Amigos do Fingidor

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Uma mulher especial
Tenório Telles


Tem muita gente que acha que a vida se justifica pela quantidade de poder e dinheiro que uma pessoa for capaz de acumular. Ou que uma sociedade só é reconhecida se for próspera e rica economicamente e, assim, gerar conforto material. Essa forma de pensar está enraizada na alma dos indivíduos, entranhada no seu ser e no seu coração. O sentir, o olhar, os sonhos – tudo está plasmado por essa ideologia feita de indiferença, egoísmo e solidão, que nega a bondade, a fraternidade, os valores espirituais, em que o que importa são os fins, o sucesso a qualquer preço, o ter.

O triunfo dessa lógica não é sem resistência. Como faróis na escuridão, homens e mulheres, nos bairros, nos campos, nas margens dos rios e nos lugares mais longínquos deste planeta, carregam em seus corações a chama da esperança e da fé na possibilidade de construção de um mundo diferente e mais humano, fundado na generosidade, na compaixão, no respeito ao próximo e no amor ao conhecimento. Eles representam a negação da violência, do individualismo e da intolerância. Suas verdades são antídotos ao veneno do preconceito, da arrogância e do sentimento de superioridade daqueles que acham que são melhores porque têm dinheiro, posição, status ou pela cor da pele.

A vida não vale por essas coisas, nem por essas pessoas. Na verdade, essas criaturas contribuem para a existência ser pior: prejudicam os outros em razão de seus interesses mesquinhos. Esse tipo de gente é a erva daninha do jardim da existência. A “pedra no meio do caminho”, da qual nos fala Drummond no seu célebre poema. É obstáculo no percurso dos que ousam ir mais longe e também espinho na caminhada daqueles que carregam no peito a bondade e trabalham pelo bem comum. Gente desse jaez conspira, atravanca e fere quem encontra pelo caminho, ou quem imagina possa ser um risco aos seus propósitos.

Felizmente na vida nem todos são erva daninha, pedra ou espinho. Há os que são semente, flores e passarinhos. Ajudam a plantar, cuidam, partilham seus frutos e nos alegram com a canção de seus sonhos. Ivânia Vieira faz parte dessa linhagem nobre de seres humanos. Sua prática de vida é afirmativa de seus compromissos com a mudança e com a luta dos homens e mulheres excluídos de seus direitos, do acesso à informação e privados da cidadania. Jornalista e professora da Universidade Federal do Amazonas, Ivânia é uma das mulheres mais lúcidas e coerentes desta terra. Cidadã consciente do seu papel no mundo, sua prática social é marcada pela solidariedade e atitude crítica em relação às injustiças e brutalidades deste tempo ultrajado pela violência e banalização do mal.

Seu exemplo de vida é um testemunho de que o ser humano pode ser diferente e fazer a diferença. Como professora, personifica a conduta e o cuidado dos mestres: é, na verdade, uma educadora, compromissada não só com o dever de informar, mas de formar seus alunos, orientando-os para um entendimento crítico do mundo, para que sejam leitores ciosos da realidade e profissionais conscientes de suas responsabilidades. O trabalho dessa semeadora de luz não se resume à sala de aula e às suas atividades como jornalista. Dedica parte de seu tempo a ações sociais, tomando partido da luta das mulheres, dos trabalhadores e dos jovens. Exemplo disso é sua participação no projeto Comunicadores Populares de Base, na Zona Leste, em que orienta dezenas de jovens para que sejam protagonistas sociais e utilizem as ferramentas da comunicação social para ajudar as suas comunidades a refletir sobre suas demandas e seus anseios. Ivânia Vieira honra e dignifica o milagre vital com que foi brindada pela providência.

domingo, 29 de novembro de 2009

Flifloresta em Parintins – registros
Zemaria Pinto


Como o diz o dito pop, antes tarde... A edição mais recente do Flifloresta, que aconteceu em Parintins, de 26 a 28 de novembro, no auditório do Centro de Convenções de Parintins (que a pavulagem chama de “Convention Center”...) teve momentos sublimes, mas a modéstia me impede de contá-los. Vou deixar a tarefa a outros, menos comprometidos... Limito-me aqui a registrar, para a história, palestras e participantes:

26 de novembro – noite
Abertura, com a presença do prefeito e do vice, secretários municipais de cultura e de educação, representantes da UEA e da UFAM, além dos escritores Tenório Telles e Thiago de Mello.

Palestra de abertura:
A Leitura e a formação da juventude – Zemaria Pinto

27 de novembro – manhã
Mesa temática 1: A escola como espaço de promoção da leitura – formando leitores
mediador: Mary Tânia dos Santos Carvalho (professora)
palestrante: Valdilene Bordoni (professora)
debatedor 1: Renato Augusto Farias de Carvalho (escritor)
debatedor 2: Socorro Gomes (professora/presidente da Amaler)

Mesa temática 2: A Internet e a leitura – conexão e virtualidade
mediador: Abrahim Baze (escritor)
palestrante: Zemaria Pinto (escritor)
debatedor 1: Fátima Guedes (escritora)
debatedor 2: Antônio Heriberto Catalão (professor)

27 de novembro – tarde
Mesa temática 3: O professor como agente promotor da leitura
mediador: Delma Sicsu (professora)
palestrante: José Almerindo (professor)
debatedor 1: Jocifran Ramos (escritor)
debatedor 2: Roberto Miguéis (escritor)

Mesa temática 4: A leitura e o letramento
mediador: Wenderson Cruz da Silva (professor)
palestrante: Antônio Menezes (professor)
debatedor 1: Luiz Fernando Costa (professor)
debatedor 2: Paula Martins (professora)

27 de novembro – noite
Mesa temática 5: Leitura e experiência – a formação do escritor
mediador: Dori Carvalho (escritor)
palestrante: Renato Augusto Farias de Carvalho (escritor)
debatedor: Wilson Nogueira (escritor)

Mesa temática 6: A leitura e a construção da consciência
mediador: Cristiane Sinimbu (professora)
palestrante: Thiago de Mello (escritor)
debatedor 1: Zemaria Pinto (escritor)
debatedor 2: Abrahim Baze (escritor)

28 de novembro – noite
Mesa temática 7: A leitura, o livro e a construção da cidadania
mediador: Tenório Telles (escritor)
palestrante: Márcio Souza (escritor)
debatedor 1: Ivânia Vieira (escritora)
debatedor 2: Jorge Bandeira (escritor)

Mesa temática 8: Ser escritor em tempo de crise
mediador: Neuton Correa (escritor)
palestrante: Guilherme Fiúza (escritor)
debatedor 1: Carlos Lodi (professor)
debatedor 2: Mazé Mourão (jornalista)

Destaque-se ainda os recitais do poeta Dori Carvalho, as apresentações dos artistas locais, como o grupo Toada de Roda, o compositor Fred Góes, a cantora Lea Costa e a “cigana” Mara, do grupo de Pastorinhas, entre outros.
Tudo é mistério
Rogel Samuel*



Antes de morrer, Narciso Lobo postou o seguinte poema do I ching no seu blog:
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Lições do I Ching
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Ele diz com todas as letras:
É preciso persistência
Na travessia do grande rio
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Diz que a luz do sol poente
Sinaliza o transitório
Da existência impermanente
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E adverte: Nem euforia desenfreada
Nem tristeza amedrontada
Ambas totalmente erradas
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Foi a sua última postagem, pois logo veio a falecer.
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O I ching previu a sua morte?
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A travessia do grande rio, a necessidade de persistência nessa travessia, a luz do sol poente – tudo parece indicar a morte.
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Se o sol fosse o nascente, talvez houvesse alguma dúvida. Mas o sol poente sinalizava o transitório, a existência impermanente, transitória.
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E o I ching fez uma recomendação: nem euforia, nem medo, nem tristeza.
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O mistério. Tudo é mistério.
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Narciso morreu em 23 de julho de 2009. Era meu amigo.
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(*)Publicado originalmente no blog de Rogel Samuel.

sábado, 28 de novembro de 2009

Fantasy Art – Galeria

Chris Achilleos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

o pássaro (ii)


por trás das grades, o homem olhava o sabiá trinando no beiral da casa. e recordou com nostalgia o pássaro que todas as manhãs vinha bicar alpistes na janela do quarto.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Medicina como Paideia I
João Bosco Botelho
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Asclépio, deus da Medicina, com o bastão e a serpente.
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Desde tempos ágrafos, os homens e as mulheres ora aliaram-se aos panteões, lutando para entender, sem aceitar, a finitude da vida frente à natureza circundante; ora organizaram-se para viver mais e melhor desafiando a tirânica competência dos deuses e das deusas para curar.

A Medicina como Paideia é um dos marcos nessa parte da história da humanidade, onde está transparente o conflito de competência entre as três medicinas — oficial, empírica e divina — com o objetivo de ampliar os limites da vida. Esse processo complexo, oriundo desde os tempos imemoriais, alcançou o esplendor na Grécia do século 4 a.C.

Desde lá, permanece um ponto diferencial entre as três medicinas: só a medicina-oficial organizou estruturas teóricas para sustentar as práticas de curas, só registradas a partir das primeiras cidades, assim, de natureza muitíssimo mais recente do que as outras.

Do outro lado, também a partir dos primeiros registros escritos, os poderes organizadores dos núcleos urbanos mais antigos ampararam, ora mais, ora menos, as três medicinas, pendendo mais para uma ou para outra, na mesma proporção em que resolviam os conflitos sociais provocados pelo medo coletivo da dor e da morte prematuras das epidemias que poderiam enfraquecer a ordem social.

Desde os tempos ágrafos, a medicina-divina e a medicina-empírica evidenciam-se plenamente ancoradas nas práticas divinatórias e nos milagres e, menos, nos saberes empíricos historicamente acumulados. Por essas razões, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico trabalhados de maneira ametódica e casual, sem compromisso da compreensão das etiologias.

Por outro lado, a maior parte das experiências empíricas acumuladas permaneceu guardada pelos especialistas da coisa sagrada. Estes fatores representaram ásperos obstáculos para reproduzir os saberes fora dos restritos grupos dos representantes das divindades, enclaustrados nos silêncios que impedem as críticas e as respostas.

Essa evidência fica muito clara nas civilizações que se desenvolveram na Mesopotâmia e nas margens dos rios Indo e Nilo. Apesar do notável senso empírico, as práticas de cura permaneceram contidas nas amarras do sagrado, como assinala a tradição judaica em pelo menos três argumentos:
1. O incrível poder do curador divino sobre a vida e a morte de tudo e de todos.
Dt 32: 39 — E agora, vede bem: eu, sou eu, e fora de mim não há outro Deus! Sou eu que mato e faço viver. Sou eu que firo e torno a curar (e da minha mão ninguém se livra).

2. Os saberes empíricos como dádivas divinas.
Sb 17: 20 — Ele me deu um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do mundo, a atividade dos elementos, o começo, o meio e o fim dos tempos, a alteração dos solstícios, as mudanças de estações, os ciclos do ano, a posição dos astros, a natureza dos animais, a fúria das feras, o poder dos espíritos, os pensamentos dos homens, a variedade das plantas, as virtudes das raízes.

3. O médico como representante reconhecido e festejado da divindade.
Eclo 38: 1-2 — Rende ao médico as honras que lhe são devidas, por causa de seus serviços, porque o Senhor o criou. Pois é do Altíssimo que vem a cura, como um presente que se recebe do rei. A ciência do médico o faz trazer a fronte erguida, ele é admirado pelos grandes.

A cultura grega, no século 4 a.C., absorveu as origens mais antigas da medicina-divina e da medicina-empírica mantendo a figura social do médico, em princípio, como dono do saber notável.

Sem abandonar a influência do divino sobre a vida e a morte, os cantos homéricos mostraram o claro destaque do médico como representante da medicina-oficial e agente social na luta contra os agravos à saúde (Ilíada XI, 510: Máxima glória dos povos arquivos, Nestor de Gerena, toma o teu carro depressa; ao teu lado coloca Macáon, e para as naves escuras dirige os velozes cavalos, pois é sabido que um médico vale por muitos guerreiros, que sabe dardos extrair e calmantes deitar nas feridas).

O mesmo médico homérico também marcadamente estava inserido no espaço sagrado das relações sociais. Os médicos Macáon e Podalírio, que se destacaram na guerra de Tróia, mencionado por Homero, são os dois filhos de Asclépio, o deus protetor das medicinas gregas.

Essa aparente dualidade homérica, onde as três medicinas mostram-se sobrepostas, reproduz uma herança sócio-cultural muitíssimo mais anterior à cultura grega, perdida no tempo da ontogenia, e que a genialidade de Homero tratou de expor.

O deus Asclépio, filho de Apolo com a mortal Corônis conquistou uma fama inimaginável. Mais cirurgião do que médico, ele criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Junto com as suas filhas Hígia e Panacéia, era celebrado em grandes festas populares, próximas do dia 18 de outubro, data em que, até hoje, se comemora o dia do médico no Ocidente.

No século 4 a.C., na Grécia, a medicina-oficial expondo abertamente o processo de conflito com outras medicinas, mas compreendida como arte, apresentava-se com clareza na estrutura dos saberes que procuravam desvendar a natureza visível e invisível.

A profissão médica estava tão bem sedimentada em sistemas de aprendizado que influenciou, profundamente, nos vinte séculos seguintes, os caminhos tomados pela medicina-oficial no Ocidente.

A medicina-oficial grega do século 4 a.C., concebida como ciência e, nessa condição, deveria valorizar a etiologia (Leucipo de Mileto In: Os Pré-Socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. 2. ed. São Paulo. Abril Cultural. 1978. p. 297: Nenhuma coisa se engendra ao acaso, mas todas a partir da razão e por necessidade). A busca pela etiologia da doença entendida como pressuposto do diagnóstico e da terapêutica estava escancarada ao futuro: a fisiologia do corpo que amparava a prática dessa medicina-oficial estava ligada aos pré-socráticos, especificamente, aos filósofos jônicos, intérpretes da natureza circundante visível ou não por meio da tékhne.

Um dos fatos que torna essa reflexão fascinante é que, como hoje, longe de haver separação entre as práticas das três medicinas, a crença no poder de cura dos deuses e deusas e o empirismo continuaram fortes e coerentes com o universo cultural grego.

O herói grego continuou associado à cura de doenças e malefícios. O senso comum compreendia grande número de deuses e deusas possuindo, entre os principais atributos, o dom de sarar as doenças e as feridas de guerra (Platon. Oeuvres Complètes. Paris. Ed. Gallimard. Bibliothèque de la Pléiade. 1950. v.1, v.2. Rep. 407d: — Por conseguinte afirmaremos que também Asclépio sabia isto, e que, para os que gozam de saúde física, graças a sua natureza e à sua dieta, mas têm qualquer doença localizada, para os que têm essa constituição, ensinou a Medicina, que expulsa as suas enfermidades por meio de remédios e incisões, prescrevendo-lhes a dieta a que estão habituados, a fim de não prejudicarem os negócios políticos.)

Contudo, o médico atuava muito além do espaço sagrado, continuava exercendo a arte de adivinhar, porém sobre um sistema teórico coerente que observava e interpretava os sinais da natureza visível e invisível.

Esse avanço de dimensões gigantescas ­— a Medicina como Paideia — possibilitou estabelecer a ponte que ligaria, para sempre, a busca da etiologia das doenças ao diagnóstico, tratamento e prognóstico.

Desse modo, a Medicina como Paideia feriu profunda e mortalmente o predomínio da medicina-divina e da medicina-empírica sobre a medicina-oficial.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Fantasy Art – Galeria

Victoria Frances.
drops de pimenta 38


─ Passar as férias no interior, de novo, não!

─ Não vai me dizer que você quer ir pra Miami, ou Caribe... Pra Grécia, que é mais chique...

─ Você não tá entendendo: Alter do Chão, Salinas, até São Luís... Mas, Autazes, de novo, não!


(Zemaria Pinto)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os Sertões – uma tragédia brasileira (7/8)

Zemaria Pinto







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FLIFLORESTA Parintins 2009


Parintins recebe o Festival Literário Internacional da Floresta (Flifloresta), evento realizado em Manaus no ano passado e que, em 2009, ocorreu em também nos municípios de Itacoatiara e Careiro da Várzea.

Com o apoio da Prefeitura de Parintins, nos dias 26, 27 e 28 de novembro, escritores e artistas se dividem em palestras, debates, exposições e apresentações musicais que acontecerão na cidade. Esta edição do Flifloresta leva ao interior do Amazonas o contato com obras e autores da Amazônia e do Brasil. Ao mesmo tempo em que terá como referência a literatura, o Flifloresta patrocinará discussões e debates sobre questões relativas à leitura e a formação de leitores. O evento contará com a participação de grandes escritores brasileiros, como Guilherme Fiuza (autor do livro “Meu nome não é Jhony”), Thiago de Mello, Adriana Lisboa, Márcio Souza, Zemaria Pinto, Wilson Nogueira, Marcos Frederico Krüger, Dori Carvalho, Renato Farias de Carvalho, Jorge Bandeira, Ana Peixoto, Ivânia Vieira, Mazé Mourão, Abrahim Baze, Tenório Telles, dentre outros.

O evento acontecerá no Auditório do Parintins Convention Center, onde ocorrerá o Simpósio de Leitura, Café Literário e Sessão de Autógrafos, com a participação dos escritores convidados e intelectuais de Parintins. Como parte da programação será feita distribuição gratuita de livros na cidade, como forma de incentivar a leitura.

O Flifloresta é um Festival Literário concebido para ser um momento de celebração do livro, promovendo o encontro do autor com os leitores. Tem como meta ser um ponto de convergência e diálogo entre os artistas da palavra da Amazônia, enriquecido com a presença de escritores de outras regiões. O que fundamenta a sua existência é, portanto, a defesa do livro, a promoção da leitura e a luta pela construção de uma nova consciência social, fundamentada no conhecimento, nos valores estéticos e defesa da liberdade como condição para construção de um mundo mais justo e solidário.

Escritores e personalidades ligados à literatura são convidados para participar de mesas temáticas, palestras, debates, lançar e autografar suas obras durante o Festival.
Meditação no Himalaia – pequeno diário de viagem II
Marco Adolfs


Já estou no terceiro dia de intensas meditações através de práticas mântricas também intensivas. Aqui no Tibete a meditação tem um sentido de repetições sonoras que vão da exaustão até o silêncio total. Como se do princípio de tudo, o Big Bang interno, viesse o Universo aparentemente silencioso. Mas, quando tudo isso termina, desço de volta a Lhasa para comprar alguns alimentos e acessar a Internet. Afinal, sou um ocidental ansioso, antes de tudo. Depois, volto-me novamente para dentro de mim, no sentido de desligar-me do mundo exterior e encontrar o meu centro, sabe-se lá onde ele se esconde. Essa técnica, em sânscrito, é chamada dhyana. Tudo isso é obtido pela chamada dharana (concentração). Mas, o que o meu instrutor de olhos puxados, cabeça raspada e veste laranja me ensinou de mais interessante é que “um pensamento começa a partir do mais profundo nível de consciência e eleva-se através da total profundidade da mente, até que finalmente aparece como um pensamento consciente à superfície”. Com essas palavras ditas de forma tão cândida e segura, me senti como um mergulhador nas profundezas do mar. E talvez fosse isso mesmo o que eu enfrentava. Um mar interior, nunca antes navegado. Meu ser. Retirei-me então para a minha cela fria e comecei a meditar.

Lhasa, 15 de novembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Carta ao Mestre
Tenório Telles


Vivemos sob um tempo de descrença, desafiador para a vida, especialmente para os homens de boa vontade e para aqueles que conservam, no ser, o fogo da esperança. É nesses momentos, entretanto, que somos postos à prova, que nossos valores e princípios são testados. A verdade é que, nessas travessias, precisamos ser fortes, determinados e não perder o entusiasmo.

Os momentos de crise são oportunidades de aprendizagem e mudança. São situações em que somos sacudidos e provocados a agir... enfrentar o destino e suas circunstâncias. Nesses momentos é que os seres humanos, dotados de capacidade de resistência e realização, florescem e se fazem exemplo. Essas reflexões me surgiram após a leitura de uma carta dedicada, por uma aluna, a seu professor. Fui tomado por forte emoção e a minha fé se reanimou com as palavras dessa jovem: palavras de gratidão ao seu Mestre, pelos ensinamentos e exemplo de força e perseverança. Penso que, nestes dias de sombra e brutalidade, a história desse Mestre e sua discípula é exemplar: a vida não está perdida e fica a certeza de que a educação é o caminho para a redenção social do homem. Por isso, o desejo de partilhar, com você, leitor, essa experiência edificante e transformadora:

“Querido Mestre: Há muito planejo escrever-te para agradecer a linda carta que me enviaste. Agradecer pelas maravilhosas recordações que suas palavras me trouxeram. Não que precisasse delas para relembrar as lições de vida que me ensinaste, mas me fizeram “ouvir” novamente a tua voz, que tantas vezes tocou nossos jovens corações de maneira tão profunda. Não exageraste ao nos dizer que a vida era dura e que não tinha espaço para os fracos. Tu apenas tentaste nos passar as tuas experiências de vida, para que quando chegasse a nossa vez de enfrentar a dura realidade, não viéssemos a sofrer mais do que o necessário.

Lembras de mim como uma jovenzinha estudiosa e responsável... os anos se passaram e graças aos teus ensinamentos, Mestre querido, pude amadurecer trazendo sempre comigo as sementes de força e perseverança que plantaste em minha vida. Alguns poderiam achar que as tuas lições eram duras demais, mas hoje sei que, sem elas, não seria parte do que sou agora, alguém que busca constantemente superar os obstáculos que a vida impõe, e não são poucos, Mestre, não são poucos...

A cada dia, no exercício da magistratura, vejo quão valiosas foram as tuas palavras sobre honestidade e humildade. Não vou deixar que o poder se apodere da minha alma, e, para isso, a melhor forma é exercitando o bem para me tornar uma pessoa melhor... uma pessoa do Bem! Aquelas experiências que vivemos contigo, os recitais, as peças de teatro, as leituras selecionadas por ti em cada aula, as reflexões e debates... Tudo foi tão grandioso e importante para minha formação como ser humano. Não canso de agradecer-te por teres participado tão ativamente da formação e lapidação do meu caráter, que, sem dúvida alguma, é reflexo do teu próprio.

Tenho consciência de que a vida sempre trará novos desafios, mas podes ter certeza de que, ainda que não esteja preparada para algum deles, hei de lutar e vencê-los com a força que aprendi a buscar dentro de mim e na própria vida. Obrigada, Mestre querido, pelos grandiosos valores morais que nos passaste e que absorvi. Se hoje sou um ser melhor, dou graças aos teus ensinamentos, que carregarei comigo para toda vida. Sua aluna, Érika”.

domingo, 22 de novembro de 2009

Suplemento Literário Amazonas, um alternativo oficial
Zemaria Pinto*

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Foi no Suplemento, como nós o simplificávamos, que eu ganhei dinheiro pela primeira vez com a minha escritura. De lá para cá, é bem verdade, a contabilidade avermelhou na casa do sem-jeito. Mas valeu ter esperança.

Publicado de novembro/86 a outubro/88, o Suplemento Literário Amazonas − publicação mensal do Diário Oficial do Estado do Amazonas, como se informava em subtítulo, teve exatamente 24 números. Por dois anos, os abnegados Arthur Engrácio e Alcides Werk, este poeta, aquele ficcionista e crítico, escritores que dispensam apresentação, carregaram, aos trancos, o jornal, que acabou sem avisar o porquê. Nesses dois anos, o presidente da Imprensa Oficial era o poeta Alencar e Silva. Na dança dos nomes da Comissão Editorial, destacavam-se os poetas Jorge Tufic e Max Carphentier, e a professora Socorro Santiago.

Mas se não anunciou a própria morte, mantendo a dignidade de não lamentar o próprio fim, no primeiro número, penas afiadas, o editorial dizia ao que vinha o Suplemento: “(...) Sem qualquer sentimento menor. Nem de grupo. Nem de modéstia. Comprometido, antes, com o propósito maior de espelhar a realidade literária local, projetá-la, com vigor, como convém, no cenário cultural do País. (...) de modo a minimizar a desinformação dos nossos estudantes acerca dos autores amazonenses. (...) um novo tempo começará a correr para os artistas e escritores locais.”

E assim se passaram 10 anos. A “realidade literária local” não se projetou para além dos esforços de uns pouquíssimos. A “desinformação dos nossos estudantes” precisa ser dividida, menos que proporcionalmente, com a dos nossos professores. E quanto ao “novo tempo”, este só se realiza no futuro: é sempre o que há de vir; logo, há esperança, sim. Sempre.

O Suplemento Literário Amazonas foi francamente inspirado no Suplemento Literário Minas Gerais, criado, se não me faltam os neurônios, lá pelos anos 60. Outros suplementos existiam (ainda existem?) à sombra da estrutura que sustentava o Diário Oficial de cada Estado. O Nicolau, do Paraná, era, até uns dois anos atrás, quando dirigido por Wilson Bueno, a grande referência para um jornal literário de qualidade, encarando a Literatura como um problema universal, longe das intrigas paroquianas. Depois que o Bueno saiu, percebe-se a queda na qualidade do papel, além de um doce retorno a um conservadorismo que, longe de negar os avanços da vanguarda, coloca-se à disposição da História, como alternativa. Afinal, é desse vaivém que se faz a Literatura, no entrechoque das gerações. Ainda é o Nicolau.

A trajetória do Suplemento Literário Amazonas ao longo daqueles 24 meses mereceria ser analisada com mais vagar. Voltado inicialmente para o consumo interno, o SLA reúne em seus números iniciais, um bom grupo de consagrados intelectuais da terra, sem desprezar a colaboração dos mais jovens. Além do pessoal “de dentro” do jornal, cujos nomes já estavam no expediente, há colaborações de Mário Ypiranga Monteiro, decano dos historiadores, e dos poetas Elson Farias, Guimarães de Paula, Ernesto Penafort e Antísthenes Pinto, entre tantos.

Quem folheia os velhos exemplares a essa distância, sente falta de um mínimo de esclarecimento sobre alguns autores, prática que só viria a ser adotada lá pelo oitavo número, quando as colaborações começam a chegar pelo correio, dos mais diferentes pontos do Brasil. O SLA trocava sua cor levemente provinciana por um tom algo mais cosmopolita. Mas sem exageros. Capas dedicadas a Borges, Rilke e Huidobro traziam em suas entranhas textos maduros de José Alcides Pinto, Francisco Carvalho, Walmir Ayala e Alcides Buss, entre outros, além da velha prata da casa. Todos muito distantes daqueles oito ou nove escritores “oficiais” do Brasil Grande, com cadeira cativa na Folha, no JB e na Veja. Equívocos, havia muitos. E nem poderia deixar de ser. Provincianos. Poemas muito ruins de uns, textos inúteis e vazios de outros, vagidos patéticos de terceiros, ou, ainda, os arroubos juvenis de um certo José Maria Pinto...

Pelo que me conta Alcides Werk, secretário-timoneiro daquele barco bêbado, as correspondências eram tantas que, da tiragem, que chegava aos três mil exemplares, pouco mais de quinhentos ficavam por aqui, sendo o restante distribuído entre universidades, entidades culturais, jornais e suplementos literários, além de escritores, de nomeada ou não. Quer dizer, por falta de uma tática consistente para atrair o público-alvo inicial, este foi trocado por uma elite, formada de bons leitores, mas que não ajudava em nada no fomento da literatura amazonense. Em compensação, o Brasil descobria o Amazonas. Um Brasil marginal, alternativo ao Brasil da grande imprensa e da televisão, mas Brasil também. Como nós.

Depois do SLA, os zines. Mas esta é uma outra história que a modéstia me impede de contar. Impossível, entretanto, é não fazer um paralelo entre o Suplemento e O Muhra, jornal recém-lançado pela Secretaria Estadual de Cultura. Aprendendo com os erros daquele, este pode recuperar o tempo e o espaço perdidos, em busca de sedimentar esta cultura que se intimida consigo mesma, mas que, subterrânea, submersa, maldita, manifesta-se à margem, como alternativa à mediocridade oficial.

Somos apenas uma parte da cultura brasileira, mas somos o todo da cultura amazonense, e precisamos assumir isso: nenhum ajuntamento, grupo ou sociedade sobrevive sem uma identidade própria. Qual é a nossa?

(*)Publicado, talvez no Amazonas em Tempo, em 1998 (eu acho).

sábado, 21 de novembro de 2009

Fantasy Art – Galeria

Bruce Pennington.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

o pássaro (i)


e o menino, no último esforço, ouviu o canto soturno do pássaro na tarde cinza.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Os poemas são realidades humanas; não basta referir-se a “impressões” para explicá-las. É preciso vivê-las em sua imensidão poética.
(Bachelard, in A poética do espaço)
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Gaston Bachelard (1884-1962).
Uma tela na parede é lançado em Manaus



O escritor Renato Augusto Farias de Carvalho lançará no próximo sábado, dia 21 de novembro, às 10 horas, na Livraria Valer (Av. Ramos Ferreira, 1195 – Centro) o livro de memórias romanceadas Uma Tela na Parede.

Irmão do poeta Carlos Farias de Carvalho, integrante do Clube da Madrugada, Renato viveu parte da sua juventude em Manaus. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde formou-se em Letras e construiu a sua carreira literária em Niterói, onde vive há 30 anos. As palavras grafadas por ele neste romance fluem por um ideário semelhante ao proposto por Octavio Paz em relação ao poema simbolista e ao quadro cubista – “o visível revela o invisível”.

Desde as primeiras linhas, as palavras visíveis vão desenhando um invisível mundo de grande sensibilidade: as confissões feitas ao sabor das águas do velho Rio Amazonas, os igarapés de Manaus e personagens verdadeiramente insólitos – Dona Myrtes, Tenâncio, Maria Helena da Chapada e tantos outros... não compõem apenas uma história, mas, ao reverso, dão cor à imaginação, pintando-a com tintas literárias, filosóficas, sociológicas, históricas, geográficas, todas com engenho e arte.

O leitor embarca literalmente num sem-número de viagens – ao Rio de Janeiro, a Lisboa, Berlim, Roma e a muitos universos interiores. Um ir e vir com instantes fantásticos, ao embalo de poemas de Cora Coralina, além de um pouso numa casa mística em Niterói.

Dentro desse tom, Renato Augusto, até nas entrelinhas, vai dizendo para o leitor: “Nossos personagens ‘vivem’ onde moram as imagens mais íntimas, resguardadas por uma benevolente estrutura gravada no sólido eu-mesmo de cada um. De repente, a gente tropeça. Um chão se anula. E os personagens se extinguem nas fendas”. Fendas de onde saem, ou entram, vidas e vidas que, por instantes, aspiram à felicidade. Vivos e mortos, seres eternizados, numa tela na parede. Imagens em palavras, palavras em imagens, telas dinâmicas em narrativas que permanecem quando se chega ao colorido verbo do final do livro. Uma tela na parede merece destacado lugar na galeria dos grandes romances.


Sobre o autor

Renato Augusto Farias de Carvalho nasceu em Manaus/AM no dia 30 de junho de 1935. Em sua terra natal, estudou no Colégio Salesiano Dom Bosco. Na cidade do Rio de Janeiro/RJ, para onde se mudou em janeiro de 1952, continuou seus estudos no Colégio Andrews, tendo participado do Grêmio Acadêmico, que ajudou a fundar. No início de 1978, passou a residir em Niterói/RJ. Graduou-se em Letras (Língua e Literatura – Português/Francês) na então Faculdade de Humanidades Pedro II (FAHUPE). Pós-graduou-se em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas. Exerceu diversas funções e cargos na Previdência Social (Direção Geral – RJ), aposentado-se em 1989. Ocupante da cadeira nº 6 da Academia Niteroiense de Letras, também é membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras e da Associação Niteroiense de Escritores.

Publicou os seguintes livros: Porto de Ocasos (ficção/memórias. 1998. Editora Cromos), Poesia-do-que-eu-quis (poemas. 2002. Editora Cromos) e Vinho e Verso (poemas. 2005. Ed. Valer). Entre as diversas medalhas já recebidas, destacam-se a José Cândido de Carvalho (conferida pela Câmara Municipal de Niterói) e a do Mérito Cultural Belas Artes (conferida pala Associação Fluminense de Belas Artes). Participou, como entrevistado, do projeto “Personalidades de Niterói”, iniciativa da Associação Atlética do Banco do Brasil – AABB/Niterói. Autor dos enredos carnavalescos “Jorge Amado – do País do Carnaval à Tieta do Agreste” (1978) e “E agora malandro? – Você ganhou a loteria!” (1979), desenvolvidos para Escolas de Samba de Niterói, e de monografia sobre o Clube da Madrugada (movimento cultural de escritores amazonenses nos anos 1950). Das muitas palestras proferidas, destacam-se: “Teatros do Brasil” (participação de Beatriz Chacon e Thuany Feu de Carvalho), “Fagundes Varela”, “Cora Coralina e Manoel de Barros (participação de Gracinda Rosa e Lena Jesus Ponte), “Xavier Placer, 50 anos de literatura”, “Adelino Magalhães, e o pré-modernismo”, “Cora Coralina e Florbela Espanca, um encontro tão possível”, “Articulação poética aproximando Luiz Barcellar e Jorge Tufic” e “Lindalva Cruz e suas composições amazônicas”. É autor de contos e crônicas publicados em jornais e revistas e de alguns prefácios. Possui textos em antologias.
Corpo, saúde e doença na filosofia grega

João Bosco Botelho

Medicina hipocrática, até hoje preservada.

As idéias médicas estruturadas na tríade — diagnóstico, tratamento e prognóstico — apareceu com clareza, no pensamento grego, no século 4 a.C., de forma tão bem sedimentada que influenciou, marcadamente, os caminhos tomados pela Medicina ocidental nos vinte séculos seguintes.

Naquela época, o médico assumiu atributos mais amplos, reconhecido como um dos especialistas sociais que poderiam contribuir na edificação do pensamento coletivo, sem dúvida, transpondo as funções históricas somente centradas na cura das doenças, presentes em muitas sociedades, tempos antes da polis grega.

Por essa razão, alguns médicos destacaram-se na busca de explicações sobre aspectos visíveis do funcionamento do corpo, isto é, novos entendimentos da saúde, sem dependência da vontade dos deuses e deusas, sob a égide do entendimento jônico da natureza visível. Um desses homens extraordinários, o medico e filósofo Empédocles, utilizou a clepsidra para ilustrar a teoria da respiração formulada por ele, segundo a qual o corpo transpira por meio dos poros, espalhados na superfície da pele. Esse pressuposto teórico, absolutamente genial, continua válido!

A influência jônica, buscando a materialidade dos fenômenos corporais, mais ou menos visíveis, foi tão intensa que a maior parte da literatura médica da época foi registrada em prosa jônica, apesar de ter sido escrita na ilha de Cós, de população e língua dóricas, onde floresceu a Escola Médica de Hipócrates. Esse fato por si só, retrata a relevância da cultura jônica naquele tempo.

Não há dúvida de que a importância social do médico, na Grécia, como o principal agente na busca da saúde já era reconhecido, coletivamente, desde Homero, que sentenciou no magistral Ilíada: “O médico vale por muitos homens”. A mudança dessa abordagem mítica do médico, ligada ao panteão, especialmente em Apolo e Asclépio, presente tanto nos versos da Ilíada quanto nos da Odisséia, para aquela valorizando os princípios jônicos, contribuiu para consolidar o destaque social do médico sob outra perspectiva: a busca da relação do corpo com a natureza, referida de diferentes modos por Platão (Protágoras 313D, Górgias 450A, 517E, República 298A e Timeu 78B).

Os vínculos da Medicina com a natureza, tão bem assimilados pelos gregos, claramente, ultrapassavam o senso histórico da cura das doenças e fixavam regras no conjunto social, objetivando a melhoria das condições de saúde. Essa afirmação também pode ser comprovada em Sólon, que descreveu a conexão das doenças ao todo social. Baseado nesse pressuposto, Sólon fundamentou parte do seu pensamento político afirmando que as crises políticas interferiram na qualidade da saúde coletiva.

De modo semelhante, os elos entre o binômio saúde-doença com a natureza circundante também estão nítidos na introdução do livro Dos Ventos, Águas e Religiões, de autor desconhecido, escrito nesse magnífico período:

Quem quiser aprender bem a arte de médico deve proceder assim: em primeiro luga,r deve ter presente as estações do ano e os seus efeitos, pois nem todas são iguais, mas diferem radicalmente quanto à sua essência especifica e quanto às suas mudanças.

Por todas essas razões, parece razoável afirmar que um dos pontos fundamentais da Medicina grega, no século 4 a.C., firmou-se na filosofia jônica da natureza, como meio de explicação da saúde e das doenças, sem a influência das ideias e crenças religiosas.

Parece lógico pressupor que como uma das consequências dessa influência jônica, floresceu a Escola de Cós, que congregou médicos e filósofos, sob a influência de Hipócrates, em quem Platão reconheceu a personificação da Medicina.

Hipócrates foi realmente respeitado como símbolo de uma Medicina corretamente aplicada, essencialmente, voltada ao bem-estar e à recuperação do enfermo, como está claro nas conhecidas passagens de Platão (Prot.313 B-C e Fedro 270 C) e de Aristóteles (Pol. VII, 1326).

O aparecimento de uma literatura médica específica, discursiva na busca das condutas que poderiam melhor ajudar o doente, mostrou-se importante no desenvolvimento e aceitação da importância da Medicina nas relações sociais. Nesse sentido, tornou-se fundamental a interpretação do papel social do médico registrada por Platão (Leis, 857 D e 720 C–D), onde abordou as terríveis diferenças entre as Medicinas praticadas nos escravos e nos homens livres. Com arguta percepção, o magistral filósofo descreveu de modo satírico a conduta dos médicos que tratavam os escravos, correndo de um doente para o outro e oferecendo instruções rápidas sem convencimento, com os que atendiam os homens livres, sempre bem remunerados, com tempo disponível para explicar cada etapa do tratamento preconizado.

O interesse pelo saber das matérias médicas, presentes no homem culto grego, pode ser compreendido na figura do jovem Eutidemo, que Xenofonte descreveu como grande entendido da Medicina sem ser médico, e do historiador Tulcídides, que relatou com incrível minúcia o quadro médico-social da peste que assolou Atenas entre os anos 430 e 427 a.C.

Aristóteles vai longe e chega a distinguir na sua obra Política (I, II, 1282), o médico do homem culto em Medicina, estabelecendo o espaço que cada um pode ocupar nas suas funções especificas.

Esse conjunto de informações é suficiente para afirmar a existência de uma literatura médica que alcançava os letrados da polis. Nesse conjunto, também é possível perceber a complexa interdependência entre os conceitos produzidos pelos filósofos não médicos e pelos médicos. Algumas vezes, estavam em acordo; em outras, em completa discordância.

A compreensão mútua, perceptível entre médicos e filósofos, de que a saúde era o produto do equilíbrio de várias forças antagônicas no organismo, contribuiu para consolidar outra corrente de pensamento, liderada por Políbio, o genro de Hipócrates, que, sob a influência da idéia dos quatro elementos de Empédocles — fogo, ar, água e a terra — e da noção do justo equilíbrio, proposto por Anaximandro, produziu a teoria dos Quatro Humores — sanguíneo, linfático, bilioso amarelo e bilioso negro — para explicar as causas da saúde e das doenças. A teoria dos Quatro humores, atribuída a Políbio, descrita no livro Da Natureza Antiga:

O corpo humano contém sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra; que estes elementos constituem a natureza do corpo e são responsáveis pelas dores que se sentem e pela saúde que se goza. A saúde atinge o seu máximo quando estas coisas estão na devida proporção em relação uma às outras, no que toca a sua composição, força e volume além de estarem devidamente misturadas. A dor surge quando há excesso ou falta de uma destas coisas, ou quando uma delas se isola no corpo em vez de estar misturada com as outras.

O autor desconhecido do livro Da Natureza Antiga discorda do dogmatismo a priori da filosofia de que todas as doenças são formadas pelo excesso de calor, frio, secura ou humanidade. No Corpus Hipocraticum (cap.XIII), o autor também sem identificação, usando como argumentos teóricos os quatro elementos de Empédocles e a teoria dos Quatro Humores, argumenta sobre o mesmo assunto:

- Que no caso de um doente afetado por uma alimentação cozida, não é possível dizer se a causa foi o calor, se o frio, se a humanidade ou a secura;
- Que não existe um quente absoluto que possa ser misturado para curar o frio, uma pessoa tem de tomar água quente ou vinho quente ou leite quente e a água o vinho e o leite têm propriedades diferentes que serão mais eficazes do que o calor.

Em torno dessa discussão dos acordos e desacordos entre filósofos e médicos gregos no século 4 a.C., é possível entender a teoria dos Quatro Humores como o primeiro corte epistemológico da Medicina, antepondo-se frontalmente às práticas médicas, sob a tirânica influência das idéias e crenças religiosas, nas primeiras cidades, margeando os rios Nilo, Indo, Tigre e Eufrates.

A teoria dos Quatro Humores norteou os rumos da Medicina dominando as técnicas dos diagnósticos e das terapêuticas por quase dois mil anos.


Afrescos do séc IV a.C.: retirando os maus humores.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Célio Cruz lança o CD Floresta Minha

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Após quinze anos sem lançar um trabalho solo, o músico Célio Cruz apresenta o CD Floresta Minha - coletânea de canções amazônicas, o segundo álbum de sua carreira. Segundo o artista, esse disco é um trabalho feito à mão, costura a costura, artesanal, com composições em parceria e canções de outros compositores, representando ao todo cinco Estados da Amazônia: pelo Amazonas, Célio Cruz, Sérgio Albuquerque, Torrinho e Luiz Bacellar; pelo Pará, Nilson Chaves e Carlos Correia; pelo Acre, Sérgio Souto e Amaral Maia; pelo Amapá, Enrico di Miceli e Joãozinho Gomes; e por Roraima, Armando de Paula, João Aroma, George Farias e Zeca Preto.
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As músicas do álbum são todas cantadas por Célio Cruz, com a participação especial do compositor e cantor cearense Eudes Fraga. Neste ano, o músico amazonense comemora 25 anos de estrada artística e, de acordo com ele, esse disco "representa também a comemoração da música na minha vida".
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Respondem pelos arranjos os compositores e músicos Minni Paulo Medeiros e Humberto Araújo, com o auxílio luxuoso de músicos destacados de Belém do Pará e do Rio de Janeiro, completando a alma e a intenção de brasilidade da música resultante, apesar do bandolim e do violão de sete serem tocados por um argentino: René Rossano. O engenheiro de som também é argentino: Javier Nasceu.
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Célio afirma que o álbum Floresta Minha contém músicas bem diferentes do que se ouve nas nossas rádios e mergulha na alma de um Brasil ainda desconhecido, amazônico, mas universal: "Tom Jobim disse certa vez que 'quem quiser ser universal que fale sobre o seu quintal'; pois é sobre isso que falo neste novo trabalho - sobre omeu quintal". "O pedaço mais verde do Planeta", como disse e escreveu o poeta Thiago de Mello.
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"Este CD é uma árvore, um rio, um bicho, vistos de dentro, e confessados para corações abertos, e olhos e ouvidos atentos", diz o músico.

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LANÇAMENTO DO CD FLORESTA MINHA, DE CÉLIO CRUZ

DATA: QUINTA-FEIRA, 19/11

HORÁRIO: 19H30

LOCAL: SARAIVA MEGASTORE / MANAUARA SHOPPING

ENTRADA FRANCA

Fantasy Art – Galeria

Robo Bird.
Julie Bell
drops de pimenta 37


─ Mais uma noite de sábado em casa?
─ A gente assiste à TV, toma uma cervejinha...
─ Só se o controle remoto ficar comigo!

(Zemaria Pinto)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Os Sertões – uma tragédia brasileira (6/8)
Zemaria Pinto







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Meditação no Himalaia – pequeno diário de viagem I
Marco Adolfs


Cheguei ao Himalaia, como estava previsto, para uma série de meditações, com orientação de um guia. Era uma quarta-feira cinza, de nuvens baixas e carregadas, quando entrei no enorme mosteiro Tibetano que mais parecia ser um hotel. Caminhando por um extenso corredor repleto de celas, reparei que nas mesmas havia em seu interior um turista branquelo como eu, com o mesmo intuito de meditar e que também tinha desembolsado alguns milhares de dólares para passar por isso.

Meu corpo sentia a pressão da altitude: um formigamento que me subia pelas pernas com a cabeça começando a doer. Mas não liguei muito para isso, face às novidades daquele mundo fascinante. Recepcionado por um monge, adentrei a minha cela apenas com a minha mochila de roupas e este note-book inseparável, meu único contato com o mundo exterior. Lá fora, eu conseguia divisar uma parte da Cordilheira do Himalaia, a mais alta cadeia montanhosa do mundo. Fiquei sabendo que o nome Himalaia vem do sânscrito e significa "morada da neve". E isso era também preocupante, já que o frio era perturbador e parecia querer entrar nos meus ossos. Pensei então e rapidamente: como é que eu conseguiria meditar em meio às essas paredes geladas e com tanto frio? Liguei este note-book e comecei a escrever, esperando a reunião convocada para daqui a trinta minutos. Não preciso dizer que tremia de frio com as pontas dos dedos enregelados.

Lhasa, 11 de novembro de 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Wilson Nogueira e a Amazônia
Tenório Telles
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O cientista Djalma Batista entendia a Amazônia como uma esfinge a ser decifrada – tarefa que só seria vencida com a elaboração de um saber adequado às especificidades regionais. Defendia, nos anos 70 do século passado, a necessidade de se promover ações educativas capazes de proporcionar o preparo técnico e científico que permitiria o aproveitamento sustentável de sua biodiversidade.

Nesse empreendimento de decifração do universo amazônico, os estudos sobre os processos culturais na região têm ajudado a desvelar a complexidade das manifestações artísticas e o simbolismo da festas populares como fatores fundamentais da constituição da identidade regional. Prova disso são as reflexões de pesquisadores como João de Jesus Paes Loureiro, Benedito Nunes, Márcio Souza, Renan Freitas Pinto, Marilene Corrêa, Edinea Mascarenhas Dias, Neide Gondim.

O livro Festas amazônicas, de Wilson Nogueira, é tributário dessa nova realidade reflexiva sobre a Amazônia, em que o debate sobre a identidade, a cultura e as questões socioeconômicas tem ocupado o foco de estudiosos de diversas áreas do conhecimento. A visão expressa pelo autor desta obra não se encerra na análise unilateral do tema enfocado, mas amplia-se para uma perspectiva que engloba o regional e os desdobramentos do globalismo: “A Amazônia hoje, como natureza, sociedade e cultura, é, também, o resultado do processo histórico de expansão do modo de produção capitalista e das suas formas de intervenção: mercantilismo, colonialismo, imperialismo, internacionalismo e globalismo”.

Wilson Nogueira suscita elementos novos em suas reflexões sobre o processo cultural amazônico, problematizando as festas regionais em suas vinculações com as demandas econômicas, ao mesmo tempo em que “verifica as relações das festas populares com o mercado capitalista na Amazônia”, fundamentando seus argumentos “na confluência da história, da economia, da sociologia, da antropologia e da comunicação social”, associando-os à sua sensibilidade e olhar de “pesquisador participante”.

A pretexto de estudar as manifestações populares mais expressivas da Amazônia, o escritor, na verdade, empreende uma acurada reflexão sobre a complexidade e as contradições decorrentes do choque das demandas impostas pelo capitalismo e o universo simbólico das populações amazônicas, fato que não passou despercebido ao olhar da professora Marilene Corrêa que, ao comentar o trabalho, enfatiza o fato de o autor ter escolhido “olhar a Amazônia por meio de suas festas populares”. O livro de Wilson Nogueira é revelador sobre os processos socioculturais em curso no espaço regional, que ajudam a revelar a esfinge, decifrando-lhe os segredos, enigmas e perspectivas de futuro. Pela seriedade e rigor de seu trabalho reflexivo, com foco na realidade regional, Nogueira constrói sólida reputação intelectual e se destaca como pesquisador comprometido com os problemas e o futuro da Amazônia.

domingo, 15 de novembro de 2009

Apresentação dos livros Só a Educação Transforma os Povos, de Araújo Lima, e Em Memória de Paulo Jacob, de Armando Menezes
Zemaria Pinto*

Armando de Menezes autografando o livro Em Memória de Paulo Jacob.

Começo por agradecer a generosidade de uma das poucas pessoas que conheço que ainda não perderam essa qualidade: o meu irmão Tenório Telles. Eu, que sempre fiz minhas as suas palavras, tenho-o agora falando por mim. Estou certo de que esta breve alocução não provocará nenhum constrangimento no Tenório, pois estaremos, no plural, falando de um livro de Araújo Lima, sobre o qual ele escreveu apaixonada resenha, e de um outro livro do nosso irmão querido Armando de Menezes. Por intermédio da Editora Valer, o Tenório é co-responsável por essas edições, que a nossa Academia dá hoje à luz.

Pois nos reunimos, nesta noite de agosto, para entregar ao povo do Amazonas, aqui representado por essa digna plateia, dois trabalhos produzidos, podemos assim dizer, dentro da Academia Amazonense de Letras: Só a Educação Transforma os Povos, de Araújo Lima, fundador da Cadeira Nº 17 e patrono da Cadeira Nº 25, publicado pela primeira vez há mais de 70 anos, e Em Memória de Paulo Jacob, de Armando de Menezes, titular da Cadeira Nº 30, inédito. Busco mostrar a vocês, de modo breve, o que os espera quando da leitura desses trabalhos.

Só a Educação Transforma os Povos

Escrito em 1932 e publicado no ano seguinte, Só a Educação Transforma os Povos é um livro espantoso pela sua atualidade. Apesar de todos os avanços, a educação básica, até há pouco tempo chamada fundamental, outrora primária, continua sendo, senão o maior problema, um dos grandes problemas deste país. O quadro de setenta anos atrás era muito mais dramático, pois o Estado não se responsabilizava com a educação. Mudou a qualidade do problema, mas não mudou o problema.

Influenciado pelas ideias deterministas e positivistas de Taine e de Comte, Araújo Lima acreditava que o “aperfeiçoamento étnico e social” só seria possível pela via da educação. Modificando o meio, modificava-se a raça. Seu paradigma era o Japão, que, em 60 anos, “transformou-se em uma das grandes potências, emergindo de um feudalismo secular.” Os mais velhos, que não tiverem a devida intimidade com a história do Japão, não compreenderão a profundidade dessa frase. Mas os jovens, atentos às leituras dos moderníssimos mangás, sabem que, até a primeira metade do século XIX, o Japão vivia um período de total obscurantismo, correspondente à alta Idade Média européia. Numa leitura sociológica, os samurais são metáforas do atraso e não do heroísmo do povo japonês, como facilmente se costuma confundir.

Araújo Lima toma Rui Barbosa como ponto de partida para engendrar o seu raciocínio pela causa do ensino dito então primário, mas referido por nós como básico, usando-se a nomenclatura atual. Pois bem, o grande jurista, em 1882, 50 anos antes de Araújo Lima, traçou o plano da instrução básica nacional. O parlamento ignorou o erudito baiano. Fazendo uma analogia com os tempos atuais, podemos dizer que Rui Barbosa, a despeito de ser um intelectual de nomeada e por todos respeitado, perdia a luta política, quase sempre vencida pelos medíocres, que, não tendo vontade própria, deixam-se manipular pelo poder maior das forças inominadas, manipulando, numa cadeia maléfica, a debilitada vontade popular.

Amazônida, Araújo Lima bradava: “é este um país de desertos e de latifúndios.” Ele sabia que “a rarefação demográfica era o mais grave, o mais pesado obstáculo ao alastramento do ensino, por esse Brasil adentro, pelos sertões longínquos.” Com a tecnologia de hoje, meu caro Araújo Lima, não teríamos porque reeditar seu livro. Mas o fazemos porque, a despeito de todo o avanço tecnológico, o atraso mental persiste. E, o que é pior, na qualidade do ensino.

E esse não é um problema do governo L ou do governo F, como não foi do governo I, do C, ou do S. A chave para a solução do problema, o nosso querido Araújo Lima o sabia, era a conscientização popular, capaz de criar uma “mentalidade nova, propícia aos empreendimentos do ensino básico, organizando-se uma propaganda intensiva, tenaz, sugestiva, por todos os meios de publicidade e de divulgação oral; ou seja, pelo jornal, pela revista, pelo livro, pelo rádio, pelo cartaz, pelos avulsos, pelo cinema, pela conferência, pelo discurso, pelo comício, pela pregação em qualquer tribuna.” Para atualizar fala tão atual, só falta acrescentar “pela televisão, pela Internet e pelo telefone celular”...

Araújo Lima escreveu há mais de setenta anos um libelo que, para ser vibrado hoje, só precisaria de alguns poucos retoques. Porque, apesar de todos os avanços, o problema do ensino básico continua a ser tratado sem o merecido respeito.

Em Memória de Paulo Jacob

Não fosse por um claro anacronismo, diria que Sérgio Buarque de Holanda, ao elaborar a sua teoria do “homem cordial”, teria tido como modelo o querido Armando de Menezes. Armando é só coração. E por aí se desenvolve a principal vertente da sua literatura. Porque o memorialista é antes de tudo um amoroso. Não, eu não disse apaixonado. A paixão é violenta e por vezes cruel. Se o amor afasta-se do ódio por uma linha tênue, essa linha é a paixão. É a paixão que separa o amor do ódio, o bem do mal. Para o proustiano Pedro Nava, poeta da memória, “na reconstituição de memórias, nós levamos para o passado um lastro de presente que corrompe a nossa lembrança. Não sou historiador, sou memorialista. Trato de fatos que tenho a liberdade de interpretar, porque fui participante deles.”[1] Armando ergueu o edifício de sua obra em torno de três pilares: a lembrança, o amor e a simplicidade. A lembrança como matéria de trabalho. O amor como base da composição. E a simplicidade como expressão.

Conheci o Armando há pouco mais de um ano. Mas, ele não sabe, há mais de 20 ouço o Thiago falar dele. Eu, que sou por natureza retraído, só depois de conhecer o Armando compreendi a frase que o querido Thiago repete sempre: “a amizade é a mais alta forma de amor.”

Não faz muito tempo, o nosso presidente Elson Farias registrou, a respeito do Armando, que, entre as “inúmeras artes em que é mestre o nosso companheiro de Academia, a arte da amizade é a que ele exerce com a maior destreza e a mais clara sabedoria.”

Lembrança, amor, simplicidade. A matéria de trabalho. A base da composição. A expressão. Essa equação fica muito evidente – e sua comprovação, mais fácil – no livro que Armando nos entrega nesta noite: Em Memória de Paulo Jacob. A começar pelo título, objetivo, direto, simples, mencionando a memória como fio condutor: memória de um amigo, um grande amigo, como constatamos na leitura, que atravessara à outra margem do grande rio. Estas pouco mais de 50 páginas encerram um significado inestimável: uma homenagem póstuma, um ritual marcado, paradoxalmente, pela alegria que o amigo ausente provocava em vida, pela lembrança dos seus feitos e, em especial neste caso, pela lembrança de sua obra. E que obra, senhores! Pois estamos tratando de Paulo Jacob, um dos grandes romancistas brasileiros da segunda metade do século passado.

Armando de Menezes faz o elogio do amigo Paulo Jacob sem jamais cair na tentação das lembranças piegas. Como grande memorialista que é, dá-nos a mão e nos conduz desde a bucólica Parintins dos anos 30, ambos meninos, até o tambaqui dos sábados, no alvorecer do novo século na metrópole em que Manaus se transformou a fórceps, tempo que perdurou a amizade dos dois, sempre enfatizando o caráter observador de exímio criador de Paulo Jacob, capaz de identificar na fala do caboclo verdadeiros poemas, como no delicioso caso do rapaz que procurou o eminente juiz de direito para denunciar que alguém queria lhe tomar as terras, na qual trabalhava há tanto, justificando-se: “pois já tenho até limoeiro solfejando flores, dotô”. A poesia daquela fala tão simples e tão poética não escapou ao juiz nem ao romancista.

Armando de Menezes, com uma insuspeita veia de crítico literário, desvenda o processo criador de Paulo Jacob, cuja vivência no interior do Estado foi fundamental para forjar universo tão peculiar. Onde alguns vêem dificuldade na leitura dos romances de Paulo Jacob, Armando observa que “seus romances baseiam-se em histórias e lendas de origem no meio hinterlandino amazônico, num linguajar simples, igual ao do nosso caboclo, com o objetivo maior de projetar sempre as figuras do pescador, do caçador, do seringueiro, do agricultor, do artesão e, igualmente, da mulher, sem a qual esses bravos e heróicos homens nada conquistariam na vida.”

Ocupante da Cadeira nº 7 desta veneranda Academia Amazonense de Letras, que tem por patrono o poeta Maranhão Sobrinho, Paulo Jacob sucedeu ao lendário Álvaro Maia. Este livro originou-se da homenagem póstuma que a Academia prestou ao romancista então recém-falecido. O livro, que registra não só a conferência de Armando, como também o debate que se lhe seguiu, e muito especialmente as intervenções da Senhora Marilda Jacob, não é apenas a recuperação da memória do ilustre romancista, mas a cristalização de uma figura ímpar, que, já não estando entre nós, vive em nós, por seus livros imortais, e também agora, por esse ensaio-homenagem que lhe faz o amigo Armando.

Senhor Presidente, senhoras e senhores acadêmicos, senhoras e senhores convidados, crianças: nos meus quase cinquentanos, conheci poucas pessoas tão afáveis e sedutoras quanto esse jovem quase octogenário Armando de Menezes. Não seria exagero de minha parte – eu, que sou tão pouco afável – dizer que quando eu crescer, eu quero ser Armando de Menezes...

Muito Obrigado!

[1] Entrevista à revista Veja – edição de 17/04/74.


Capa da mais nova edição de Só a educação transforma os povos, de Araújo Lima.
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*Por estar o autor ausente da cidade, o texto foi lido pelo acadêmico Tenório Telles, numa noite de agosto de 2005, na solenidade de lançamento dos livros.

sábado, 14 de novembro de 2009

Fantasy Art – Galeria

Princesa Leia.Tsuneo Sanda.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Armando de Menezes lança novo livro

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Será lançado neste sábado, 14 de novembro, o livro Testemunhos e Memória nº 2, do acadêmico Armando de Menezes, que receberá seus convidados às 10h, no Espaço Cultural Valer (Av. Ramos Ferreira, 1195, Centro).

O autor elabora seu testemunho sobre fatos, pessoas e acontecimentos que compõem os cenários de suas vivências. Este livro é uma evidência de sua preocupação com a existência. A obra é composta de fragmentos de vida, ilustrativa de sua relação com o mundo e seu diálogo com personagens que fazem parte de sua história.

galo de rinha


depois que lhe depenaram o pescoço, floresceu o canto rouco. daí que, agora, o galo das sonoras madrugadas reina, sob o alvoroço dos apostadores, nas manhãs de rinhas manchadas de sangue e esvoaçares de penas.

sua fama de galo brigador tem trazido adversários de muito longe.

temo que num desses dias trágicos o altivo galo não resista à fúria de galos mais novos, com seus esporões de aço e bicadas dilacerantes. e, com isso, a cidade mergulhe novamente no esquecimento.

(Adrino Aragão)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

UEA premiada

Sob a liderança do nosso colaborador, professor Doutor João Bosco Botelho, a equipe da UEA venceu o prêmio de melhor tema livre no 1º Congresso Online de Otorrinolaringologia.
(Clique sobre a imagem, para ampliá-la.)
Medicina na mitologia grega
João Bosco Botelho

Vênus de Milo, modelo grego de beleza - e de saúde.

A história das mentalidades assinala que a relação entre a Medicina e a compreensão mítica da realidade se perde no tempo. É impossível separar os muitos mitos relacionados ao entendimento que as pessoas fazem da saúde e da doença. É possível que esse pressuposto esteja vinculado ao apoio oferecido pelos mitos para apaziguar a angústia pessoal e coletiva nas sociedades que ainda não conseguem explicar de outra forma as contradições da vida e da morte.

É importante assinalar que os mitos com as respectivas metamorfoses nascem da relação com o mundo da natureza empírica, mas acima do meramente empírico.

As primitivas relações míticas do homem com outros animais, na pré-história, resultaram na valorização do sangue como o mais importante elemento simbólico. Posteriormente, depois do sedentarismo dos caçadores-coletores, o sangue foi substituído pelas novas relações com a terra cultivada, quando ocorreu o deslocamento dos mitos de origem em direção aos valores dos frutos da terra.

A lenda do guaraná dos índios maués, no Amazonas, tratando a fruta como remédio para todos os males, é um entre muitos exemplos de como os mitos de origem podem se relacionar com as mentalidades, sustentando, durante centenas de anos, explicações pontuais da saúde e da doença, da vida e da morte.

Nesse sentido específico, a construção dos mitos junto à terra cultivada contribuiu para fortalecer o uso das plantas na busca da saúde.

Muitos traços dessa mitologia passando do sangue à terra cultivada, como elementos essenciais à sobrevivência dos homens e das mulheres, evoluíram da Epopeia de Gilgamesh, dos babilônios, à gênese judaico-cristã, passando pela Yebá beló, a lenda dessana da criação do Sol.

Apesar da melhor compreensão da transformação do pensamento mítico e das incontáveis metamorfoses, a dificuldade da interpretação aumenta na proporção do tempo passado.

No Ocidente, a partir do século VI a.C., na Grécia, é possível construir, com alguma segurança, um perfil mítico da Medicina, em torno de metamorfoses que perduram até os dias atuais.

Na mitologia grega, a Medicina começou com Apolo, filho da união de Zeus com Leto. Inicialmente, Apolo era considerado como o deus protetor dos guerreiros; depois, foi identificado como Aplous, aquele que fala verdade. Esse deus curava as pessoas purificando a alma por meio de lavagens e aspersões e remédios obtidos das plantas medicinais. Por essa razão, Apolo era considerado como o deus que lavava e libertava o mal.

Um dos seus filhos, Asclépio recebeu educação do centauro Quíron para ser médico. A escolha do centauro não foi por acaso; ocorreu porque dominava os saberes da música, magia, adivinhações, astronomia e Medicina. Além dessas habilidades, Quíron possuía incomparável destreza: manejava com a mesma habilidade o bisturi e a lira.

Nos muitos templos espalhados nos territórios sob influência grega, Asclépio, o deus da Medicina grega, era celebrado em grandes festas públicas, no dia 18 de outubro.

Asclépio conquistou fama inimaginável: demonstrava a delicadeza do tocador de harpa e a habilidade agressiva do cirurgião. Os doentes que não obtinham a cura em outros oráculos procuravam os milagres desse deus taumaturgo. Mais cirurgião do que médico, ele criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Chegou a ressuscitar os mortos e por ordem de Zeus, temendo que a ordem do mundo fosse transtornada, foi morto com os raios dos Ciclopes.

Asclépio deixou duas filhas e dois filhos. As filhas: Hígia, celebrada como a deusa da saúde perfeita; Panaceia, como vínculo das relações míticas com os frutos da terra cultivada, curava todas as doenças por meio das plantas medicinais. Os filhos, Machaon e Podalírio, os famosos médicos guerreiros, descritos por Homero, se destacaram recuperando a saúde dos guerreiros feridos na guerra de Troia.

Coube a Panaceia continuar a linhagem de médicos, fazendo do seu filho Hipocoonte, um médico famoso e ancestral de Hipócrates.

Existem muitas comprovações arqueológicas das dádivas de agradecimentos dos doentes para Asclépio. Especialmente, na ilha de Cós, onde floresceu a Escola Médica de Hipócrates, na Grécia, foram encontradas várias esculturas com o nome do doente a descrição da doença e da cura obtida. Outras esculturas contendo o nome de Asclépio, produzidas entre os séculos 6 e 2 a.C., contêm a serpente enrolada num bastão.

O simbolismo mítico da serpente ligado à Medicina já estava presente na civilização babilônica, dez séculos antes da formação da polis grega. Existe no Museu do Louvre, em Paris, um vaso de cerâmica encontrado na região de Lagash, representando o deus da cura babilônico – Ningishida – duas serpentes entrelaçadas.

De modo geral, os mitos que envolvem a serpente ligam-se à transcendência da morte. Entre as mais conhecidas explicações para entender a relação da Medicina com a serpente se destacam: a serpente pode viver em cima e embaixo da terra, atuando como mediador entre os dois mundos, e a capacidade da serpente para mudar a pele de tempos em tempos, encenando o renascimento. Esta última interpretação está relatada no Rig Veda (1.79,1), no qual os Adityas são descritos como os descendentes das serpentes, que, ao perderem a pele velha, venceram a morte e adquiriram a imortalidade.

Após a conquista romana da Grécia, Asclépio foi latinizado como Esculápio e as festas de celebração desse deus curador foram mantidas no dia 18 de outubro.

Com a cristianização de Roma, a partir de Constantino, no século 4, as festas populares comemorando o poder curador de Asclépio, no dia 18 de outubro, continuaram e se espalharam na Europa cristã.

O poder eclesiástico romano, sem força para interromper essa festa greco-romana, decidiu que o dia 18 de outubro, marcado pelas celebrações de Asclépio e Esculápio, fosse associado ao nascimento de São Lucas, o Evangelista médico.

A serpente de Asclépio se enrolou na cruz cristã e formou um dos mais belos sincretismos da história da humanidade. A primeira, símbolo da imortalidade embaixo da terra; a cruz, como a representação do inatingível acima da terra, fecham o ciclo mítico pendular entre o desconhecido situado acima da cabeça e abaixo dos pés do homem.

É possível que alguns dos médicos que se reúnem, nos dias atuais, para festejar a Medicina no dia 18 de outubro, desconheçam que continuam celebrando Asclépio.
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Asclépio, com a serpente, e os filhos Hígia, Panaceia, Machaon e Podalírio.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Fantasy Art – Galeria

Boris Vallejo.