Zemaria Pinto
Num ensaio sobre Octavio Sarmento (em
A Uiara & outros poemas), chamei a atenção para o desencontro de informações quanto à data de fundação da Academia Amazonense de Letras. Três datas aparecem de diferentes fontes, todas elas nomeadas naquele trabalho: os dias 1º, 07 e 17 de janeiro de 1918
[1]. Tendo como fonte as edições de 06, 09, 10 e 11 daquele ano do jornal diário
A Capital, podemos afirmar que a instalação solene da Sociedade Amazonense de Homens de Letras, nome original da AAL, deu-se a 09 de janeiro de 1918, uma quarta-feira.
Pela importância do acontecimento e por se tratar de uma fonte primária sobre a qual não pairam dúvidas – nem quanto à veracidade nem quanto à possibilidade de erros de interpretação – transcrevo a seguir a notícia principal, integralmente, veiculada na edição de 11 de janeiro. As demais edições têm o seguinte conteúdo, lembrando que todos os registros foram feitos na primeira página do citado diário:
06/01/1918 – registra o recebimento do convite para a instalação da Sociedade Amazonense de Homens de Letras, às 20 horas do dia 09 de janeiro, no salão da Assembléia Legislativa;
09/01/1918 – noticia a fundação da SAHL, a ocorrer naquela noite, e dá alguns detalhes da programação a ser desenvolvida;
10/11/1918 – em nota breve, informa sobre a solenidade, prometendo para a edição seguinte todos os detalhes do acontecimento. Com o título
Sociedade Amazonense de Homens de Letras – sua brilhante inauguração, foi assim noticiado o fato:
Foi inaugurada, em Manaus, uma Sociedade de Homens de Letras. É oportuno registrar que a realização dessa tentativa é devida ao esforço e principalmente à energia moral de intelectuais de prestígio, vencendo à resistência do meio, notadamente hostil, senão às belezas da Arte e das Letras, ao menos às organizações semelhantes a que se inaugurou auspiciosamente na noite de anteontem, no principal salão da Assembléia Legislativa do Estado.
Foi pelo menos isso que deixou transparecer em seu belíssimo discurso de abertura da sessão, o ilustre presidente da Sociedade, Adriano Jorge, um dos espíritos mais cultos dos nossos círculos intelectuais.
À sessão compareceu o que Manaus possui de mais seleto em todos os ramos da atividade pública e o mundo oficial, pela representação dos seus mais notáveis elementos. À mesa da direção, por exemplo, tomaram lugar, ladeando Adriano Jorge, os drs. Alfredo da Matta, presidente da Assembléia Legislativa; Hamilton Mourão, secretário geral do Estado, representando o sr. dr. governador do Estado; Ayres de Almeida, superintendente municipal; padre dr. José Thomaz, secretário do bispo diocesano, d. João Irineu Joffely.
Na bancada destinada aos membros da Sociedade, viam-se os srs. Jorge de Moraes, Benjamin Lima, Alcides Bahia, Thaumaturgo Vaz, Araújo Filho, Dorval Porto, Araújo Lima, Benjamin de Sousa, João Leda, Generino Maciel, Raymundo Monteiro, Virgílio Barbosa, Odilon Lima, Carlos Chauvin, José Chevalier, Álvaro Maia, Aurélio Pinheiro e Paulo Eleuthério, ocupando o conferencista do dia, Péricles Moraes, um lugar de destaque à frente do auditório, onde se destacavam também, exmas. senhoras e senhorinhas de nossa alta sociedade. Ali vimos: Madames Agapito Pereira, Raymundo Monteiro, Britto Pereira, Agnello Bittencourt, Carlos Chauvin e senhorinhas Maria Luiza Saboya e Zulmira Cruz.
Às 20 horas e poucos minutos, após a execução de várias peças pela banda de música da Força Policial do Estado, foi aberta a sessão, proferindo o presidente o seu magnífico discurso inaugural, a que antes nos referimos.
Teve a palavra, em seguida, o sr. Péricles Moraes, que ocupa a cadeira patrocinada por Gonzaga Duque, iniciando a sua brilhante peça literária sobre O Tolstoismo e a verdadeira concepção da beleza, ocupando a atenção de todos numa dissertação que mereceu os mais justos e calorosos aplausos.
Antes, Péricles Moraes fizera a apologia do seu patrono, o admirável escritor dos Graves e frívolos. Fez, ainda, o estudo crítico da obra de Gonzaga Duque e salientou a característica de sua arte.
No desenvolvimento da tese que constituiu a parte mais importante de sua conferência, o orador foi imaginoso e fecundo, fazendo a longa e torturada psicologia artística de Tolstoi, o incomparável solitário de Yosnaia Poliana, misto de demagogo e de artista, cujo nome atravessou as fronteiras da Rússia e causou a admiração do mundo, como o filósofo mais singular do seu tempo.
A sessão terminou perto das 22 horas, retirando-se toda a assistência muito bem impressionada pela Sociedade de Homens de Letras.
Além dos intelectuais que citamos acima, são ainda membros da Sociedade, constituindo um total de 30, os srs. Raul de Azevedo, Coriolano Durand, Jonas da Silva, Octávio Sarmento, Nunes Pereira, Heliodoro Balbi, Genésio Cavalcante, Huascar de Figueiredo, Gaspar Guimarães e Mendonça Lima.
São patronos das trinta cadeiras: Machado de Assis, Aluisio de Azevedo, Raymundo Corrêa, Oswaldo Cruz, Francisco de Castro, Cruz e Sousa, Martins Junior, Affonso Arinos, Sylvio Romero, Gonzaga Duque, Joaquim Nabuco, Rio Branco, Annibal Theophilo, Euclydes da Cunha, Escragnolle Thaunay, Eduardo prado, Thomaz Lopes, Adolpho Caminha, Raul Pompéia Tito Lívio de Castro, Torquato Tapajós, B. Lopes, José Veríssimo, José do Patrocínio, Sousa Bandeira, França Júnior, Lafayette, Farias Britto e Maranhão Sobrinho.[2]
Nota-se que foram enumerados apenas 29 patronos. Faltou o nome de Tenreiro Aranha. Acrescente-se ainda que, contrariando versão amplamente divulgada, de que na noite da instalação todos os acadêmicos estiveram presentes, apenas vinte deles compareceram, sendo nomeados claramente os ausentes.
A Capital. Detalhe da primeira página. Manaus, 11 de janeiro de 1918. Arquivo do IGHA.
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[1] Mário Ypiranga Monteiro, em conferência proferida a 03.01.1968, publicada no Nº 12 da Revista da Academia Amazonense de Letras, datada de julho de 1968, informa que a instalação da SAHL se deu a 07.01.1918. Genesino Braga, no livro Nascença e Vivência da Biblioteca do Amazonas, noticia o mesmo fato como tendo ocorrido no dia 17 de janeiro de 1918. Péricles Moraes, em artigo publicado na Revista da Academia de setembro de 1955, escreve, referindo-se ao que aconteceu após a decisão de fundar a SAHL, que a tradição consagrou como 01/01/1918: “semanas depois, a arrancada da inteligência congregava em sessão ordinária os trinta membros convocados, que a ela compareceram sem exceção de um só.”As informações aqui divulgadas repõem a verdade dos fatos.[2] A CAPITAL. Manaus: 11 de janeiro de 1918. Arquivo do IGHA.