Birth Of Venus. Jason Chan. |
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Curso de Arte Poética
Jorge Tufic
II.3.3
- A RIMA
As
rimas podem ser classificadas em vários tipos:
·
leonina;
ela ocorre quando tônica, que marca a cesura mais forte, dividindo o verso em
dois segmentos ou hemistíquios, coincide por identidade tonal com a tônica da
palavra final do verso: “por não nos maguarmos
ou mudarmos” (idem);
·
grave;
também chamadas FEMININAS ou PAROXÍTONAS. São rimas com palavras acentuadas na
penúltima sílaba, como no seguinte exemplo que nos dá Geir Campos:
O que me espanta na vida,
a que nunca foi vivida,
não é sabê-la perdida.
É ver que tudo vem dela:
vive nela.
(Emílio
Moura)
·
pobre;
rima com palavras da mesma categoria gramatical, substantivo com substantivo,
advérbio de modo com advérbio de modo, verbo com verbo na mesma pessoa e tempo,
e daí por diante (idem). Ex: “silêncio agora mais fundo/dorme num sono
profundo”;
·
rima
rica é a rima com palavras de categoria gramatical diferente, de substantivo
com adjetivo, verbo ou advérbio: “Azul celeste à parede/Sobre o papel que a
reveste... E é toda a câmara, vede,/Azul celeste”;
·
rima
toante; é a rima que apresenta semelhanças apenas de vogais; chama-se toante,
assoante, imperfeita ou parcial: “Ai, flores, ai flores do verde pino/se sabedes novas do meu amigo?”;
·
rimas
consoantes; soantes, perfeitas ou totais; rima com identidade de tom na sílaba
tônica e na articulação consonantal da sílaba seguinte, sem no entanto ser
idêntica a sílaba de apoio da tônica: “Nasceu pelos calores de janeiro/Às três da madrugada.../E foi
ele o primeiro” (Mário Pederneiras,
ct.por Raul Xavier)
·
rimas
perfeitas; rimas de palavras com identidade fonética na sílaba tônica e na
estrutura consonantal das sílabas subsequentes: “Deixava a pátria e verdade/Ia
morrer de saudade” (ib);
·
rimas
imperfeitas; é o caso ao inverso, como se lê em Arthur Azevedo: “É caso
decidido os doutro sexo:/Não têm, não podem ter na casa ingresso”;
·
rima
anagramática; rima com palavras cuja sílaba tônica é idêntica, sendo, no
entanto, diversa a estrutura silábica: lava, alva; dona, onda;
·
rimas
intercaladas; são as rimas que intercalam uma unidade rítmica em outra, segundo
a estrutura abba bccb cddc, etc. Ex: agas/endo/endo/agas;
·
rimas
internas; são as rimas feitas entre palavras dentro dos versos, como neste
exemplo do “Livro de Sonetos” de Jorge de Lima: “Olhos, olhos de boi
pendidos vertem/prantos por quem se foi.
Ouvidos ouvem,/calam. Crepes enlutam
as janelas./Fundas ouças escutam seus
gemidos”;
·
rimas
cruzadas; as que se distribuem de forma alternada, uma a uma, conforme a
estrutura abab (NNC, obra cit.);
·
rima
peregrina; rima com palavras raras ou de uso invulgar, como marulhos com tortulhos
ou pântanos com espanta-nos, etc;
·
rima
equívoca; é a rima com palavras homônimas, homógrafas, homófonas, que variam de
categoria gramatical, por metassemia
ou mudança de significação: “Chegada a frota ao rico senhorio/Um português
mandado logo parte/A fazer sabedor o
rei gentio/Da vinda sua a tão remota parte”
(Camões), (RX, obra cit.);
·
rimas
exóticas; são rimas com palavras de idioma estrangeiro;
·
rima
erudita; rima com termo do vocabulário científico, filosófico ou de língua
morta (idem). Augusto dos Anjos pode servir como exemplo.
É
bastante extensa, porém, a nomenclatura da Rima, com seus desdobramentos e
novidades. Sua “história”, inclusive, desperta o maior interesse quando ficamos
sabendo que os poetas gregos e latinos demonstravam ser a rima dispensável ao
poema e poemeto, em sua condição de obra de arte feita com palavras. “A rima –
esclarece Raul Xavier – teve sua origem em um complexo processo linguístico,
que se processou desde o primário processo de emissão oral dos fonemas, até os
da sensibilidade estética e intelecção com objetivos sócio-culturais” (...) “A
intenção de exprimir, salientar prosodicamente um motivo, não estaria
divorciada das vozes fonossimbólicas. No latim, observa ainda Marouzeau, “a
pouca variedade de desinências nominais e verbais implicava em algo de
monotonia”. O mesmo latinista assinala que a ocorrência do homeoteleuten no final dos membros simétricos toma o aspecto de
rima, sendo esta um dos elementos do carmen,
acrescentando: “Como o hometeoteleuton,
muitas vezes combinada com ele, a rima redobrada confere ao enunciado tal valor
que ela se encontra, particularmente nos poetas e sobretudo em composições que
tenham de produzir certos efeitos.”
Tal
como as espécies literárias do gênero Poesia, o elenco da Rima, por sua vez,
mobiliza um número considerável de denominações relativas aos seus diversos
manejos: Alguns exemplos apenas: ACATALÉTICA - com palavras paroxítonas; AGUDA
- com vocábulos oxítonos ou monossilábicos; ALEIJADA, ALITERADA, ALOFÔNICA,
AMPLIFICADA, ANTITÉTICA, ARCAICA, ARTIFICIAL, ASSOANTE, BARÍTONA, BISESDRÚXULA,
CAUDADA, COMPLETA, CONSOANTE, CONSONÂNTICA, CONTINUADA, COROADA, CRUZADA,
DATÍLICA, DERIVADA, DISSILÁBICA, DISTANTE, ECOANTE, EM ECO, EMPARELHADA,
ENCADEADA, ENTRELAÇADA, EQUÍVOCA, ERUDITA, EXÓTICA, EXPLETIVA, EXTERNA, FALHA,
FECHADA, FEMININA, FIGURADA, FONÊMICA, GEMINADA, GRAVE, IÂMBICA, ÍMPAR,
ISOSSILÁBICA, LEONINA, etc. etc. etc.
Os
“Dicionários de Rimas”, a exemplo do que citamos alhures, costumam esmerar-se
pela riqueza de informação e excelente metodologia, para o bom desempenho da
consulta. Começam, portanto, com substantivos monossilábicos: À, chá, fá, K,
lá, pá, pá, Sá, xá; e vão, num crescendo: dissílabos, trissílabos,
quadrissílabos e daí para os verbos, substantivos, adjetivos, etc. Vale a pena
ter um, para os momentos de maior dificuldade. A sugestão é válida, pois
somente assim é possível verificar a fertilidade de vocábulos, por exemplo,
terminados em ia, im, osa, or, entre muitos outros.
domingo, 28 de outubro de 2012
sábado, 27 de outubro de 2012
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
“Rasos d’água”, pélago profundo 1/2
Zemaria Pinto
Na apresentação da poesia reunida de Astrid Cabral – De
déu em déu (1979-1994) –, Antônio Paulo Graça observou na obra duas linhas
de força: “uma que investe na interioridade (pessoal e geográfica), outra que
busca decifrar o enigma do exterior, sejam os países, sejam as ameaças da
existência”. Graça analisava os cinco primeiros livros de poemas de Astrid.
Dois livros se seguiram àquela coletânea: Intramuros, de 1998, e este Rasos
d’água, cuja primeira edição é de 2003. Intramuros divide-se em três
partes: o próprio título, “Jaula” e “Extramuros”. A primeira e a terceira
confirmam, literalmente, a observação do crítico; a segunda parte não a nega.
A poesia de Astrid Cabral é mesmo toda feita dessa
matéria que se forma na memória, sedimentada pelo tempo: pequenos
acontecimentos cotidianos, domésticos; Rio de Janeiro, Recife, Manaus; Cairo,
Beirute, Chicago; viagens, viandas, vertigens. A memória buscando o quando e o
onde, e encontrando o talvez, amalgamado com os fatos da manhã chuvosa que não
finda nunca. Confirmamos isso na leitura de Rasos d’água. Dividido em
duas partes, “Copo de mar” e “Barquinhos de papel”, o livro é uma viagem épica
pela memória líquida, das lágrimas à neve, banhando-se de chuva, perscrutando o
mar, os rios inúmeros, em permanente tensão com o pathos da morte, que
ora se aproxima e sangra, ora se afasta e observa a velhice inevitável, ora
apenas lembra/relembra a dor para sempre represada.
Proponho ao leitor um passeio sequenciado pelos poemas
de Rasos d’água. Será, assim, mais simples estabelecer as conexões com o
mote que tomamos emprestado ao saudoso Paulo Graça. “Copo de Mar” abre com uma
declaração que prepara o leitor para a viagem que se inicia:
(...) não peço a Deus balsas
barcaças nem praias.
Só um coração couraçado.
A palavra “couraçado” deve
ser lida com o duplo sentido que ela encerra: o metafórico, de navio de guerra,
preparado para o combate mais violento; o literal, de armadura impenetrável,
que deriva no entendimento de insensível, sem emoção. É isso o que pede o eu
lírico: distanciamento para cantar os fatos que a memória guarda como ondas,
ora de violentas tempestades marinhas, ora de pedrinha atirada formando
círculos no lago sereno.
Os poemas que se seguem têm
como motivos a perda e a sobrevivência, sempre na presença do elemento líquido:
Afinal, as
coisas não mudaram nada
e ninguém
suspeita
do
naufrágio seguido de milagre.
Meus
olhos, porém, mudaram o cosmos.
Puseram
esta lágrima boiando
no rosto
do mundo.
(Sobrevivência)
Por que esta ânsia de sobreviver
assim se amoita no âmago de mim (...)?
Por que morrer me assusta e paralisa
se o que temo perder, de longe sei
nada tem de eldorado ou paraíso?
(Crepúsculo)
O que me espanta
não é a morte
mas a vida, diga-se
a subvida da sobrevida.
(De coração
partido)
O confronto Eros versus Tânatos parece não
apontar vencedor. Mas a voz do eu lírico vai serenando, o soluço desatado
transformando-se em doce lamento, até o equilíbrio resignado da convivência com
a dor:
Mas esta dor não é algo
que se veste ou despe.
É coisa que respira comigo
algo por dentro da pele.
(A companheira)
A sequência de reflexões sobre a velhice é pontuada de
autoironia e um leve amargor, mas sempre acompanhados de imagens de forte apelo
poético:
Éramos potros selvagens
farejando precipícios
pelas pastagens do mundo.
No curral ainda nos sobra
a noção do tesouro perdido
e essa ração de memória
é a esmola que nos cabe.
(Metamorfose)
Não falta nem mesmo um toque (involuntário?) de humor
ao reclamar da “falha divina”, recriando a velha anedota criacionista:
Por favor não falem de
maturidade e sabedoria.
Pois de que valeriam
atrasadas, sem serventia,
na instância de sufoco
do corpo em atrofia?
(Terceira
idade)
A reflexão sobre o tempo deságua naturalmente no
exercício da memória. Mas não são apenas registros de lembranças. Antes,
intertextos com o presente:
Era a glória da inocência.
Ainda éramos meninas!
A dor só lambera a pele
não cravara ainda os dentes.
(Na glória)
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Candinho e Inês, entre rimas e canções
Os artistas Candinho e Inês estarão no dia 26/10, a
partir das 21h, na Associação dos Servidores do Inpa – ASSINPA, com o Show
“Entre Rimas e Canções”. O show faz parte da Programação Comemorativa aos 30
anos de história da dupla na cena musical de Manaus. Nesta noite, em especial,
Candinho estará lançando seu primeiro livro de poemas, com o título Flores
pra enfeitar o chão da manhã, vencedor do Prêmio Violeta Branca Menescal,
na Categoria Nacional, promovido pelo Conselho Municipal de Cultura.
O evento contará com as participações especiais do
cantor e compositor Antônio Pereira e do Poeta paranaense Altair de Oliveira.
Parte da arrecadação será destinada ao Projeto
Cultura pela Vida que desenvolve ações de assistência social.
Os ingressos já estão à venda no valor de R$ 10,00.
(Pelos telefones e na banca de revista do Largo São Sebastião)
A ASSINPA fica na Rua da Lua, s/n – Conj. Morada do
Sol.
Outras informações pelos telefones 9112-3481 ou
9125-5409.
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Curso de Arte Poética
Jorge Tufic
II.3.2
- O RITMO
Regular,
uniforme ou complexo, o ritmo do verso é geralmente marcado pela
intensidade (ritmo acentual), pela duração (ritmo quantitativo) ou pelo timbre
(ritmo qualitativo), ou seja, pelo apoio nos elementos fortes da fonação, pelo
tempo de prolação de um fonema ou grupo de fonemas, ou pela tonalidade, “se for
referente à ocorrência de alguns sons” (“Vocabulário de Poesia”, Raul Xavier,
Ed. Imago/Mec, RJ, 1978). O ritmo tem sido apontado como um dos fatores que
distingue a prosa da poesia, ou a prosa comum da prosa poética. No verso,
contudo, quer seja livre ou metrificado, o ritmo “pulsa” ou transmite a
linguagem poética.
São
os apoios rítmicos ou cesuras que respondem pela sequência de
sílabas fortes e fracas que formam os versos e as estrofes de um poema, como
antes ficou demonstrado (O METRO). Segmentos rítmicos se denominam, portanto,
“unidades de sons” ou sílabas métricas, delimitadas sempre, pelo ritmo. Como
neste exemplo “bolado” aqui mesmo, nesta sala de aula:
Morre o homem/fica a roupa,
Cai o muro/passa a nuvem,
Passa a nuvem/brota o sonho
domingo, 21 de outubro de 2012
sábado, 20 de outubro de 2012
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 4/4
Zemaria
Pinto
Capa da plaqueta, publicada em 1993. |
Simão Pessoa – Num dia qualquer de não sei
quando – não botou data na dedicatória –, procurei o stand da Livraria Cabocla.
Feira do Livro, Praça São Sebastião: "você compra o livro aqui, o
autógrafo é ali no Armando", me diz o Ruy. Era o Brinca Comeu Brinco,
reunião de cinco livros anteriores, obra completa antes dos 30 anos. O pouco
que conhecia dos jornais escancarava-se naquele livrinho raro: o lirismo
perverso, do tipo que antagoniza o leitor, avisava logo no primeiro poema de Old
Fashioned:
sei que escrevo pra mim mesmo
E não havia sequer vestígios do remorso elementar com que é tratada a cultura aldeã. Dessacralizar a pasmaceira geral era a palavra de ordem daquele exército individual:
caldeirada de bodó
moqueca de jaraqui
filé de tucunaré
costela de tambaqui
suco de jenipapo
batida de buriti
creme de graviola
sorvete de açaí
e no final do embate
a diarreia à la carte
Nem o guaraná velho de guerra era poupado:
no mercado central
turista quer guaraná
coitado pensa que é fácil
fazer pica levantar
Em Ócio dos Ofídios predomina um lirismo comprometido com um 1978 que parecia não ter fim. À maneira de Bacellar, poemas dedicados às frutas amazônicas, terenas, andirás e o belo "Distrito
Industrial". Ecológico antes da moda, jamais chato. Os poemas de Carajo retomam a lírica escrachada, em sintonia com a manhã anunciada:
estava tão excitado
que nem tirou a chuteira
mordeu os seios com força
quase arrancou os mamilos
meteu o dedo na xana
arrebentou o clitóris
ainda se não bastasse
a ejaculação foi precoce
agora quer o divórcio
a mulher do torturador
Há registros de uma insuspeita alegria, denunciada pelas referências infantis que pedem uma algazarra ao fundo:
Ivo ganhou uma ave
a ave de Ivo voa
baleei a ave do Ivo
Ivo ficou puto
Ivo me dedou pro velho
Ivo é um viado
Ou:
O cravo transou a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu sorrindo
a rosa descabaçada
Essa alegria não disfarçada tem seu contraponto natural na placidez onírica de um poema que tem tudo para passar desapercebido em sua singeleza, se não despertasse o leitor com o vigor das palavras escolhidas:
era dia de S. Cosme
com crianças e cirandas
vestias uma camisola
recendendo a lavanda
foi sonho ou foi delírio
a trepada na varanda?
Em Miss Heartbreak a persona lírica é feminina e o poema desenvolve-se de maneira uniforme e sequenciada: da primeira dentição ao primeiro aborto, passando pelas experiências sensoriais mais elementares – a masturbação ao som de Eric Clapton, o primeiro porre, as paixões adolescentes, overdose, ácido, sodomia, cursinho, feminismo – até o fim:
e partiu assim de repente
deixando um vago na gente
O poema "Loba das Estepes" sintetiza o pensamento de Miss Heartbreak:
os homens me temem pelo que represento
subvertendo o jogo secular do jugo
(...)
para que da triste memória
do passado tão recente
se dê à luz uma nova mística feminina
e que eles de repente
percebam
que trinta paus não valem uma vagina
Fecha o volume o maiúsculo Trastes & Contraste, ultrassonografia poética desta cidade maluca:
são tantas cidades em uma só
que só conheço a menor
que só conheço a pior
Ah, querida leitora, prezado leitor. Se tiveste paciência para até aqui acompanhar-me, dir-te-ei o que me moveu a escrever estas parcas laudas: vinte palavras, leitora, vinte palavrinhas, leitor, que me calaram fundo na magrugada em que as li:
sei que escrevo pra mim mesmo
E não havia sequer vestígios do remorso elementar com que é tratada a cultura aldeã. Dessacralizar a pasmaceira geral era a palavra de ordem daquele exército individual:
caldeirada de bodó
moqueca de jaraqui
filé de tucunaré
costela de tambaqui
suco de jenipapo
batida de buriti
creme de graviola
sorvete de açaí
e no final do embate
a diarreia à la carte
Nem o guaraná velho de guerra era poupado:
no mercado central
turista quer guaraná
coitado pensa que é fácil
fazer pica levantar
Em Ócio dos Ofídios predomina um lirismo comprometido com um 1978 que parecia não ter fim. À maneira de Bacellar, poemas dedicados às frutas amazônicas, terenas, andirás e o belo "Distrito
Industrial". Ecológico antes da moda, jamais chato. Os poemas de Carajo retomam a lírica escrachada, em sintonia com a manhã anunciada:
estava tão excitado
que nem tirou a chuteira
mordeu os seios com força
quase arrancou os mamilos
meteu o dedo na xana
arrebentou o clitóris
ainda se não bastasse
a ejaculação foi precoce
agora quer o divórcio
a mulher do torturador
Há registros de uma insuspeita alegria, denunciada pelas referências infantis que pedem uma algazarra ao fundo:
Ivo ganhou uma ave
a ave de Ivo voa
baleei a ave do Ivo
Ivo ficou puto
Ivo me dedou pro velho
Ivo é um viado
Ou:
O cravo transou a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu sorrindo
a rosa descabaçada
Essa alegria não disfarçada tem seu contraponto natural na placidez onírica de um poema que tem tudo para passar desapercebido em sua singeleza, se não despertasse o leitor com o vigor das palavras escolhidas:
era dia de S. Cosme
com crianças e cirandas
vestias uma camisola
recendendo a lavanda
foi sonho ou foi delírio
a trepada na varanda?
Em Miss Heartbreak a persona lírica é feminina e o poema desenvolve-se de maneira uniforme e sequenciada: da primeira dentição ao primeiro aborto, passando pelas experiências sensoriais mais elementares – a masturbação ao som de Eric Clapton, o primeiro porre, as paixões adolescentes, overdose, ácido, sodomia, cursinho, feminismo – até o fim:
e partiu assim de repente
deixando um vago na gente
O poema "Loba das Estepes" sintetiza o pensamento de Miss Heartbreak:
os homens me temem pelo que represento
subvertendo o jogo secular do jugo
(...)
para que da triste memória
do passado tão recente
se dê à luz uma nova mística feminina
e que eles de repente
percebam
que trinta paus não valem uma vagina
Fecha o volume o maiúsculo Trastes & Contraste, ultrassonografia poética desta cidade maluca:
são tantas cidades em uma só
que só conheço a menor
que só conheço a pior
Ah, querida leitora, prezado leitor. Se tiveste paciência para até aqui acompanhar-me, dir-te-ei o que me moveu a escrever estas parcas laudas: vinte palavras, leitora, vinte palavrinhas, leitor, que me calaram fundo na magrugada em que as li:
Esperamos que Simão Pessoa, porém, evolua sua
linguagem poética, para que seu casamento com o sarcasmo não acabe em divórcio.
Cláudio Feldman, ao comentar os Hard Kais no novo livro de Simão, Matou Bashô E Foi Ao Cinema, foi o responsável pela minha insônia. Ó Simão, além do Bashô, manda o Brinca também pro Cláudio. Eu empresto o meu exemplar. Pra copiar.
A referência cinematográfica do título não é gratuita: underground e escrachado, Simão mata o pai Bashô e, se não reinventa, redimensiona o haicai e o poema-escracho, escrachando aquele e sobrecarregando de finíssimo lirismo este, como no metalinguístico "Súbito Aguaceiro":
Libertam-se libélulas
crisálidas de cristal
sob sol insólito
e eu meio bundão
cansado de fazer
tanta aliteração
Observe-se que há dois poemas, imbricados, o segundo comentando o primeiro, subvertendo o rigor métrico ortodoxo, porém conservando uma musicalidade expressiva, como neste "Flores de Cerejeira", onde o caráter oriental da forma é atropelado pela realidade telúrica que cerca a criação poética:
Olho para as flores
Olho e as flores caem
Olho e as flores riem
Brincadeira:
nessa porra de cidade
nem existe cerejeira!
Filiado à milenar tradição do escracho, Bashô traz como apêndice Karalhokê, 40 haicais de fazer corar os catecismos do velho Zéfiro: das manjadissimas Papai e Mamãe e Barba, Cabelo e Bigode até as pós-modernas Nintendo e Realidade Virtual, Simão inventaria as posições do jogo amoroso, com um humor corrosivo, próximo à dor. Um humor que não poupa nem ao poeta nem ao leitor: lírica escrachada. Um conceito que supera, porque contempla, as definições de poesia satírica, poesia burlesca, poesia erótica e cognatos, reunindo sob seu manto uma poesia com todas as qualidades técnicas intrínsecas, mas com um motivo patente, desmascarado, que não deixa margem a segundas leituras: escracho. Uma redução do caráter múltiplo da poesia a uma condição linear, prosaica? Absolutamente. A permanência e a universalidade do poema-escracho residem exatamente na coragem do poeta de lançar mão, com arte superior, do momentâneo ou do ridículo para eternizar-se.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
“Nós, Medeia” no 9° Festival de Teatro da Amazônia
Será logo mais, às 20h00, no Teatro Amazonas, a apresentação de “Nós, Medeia”, de Zemaria Pinto, com direção de Gerson Albano e produção de Ednelza Sahdo, dentro da mostra competitiva do 9° Festival de Teatro da Amazônia.
Ingressos na bilheteria do Teatro, a R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia).
Curso de Arte Poética
Jorge Tufic
II.3.1
- O METRO
Metro
é palavra de origem grega. Medida provém do latim. Embora ambas remetam para o
fenômeno prosódico e fonético, há uma diferença: é que metro, na poemática
grega, refere-se a pé, segmento de verso formado por sílabas longas e breves, tomadas em seu valor prosódico tonal. Nos idiomas
neo-românicos, medida refere-se à sílaba, tomada como unidade fonética no
encadeamento silábico do verso. Não havendo, praticamente, nas línguas
românicas, uma distinção entre as sílabas breves e longas, na estruturação dos
versos em português, predomina a medida.
Metro,
portanto, é a medida das sílabas que formam a linha do verso. A contagem das
sílabas métricas - que diferem das sílabas gramaticais ou da escrita prosaica -
chama-se escansão. As regras da escansão, segundo o número de sílabas,
abrange doze espécies de versos, que são: monossílabos, dissílabos,
trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos, hexassílabos, heptassílabos,
octossílabos, eneassílabos, decassílabos, hendecassílabos e dodecassílabos.
Conta-se
a sílaba do verso até a última sílaba tônica. Os versos monossílabos têm um só
acento tônico ou predominante: os versos dissílabos têm o acento tônico na
segunda sílaba; nos versos trissílabos o acento predominante cai na terceira
sílaba, com acento secundário, às vezes, na primeira sílaba; os versos trissílabos
são acentuados, frequentemente, na segunda e quarta sílabas; os versos
pentassílabos variam, na acentuação tônica, segundo a cadência dos versos; nos
versos hexassílabos os acentos obrigatórios recaem na sexta sílaba; os
heptassílabos variam de modalidades rítmicas, com acentos na primeira,
terceira, quinta e sétima sílabas; na primeira, terceira e sétima sílabas; na
terceira, quinta e sétima sílabas; na terceira e sétima sílabas; na primeira,
quarta e sétima sílabas; na segunda, quinta e sétima sílabas e na quarta e
sétima sílabas; os versos octossílabos admitem várias combinações rítmicas com
acentuação na oitava sílaba etc; os eneassílabos apresentam acentos tônicos na
terceira, sexta e nona sílabas ou na quarta e nona; os decassílabos comportam
duas modalidades rítmicas: sexta e décima sílabas (verso heróico) e quarta,
oitava e décima sílabas (verso sáfico). Exemplos: “Estavas, linda Inês, posta em sossego, / De teus anos colhendo
o doce fruto” (Camões); “Longe do estéril turbilhão da rua” (Olavo
Bilac); os hendecassílabos levam acentuação fixa na segunda, na quinta e na
décima primeira sílabas ou na quinta e décima primeira, ou ainda, em casos
raríssimos, na terceira, sétima e décima primeira sílabas. Exemplos: “Seus
olhos tão negros, tão belos, tão puros” (Gonçalves Dias); “Nascem as estrelas, vivas, em cardumes
(idem); “As alvas pétalas do lírio de tua alma” (Hermes Fontes). Os dodecassílabos ou alexandrinos admitem
três ritmos diferentes: 1) alexandrino
clássico, com os acentos principais na sexta e décima segunda sílabas.
Exemplo: “paira, grassa em redor,
toda a melancolia/de uma paisagem morta, igual, deserta, imensa” (Vicente de Carvalho); 2) alexandrino moderno, com duas variantes:
a) ritmo quaternário (acentos na quarta, oitava e décima segunda sílabas): “É o
choro surdo, entrecortado, do batuque, / no bate pé que enche de assombro o próprio chão”
(Cassiano Ricardo); b) ritmo ternário (acentos na terceira, sexta, nona e
décima segunda sílabas): “Não me deixas dormir,
não me deixas sonhar” (Cabral do Nascimento). O alexandrino clássico é
formado por dois hemistíquios (= meio verso), ou seja, de dois versos de seis
sílabas, obedientes ás seguintes regras:
1ª)
a última palavra do primeiro hemistíquio só pode ser oxítona ou paroxítona: “E
Cipango verão, fabulosa e opulenta”
(Olavo Bilac);
2ª)
se a última palavra do primeiro hemistíquio for paroxítona, deve terminar em
vogal e embeber-se na primeira sílaba da palavra seguinte, que, para isso,
começará por vogal ou h: “palpita a
natureza inteira, bela e amante” (Vicente de Carvalho) (Achegas da “Nova
Gramática da Língua Portuguesa”, de Domingos Paschoal Cegalla, 20ª edição).
Para
uma boa escansão deve-se ter bem
nítida a lembrança das regras seguintes: a) contar somente até a última tônica
do verso ou linha poética; b) no encontro de duas vogais entre duas palavras
(vogal final + vogal inicial), de acordo com as necessidades do metro usado,
podem ocorrer duas soluções: dá-se a elisão – as vogais se fundem,
constituindo uma única sílaba sonora; ou dá-se o hiato – as duas vogais
se repelem e permanecem independentes. Exemplo:
Como pode o homem
sentir-se a si mesmoquando o mundo some? (CDA)
Palavras
dúbias quanto à contagem silábica: “poeta” pode ter, de acordo com quem a esteja
utilizando, duas sílabas fônicas (poe-ta) ou três (po-e-ta). O mesmo acontece
com a palavra ciúme. Nos “casos controversos” “com o”, “com a”, “com aquelas”,
são às vezes contadas como uma ou duas sílabas, o que é errado, na opinião de
Eno Teodoro Wanke. Nem a propósito, é deste poeta o “conselho”: “Comece
treinando metrificação sem se preocupar com a estética, ou a arte do verso.
Tome trovas ou poemas que lhe agradam e, nesta fase de treinamento, faça
exercício de contagem silábica, procurando imitar ou “responder” aos poemas em
questão. (§) Verá como a “música” do verso começará a fluir de você, deixando
de lado aquela preocupação inicial de contagem. O “modelo” se fixará em sua
mente, e os versos acabarão saindo espontâneos, na medida certa. (§§) A
contagem dos versos pode ser feita com os dedos de uma das mãos, batendo-se na
mesa um dedo (ou dobrando-se o dedo) para cada sílaba. Muitos poetas (eu,
inclusive), quando querem “conferir” o verso fazem isto, automaticamente.”
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Curso de Arte Poética,
Eno Teodoro Wanke,
Jorge Tufic
domingo, 14 de outubro de 2012
sábado, 13 de outubro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 3/4
Zemaria Pinto
Bocage
– Mas não se pode falar em lírica escrachada sem citar o português –
contrariando todos os prognósticos – Bocage (1765-1805), o inesquecível herói
de todas as histórias de sacanagem do pessoal com mais de 30. Condenado pela
Inquisição por “pregar ideias liberais em papéis sediciosos”, Bocage morreu
humilhado e miserável em plena atividade criadora. Sonetista exímio,
carnavalizou a pétrea forma em escracho derramado:
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.
Bocage, como bom escrachado, mesmo na morte ri de si mesmo. Ao famoso
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
figurinha carimbada em qualquer antologia escolar, ele contrapõe, com uma piscadela ao cúmplice leitor:
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.
Bocage, como bom escrachado, mesmo na morte ri de si mesmo. Ao famoso
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
figurinha carimbada em qualquer antologia escolar, ele contrapõe, com uma piscadela ao cúmplice leitor:
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Platônica I
Tainá Vieira
Hoje, amanheci com uma saudade danada
de ti, poeta. Por mais que eu não fosse lá te ver, por mais que hoje eu não te
ligasse para saber notícias tuas, ainda sim, eu teria certeza da tua presença perto
da gente. Com certeza à noite quando chegasse a casa, cansada da aula, eu teria
notícias das tuas rabugices, saberia das exigências que tinhas feito, se tinhas
um novo xingamento para algum cuidador. Ou se simplesmente (como raras vezes),
tu terias tido um dia maravilhoso, terias saído para almoçar fora, comido a
comida da tua preferência, tomado o vinho mais caro, como gostavas de te
exibir, e até fumado um cigarro – e para completar, aquele cafezinho ao teu
gosto... Ah, seu poeta sacana, porque não aguentaste só mais um pouco, porque
deste a mão a ela, porque não mandaste ir para um lugar bem distante de ti, como
fazias com os idiotas que te enchiam o saco. Por quê?! Não sabias que ias
deixar tanta saudade?! Sabias sim, tu sabias bem, que ias deixar muita saudade,
e só o que resta agora é ler os teus livros e lembrar-se da daquele teu
sorriso sacana, sedutor e charmoso de solitário mandão... E o que eu mais
gostava era aquele sorriso pós-barba, que te deixava com a face de Dorian Gray
sem maldade. Como não lembrar tudo isso? Se tudo isso está cravado na minha
memória como o amor no coração. Queria tanto te esquecer, mas não consigo,
parece que ficaste impregnado em mim, como um poema de Baudelaire. Hoje,
amanheci com uma saudade danada de ti, poeta.
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