o perdão
da má palavra , também se encontra poesia
num sorriso de criança .
Especialmente, quando ela está morrendo de fome.
8.
Conclusão: a poesia não precisa do
poeta, porque a poesia pode estar em qualquer lugar. É ter sentidos para sentir
– olhos para ouvir, nariz para escutar, ouvidos para cheirar, mãos para ver e
língua para tatear.
9.
Por que, então, esses poetaços infestam
o planeta com papel borrado pelas suas banalíssimas dores de corno, suas rimas
infinitivas, seus malditos adjetivos, sua falta de ritmo, sua métrica
atravessada, sua ignorância da tradição?
10.
O prefixo des- denota oposição, negação ou falta, caracterizando-se ainda por
reforçar a intensidade negativa do que se quer exprimir. Despoesia, portanto, é
ausência de poesia. É a negação do estado poético. É não-poesia.
11.
É despoesia, pois, o que os poetastros
fazem.
12.
E o que a “poetisa” Franciná Lira tem a
ver com tudo isso? Ela reservou para si um lugar na crônica cômica do Amazonas
ao escrever o mais ridículo de todos os livros da poesia amazonense desde a Muhuraida. A concorrência é grande, é
verdade, mas a “poetisa” ganha fácil. A começar pelo título tautológico: A rosa e o beija-flor – beija-flor e outros
poemas.
13.
As orelhas trazem um poema cada, e a
quarta capa, um terceiro poema. Para o leitor de prateleira, deveria bastar o
título do primeiro: “Amar é”. Além do cacófato explícito, o plágio descarado da
fórmula desgastada há mais de 30 anos do casal de olhar maconhado, dizendo
coisas infames, do tipo: “amar é... viver um dia de cada vez.”; ou “amar é...
deixar ele ficar com o controle remoto.” Para a “poetisa” Lira (essa lira deve
ser uma evocação da moeda, não do instrumento milenar), entre outras sandices,
“amar é querer você sempre ao meu lado”.
14.
Indo direto para o miolo do livro,
dividido em três partes: “A rosa e o beija-flor” (transcreva a expressão no
Google e veja quanta originalidade...); “Fileo” (poemas dedicados, como o
título tolo, de cultura de almanaque, sugere); e “Diário” (diz-que sob
influência de Drummond; e agora, José?).
15.
Diabéticos mantenham-se longe da
primeira parte do livro: “Quando o amor acontece / o banco da praça adormece”;
para não ver a sacanagem, talvez...; “Na loucura do amor / beijo-te sem demora”;
“Amo. / simplesmente amo”; “O doce sabor do desejo está em teus beijos”[1]; e
por aí vai: desperdício de papel e tinta...
16.
As imagens são até engraçadas, de tão pueris:
“Crepúsculo sombrio, multicor.” Se é sombrio, como pode ser multicor? “Universo
solitário, sem calor.” Se universo é um conceito totalizante, como pode ser só?
E que importância tem a temperatura? “Solidão que sozinha passo”[2] –
é uma espécie de refrão, quatro vezes repetido no “poema”: de novo, a miserável
tautologia – solidão sozinha... Ora, bolas!
17.
A recorrência rosa/beija-flor, de óbvia
conotação sexual, espalhada em todo o livro, tem seu coroamento na tentativa de
poema “Primavera”: “A primavera chegou! / O sol está surgindo... / A natureza
está em festa! / Meu jardim está florido. / É primavera!” Nada poderia ser
pior!
18.
Mas claro que poderia! “Crajiru, o que
fazes aqui? / Vivo verde que desinflama, / Peço-te que cures o meu coração /
Que, no asfalto, desfalecida estou!” (“Refúgio”). Sério, é a “isso” que
Franciná Lira chama de poesia influenciada por Carlos Drummond de Andrade!!! PQP!!!
Todo mundo em coro, de novo: PQP!!!
19.
É desnecessário dizer que a “poetisa”
não tem nenhuma noção da técnica poética. Ela não sabe o que é ritmo, não sabe
extrair música do poema. Por isso, a maioria de seus pretensos textos não
passam da mais reles prosa, como neste “Angelo”, da segunda parte: “Existem
sonhos que levamos anos para realizá-los / outros que em toda existência não
realizamos...” Já sabemos que não há música, tampouco imagens, então vamos ao
nível das ideias: tente entender a complexidade da relação “sonhos x tempo” –
tem a profundidade de um vaso...!
20.
No capítulo recorrência tautológica: “O
relógio do tempo não para” (“Cais”). Bolas, ora! Há clichê mais estúpido que
“relógio do tempo”? Nem “luar de prata” ou “aurora da vida”... “Emana a
escuridão sombria” (“Helena”); escuridão sombria? Qual seria o tom dessa escuridão?
Violeta, marrom, verde-musgo, amarelo-bosta?
21.
O prêmio de “poema” mais ridículo do
livro, uma escolha dificílima, vai, pela soma dos vetores, para o que
homenageia o patrocinador da edição, o refrigerante Guaraná Tuchaua. Vou me
poupar de citá-lo na íntegra, pois não conseguiria conter o vômito, vai apenas
a quadra final: “Sou caboclo / sabor guaraná. / Na Amazônia, / sou Tuchaua!”
22.
Pausa para uma pergunta indiscreta: de
onde o vomífico xarope busca recursos para suas investidas pseudoculturais? Dos
cofres públicos, certamente: é o meu, o seu, o nosso dinheiro usado para espalhar
lixo irreciclável na superfície do planeta doente.
23.
Não vou falar dos erros de digitação e
pontuação, que devem ser creditados à tosca edição, afinal o negócio dos caras
é vender água suja com açúcar, não fazer livros. Mas não resisto a registrar a
ousadia da “poetisa” ao forjar palavras: “frenetismo das ondas”, por exemplo,
usado duas vezes (“Cais” e “Naiá”). Alguém aí do outro lado sabe o que é
frenetismo? Nem eu. Mas no capítulo palavras doidas, leva o prêmio “mantenho-me
sangrante”, em “T.P.M” (sic): é fácil
adivinhar o que a “poetisa” quis transmitir...
24.
Inventar palavras sem querer é
ignorância, usá-las mal, entretanto, é apenas lambança, porque as imagens não
se realizam: “coração latente” (“Pictórica”), por exemplo, é claro que a infeliz
autora quis dizer latejante... “Céu, terra, água e mar / gotejam em arco-íris”
(“Pictórica”): de que será que ela pensa que o mar é feito, senão de água?;
“Sou a aurora dos teus sonhos, / A sinestesia da existência tua” (“Cavalete”).
Eu garanto que essa senhora, que não sabe usar nem os seus cinco sentidos, jamais
entenderá o conceito de sinestesia – para ela, deve ser apenas uma palavra
bonitinha, que ela quer tornar ordinária...
25.
Às vezes, o humor é involuntário, vejam:
“Eu não quero ser prefeita.” (“Ser ou não ser”). No mesmo “poema”, mais adiante,
ela afirma que quer “Sobreviver ao capitalismo. / Sobreviver ao socialismo
insocial, / Sobreviver ao modernismo imoral!”. Parece pavulagem, mas é apenas parvoíce!
Como diria aquele conhecido e folclórico ex-prefeito, que tanto mal fez a esta
cidade, “Então, morra!”
26.
Agora, falando sério. “Monossilábico” é
o “poema” que traduz com perfeição a “poesia” da “poetisa” Franciná Lira:
“Muito ouço, / Nada falo. / Quando muito falo / Nada digo...” Sem comentários,
é autoexplicativo.
27.
Alguém percebeu onde entra a influência
de Drummond, que, ela diz, começou aos 14 anos? Pura mistificação... Dando
“palestras” a jovens desavisados, orientados por professores que mal leram
Casimiro de Abreu, a “poetisa” cria para si um falso passado. Porque se em 30
anos isso foi tudo o que ela aprendeu com Drummond, trata-se de um caso
perdido: a primeira coisa a aprender com Drummond é a ter autocrítica, palavra
que a “poetisa” desconhece...
28.
O saudoso Anibal Beça, que vivia repetindo o bordão de Américo Antony
– “ou é muita poesia ou muita porrada!” –, dizia, sempre
muito sério, que não havia poeta tão ruim que não cometesse pelo menos um bom
poema, ou pelo menos uma boa estrofe – na pior das hipóteses, um verso pelo
menos razoável. E citava, de memória, exemplos que comprovavam sua tese, do
estrelado J. G. de Araújo Jorge até obscuros e pretensos poetas de nosso amazônico
e provinciano convívio.
29.
Não viveu bastante o grande Anibal para
conhecer Franciná Lira, a negação definitiva de sua generosa tese.
30.
E para não dizer que só falei de fezes,
transcrevo um poema de Gregório de Matos (1636-1695), com o mesmo tema da
indigitada “poetisa”:
Se
Pica-flor me chamais,
Pica-flor
aceito ser,
mas
resta agora saber,
se
no nome que me dais,
meteis
a flor, que guardais
no
passarinho melhor!
Se
me dais este favor,
sendo
só de mim o Pica,
e
o mais vosso, claro fica,
que
fico então Pica-flor.
Para conhecer melhor a “poetisa”
Franciná Lira, leia a crônica de João Sebastião:
Separando a medicina dos ritos de cura
João
Bosco Botelho
Em
contraponto à cura mágica da doença entendida como forma de castigo aos
pecadores, as práticas médicas laicas constroem e reconstroem a busca da
materialidade da doença. Desde o século 4 a.C., na Escola Medica de Cós, sob a liderança
de Hipócrates, a teoria dos Quatros Humores, idealizada por Políbio, iniciou o
processo para retirar dos deuses e deusas a primazia da saúde e da doença. Por
essa razão, usando a linguagem de Bachelard, eu a entendo como primeiro corte epistemológico na busca da
materialidade da doença.
A associação entre as idéias da Escola
Médica de Cós e a filosofia jônica possibilitou avanço gigantesco — a Medicina
como Paideia — estabelecendo a ponte que ligaria, para sempre, a busca laica da
causa das doenças.
A
Medicina como Paideia abriu o caminho ao avanço da medicina oriunda das
universidades. É possível compor cinco alicerces fundamentais da physis, da estrutura teórica jônica, embutidos
na Medicina como Paideia:
—
Como universalidade e individualidade: todas as coisas têm a sua physis própria, os astros, os ventos, as
águas, os medicamentos, o homem com as suas partes e as doenças (Das Epidemias, distingue: ”...a physis comum de todas as coisas, da
physis própria de cada coisa”;
— Como
princípio: a physis é o princípio (arkhé) de tudo que existe (Sobre os Lugares e o Homem, lê-se: “A physis do corpo é o princípio da razão da
Medicina”).
—
Como harmonia: na sua aparência e na sua dinâmica a physis é harmoniosa; é a ordem que se realiza com beleza. A
natureza é harmoniosa e produz harmonia;
—
Como racionalidade: a natureza é racional em si mesma. Por esta razão existe
uma fisiologia; a ciência na qual o logos
do homem se harmoniza diretamente com os logos
da natureza;
—
Como divindade: a physis é em si
mesma divina.
Esse
é um dos aspectos mais interessantes na Medicina, na Grécia, do século 4 a.C.:
mesmo sem ataques aos deuses protetores da saúde, em especial, ao deus
Asclépio, os médicos de Cós e os filósofos estabeleceram elos duradouros entre
o binômio saúde-doença com a natureza circundante, como está presente na introdução
do manuscrito Dos Ventos, Águas e Regiões,
de autor desconhecido, escrito no século 4 a.C. (Daremberg. Oeuvres Choisies d’Hippocrate. Paris.
Labe Éditeur. 1855. p. 1050):
“Quem quiser aprender bem a arte de médico
deve proceder assim: em primeiro lugar deve ter presentes as estações do ano e
os seus efeitos, pois nem todas são iguais mas diferem radicalmente quanto à
sua essência especificada e quanto às suas mudanças. Quando um médico chegar a
uma cidade desconhecida, deve determinar, antes de mais nada o que se refere às
águas e à qualidade do solo, pois a mudança nas doenças do homem, está relacionada
com a mudança do clima”.
Não
é demais repetir que Platão (Político,
296a-b-c) sistematizou o pensamento corrente da época ao descrever a nova
postura do médico e a do político. Ambos, baseados nos respectivos saberes,
deveriam, sempre que necessário, intervir na sociedade para promover melhoras.
quarta-feira, 20 de maio de 2015
terça-feira, 19 de maio de 2015
Perde e sai
Pedro
Lucas Lindoso
Hillary
Kathyanne anda deveras atarefada desde o início do Peladão.
O
campeonato existe há mais de 40 anos. Hillary é diretora de um dos 737 times
inscritos neste ano.
Além
de mostrar qual o melhor time de futebol amador de Manaus, o Peladão vai eleger
a musa mais bonita das equipes. Portanto, não basta ser só bom de bola. O time
precisa de uma garota bonita e disciplinada para se tornar a Rainha do Peladão
e virar celebridade.
Hillary
já foi musa de seu time. Só uma vez, por insistência da galera. Ela diz que não
é sua praia. Gosta mesmo é dos bastidores.
Como
diretora financeira, já organizou inúmeras feijoadas para angariar verba para o
time. Todas animadíssimas. A única feijoada de triste memória foi no ano de
2010. Hillary namorava um tão de Chicão que, com ciúmes do centro avante Robert
Masterson, quase acaba com a festança.
Mas
durante o campeonato não conte com Hillary para nada a partir de sexta-feira. Os
jogos acontecem sábado à tarde e domingo pela manhã. Mas já na sexta começam as
estratégias de apoio ao time.
Um
jornal local patrocinador do evento publica, toda sexta-feira, um encarte com o
horário dos jogos, classificação, fotos das meninas e notícias gerais do
campeonato.
Sábado
pela manhã tudo tem que estar organizado. É preciso providenciar água, gelo,
laranja e banana para os jogadores.
Hillary
tem a função de fazer os cartões de falta, de cores amarelo e vermelho. Não
existe juiz fixo no Peladão. Os árbitros e assistentes são indicados pela
comissão organizadora, geralmente dentre outros times que disputam o peladão.
Esse
ano Hillary conseguiu, além do patrocínio de uma loja de material de
construção, o apoio de um lanche famoso do bairro. Pode finalmente mandar fazer
camisas para toda a torcida.
O
time já passou pela primeira fase e também conseguiu sair-se bem na segunda.
Está entre os 100 melhores. O que já é uma vitória.
Mas
a coisa não é fácil. Às vezes falta jogador e o pessoal tem que correr atrás do
caboclo faltoso. Ou o cara está bêbado ou simplesmente sumiu. È uma agonia.
Domingo
passado foi triste. Passada a primeira e segunda fases, começa o “perde e sai”.
E o time de Hillary saiu.
Mesmo
assim não faltou cerveja e o pagode de sempre, na casa do presidente. As
esperanças para o próximo campeonato se renovam, na confiança do time ser
campeão e convencer Hillary a desfilar de biquíni, como musa do peladão.
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