domingo, 30 de janeiro de 2022
sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Por que estudamos literatura? (vídeo e PDF)
Trata-se da aula de abertura do ano letivo para os alunos de
Letras, turma de 2022.
Para obter acesso ao vídeo, clique sobre a imagem acima.
Para obter o texto em PDF, clique aqui.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2022
A poesia é necessária?
Prelúdio
Jorge
Barbosa (1902–1971)
(Para António Aurélio Gonçalves)
Quando o
descobridor chegou à primeira ilha
nem homens
nus
nem mulheres
nuas
espreitando
inocentes e
medrosos
detrás da
vegetação.
Nem setas
venenosas vindas no ar
nem gritos
de alarme e de guerra
ecoando
pelos montes.
Havia
somente
as aves de
rapina
de garras
afiadas
as aves
marítimas
de voo largo
as aves
canoras
assobiando
inéditas melodias.
E a
vegetação
cujas
sementes vieram presas
nas asas dos
pássaros
ao serem
arrastadas para cá
pelas fúrias
dos temporais.
Quando o
descobridor chegou
e saltou da
proa do escaler varado na praia
enterrando
o pé direito
na areia molhada
e se
persignou
receoso
ainda e surpreso
pensando n’El-Rei
nessa hora
então
nessa hora
inicial
começou a
cumprir-se
este destino
ainda de todos nós.
terça-feira, 25 de janeiro de 2022
Lenda do guaraná. Te acalma, Jurupari!
Pedro Lucas Lindoso
Uma das
lembranças gostosas de minha infância aqui em Manaus é o gosto de nosso
guaraná, o verdadeiro guaraná, de casco escuro. Vinha envasado naquelas
garrafas de vidro que eram também utilizadas para cervejas. E os rótulos eram
de papel. As principais marcas eram Tuchaua, Baré e Magistral.
Nos
dias de festa, compravam-se dúzias de garrafas armazenadas em gradeados de
madeira. Colocavam-se as garrafas para gelar em bacias de alumínio ou tonéis. O
gelo era adquirido em barras. O gelo era partido em pedaços menores e as
garrafas de guaraná eram colocadas para gelar bem cedo. Havia poucas
geladeiras. A de nossa casa era a gás. Não existiam freezers.
No
final da festa, lembro-me que os rótulos de papel se desgrudavam das garrafas e
ficavam boiando nas bacias e tonéis. Às
vezes eu os retirava da água fria e os punha para secar.
Quando
nos mudamos para Brasília não havia do nosso guaraná por lá. Havia o tal de
guaraná “champanhe”. Esse, clarinho e sem graça, que fabricam até os dias de
hoje. Até provamos da novidade. Mas era outra bebida. Não era o nosso guaraná,
escurinho e docinho. Era preciso esperar as férias em Manaus para tomar do
nosso verdadeiro guaraná.
Há
alguns anos fiquei feliz em encontrar, nas gôndolas dos supermercados de
Brasília, o nosso guaraná escurinho. Exportamos nossos refrigerantes para
Brasília e outras lugares do Brasil.
Mas a
produção de concentrados do nosso PIM – Polo Industrial de Manaus está sob
ameaça. A produção de refrigerantes, em especial do nosso guaraná, é um dos
principais setores da Zona Franca. Querem reduzir a alíquota de isenção dos
concentrados. Vai prejudicar os produtores de cana de Presidente Figueiredo e
de guaraná de Maués. Vai gerar desemprego.
Desculpem
o baixo calão. Mas é mais uma safadeza conosco. Quando fizeram o CEP – Código
de Endereçamento Postal, criado pela Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, em maio de 1971, nenhuma unidade da federação queria ter a dezena
69000. Diziam que o número remetia à “safadeza”. Para não dizer outra coisa. E
resolveram destinar ao Amazonas.
O
primeiro guaranazeiro nasceu dos olhos de uma jovem Maué, que se apaixonou por
um índio de uma tribo inimiga. Jurupari, o deus da escuridão, resolveu matar o
indiozinho, filho deles. As lágrimas dos pais regaram um broto do qual nasceu um
fruto vermelho. O guaraná.
Agora,
o Jurupari quer acabar com a produção dessa bebida sagrada para o povo Maué. Te
acalma Jurupari! Deixa de safadeza!
segunda-feira, 24 de janeiro de 2022
domingo, 23 de janeiro de 2022
quinta-feira, 20 de janeiro de 2022
A poesia é necessária?
A caranguejeira feliz
Thiago de Mello (1926-2022)
Estão afáveis os ferrões da aranha
pousada na madeira da manhã.
Caçadora noturna, ela está imóvel,
as pernas cabeludas estendidas.
Chego mais perto: dorme fatigada
sob o possante resplendor do dia.
Cada pêlo é um olho, e em cada olho
um brilho denso de felicidade.
Sobre a parede de maçaranduba,
na luz da antemanhã, antes a vira:
tinha o dorso coberto por um corpo
em tudo igual ao seu, só que mais negro.
Maravilhado vi: eram lentíssimos
os movimentos, sombra sobre sombra,
suavidades. No abraço vertical,
o amante delicado lhe agradava
os flancos com as patas eriçadas.
Deixei os dois na paz feita de fúria
no sonoro silêncio da floresta.
Ferrões afáveis, pernas distendidas,
indiferente à claridão, a aranha
amazônica dorme, e talvez sonhe
com quem feliz a fez antes da aurora.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2022
Amazonidades: gesta das águas - lançamento
terça-feira, 18 de janeiro de 2022
Big Brother. Cuidado com ele!
Pedro Lucas Lindoso
Não.
Não vou falar do programa de televisão. Anuncia-se mais uma edição. Todo ano
tem sido assim. A expressão “big brother”, o Grande Irmão, é na verdade a
figura principal do livro chamado 1984. Escrito pelo romancista
britânico George Orwell, foi publicado em 1949. A história tem como cenário a
fictícia Oceania. Tudo gira em torno do Grande Irmão. “Quarenta e cinco anos,
de bigodão preto e feições rudemente agradáveis”, assim se apresenta o Big
Brother, o líder máximo. Assumiu o poder depois de uma guerra de escala
mundial.
Cartazes
espalhados pelas ruas mostram a figura bisonha da autoridade suprema e o
slogan: “O Grande Irmão está de olho em você”. E está mesmo, literalmente,
graças às “teletelas”. Espalhadas nos lugares mais diversos.
Pois
bem, o Grande Irmão está aí na sua mão. É o objeto mais usado nos dias de hoje.
É o seu relógio, o seu despertador, seu banco, sua agenda, sua loja, seu
dicionário, sua bússola, seu táxi, seu restaurante, seu correio, sua companhia
aérea, seu álbum de fotos, seu arquivo pessoal. Nada mais nada menos que seu
celular. O seu “big brother”.
Ele
sabe tudo de você. Ele tem tudo seu. Sua vida está na palma de sua mão. Um
casal de amigos de Brasília perguntou-me se há bons restaurantes vegetarianos e
veganos em Manaus. Após rápida consulta nos sites de busca comecei a receber
enorme quantidade de propaganda de restaurantes, livros e produtos veganos e
vegetarianos. O “big brother” achou que eu havia me tornado um vegano.
A
internet, acoplada ao celular, apesar de sua grande utilidade e benefícios,
tornou-se um mundo incontrolável. As informações sobre as pessoas, empresas e
instituições em geral estão disponíveis a toda sorte de uso.
Há
vantagens. Eu recuperei contatos com amigos e ex-colegas. A internet é fonte de
divulgação de conhecimento, mas, infelizmente, de fake news, também. A
exposição sem limites da vida privada, em especial das pessoas mais jovens, é
perigosa. A juventude é ainda mais vulnerável. Todos temos que ter o máximo
cuidado com o que vamos acessar, o que será compartilhado. Temos que conversar
com nossos filhos e netos sobre o perigo de superexposição. A privacidade é um
bem que deve ser preservado. O direito a essa privacidade não pode ser
negligenciado pelo poder público, nem pelos pais, nem tampouco pelos educadores.
Atenção
pessoal. O grande “big brother” encontra-se não só nesse programa de televisão tão
odiado e adorado. O “big brother” está na sua mão. É o seu celular! Cuidado com
ele!
segunda-feira, 17 de janeiro de 2022
domingo, 16 de janeiro de 2022
sexta-feira, 14 de janeiro de 2022
Thiago de Mello (30/3/1926 – 14/1/2022)
Amadeu (meu nome de menino, ele dizia) Thiago de Mello. Quadro de autor desconhecido. |
Ontem sonhei com três
rinocerontes
Thiago de Mello (1926-2022)
Ontem sonhei com três rinocerontes
que me chamavam, rosas no unicórnio,
pelo nome que tive de menino.
Mordidos pelos pássaros noturnos,
pupilas assombradas, me chamavam
a com eles partir, antes da aurora,
para o lugar onde as estrelas nascem,
enquanto se afundavam numa lama
coberta de ametistas e de garças.
Quero ficar. Mas antes que se
afundem,
a pele, peço, a pele que me deixem,
em carne viva sigam pelos pântanos,
mas a pele me deixem, que proteja
o que no peito meu finda de infância.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2022
A poesia é necessária?
Herança de morte
Amélia Dalomba
Lírios em mãos de carrascos
Pombal à porta de ladrões
Filho de mulher à boca do lixo
Feridas gangrenadas sobre pontes quebradas
Assim construímos África nos cursos de herança e morte
Quando a crosta romper os beiços da terra
O vento ditará a sentença aos deserdados
Um feixe de luz constante na paginação da história
Cada ser um dever e um direito
Na voz ferida todos os abismos deglutidos pela esperança
quarta-feira, 12 de janeiro de 2022
terça-feira, 11 de janeiro de 2022
Cuidado, frágil!
Pedro Lucas Lindoso
Eu
sempre tive a impressão de que nosso planetinha Terra fosse frágil. Essa noção
se deu muito cedo. Eu era um garoto de doze anos de idade quando o mundo
acompanhou a aterrissagem da Apollo 11 na Lua. 20 de julho de 1969. Morava em
Brasília e vimos tudo pela TV. As revistas da época estampavam a foto de nosso
planeta. A terra é azul, nos diziam os astronautas.
No
Ginásio havia aprendido que a Terra fazia parte de um sistema solar, junto com
Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. E o sol era uma
mera estrela. Tão importante ou tão grande quanto as milhares que vimos no céu.
Foi então que entendi que a Terra é insignificante perante o Universo. E por
isso, frágil. Cuidado, Frágil! Handle with care! Não é assim que se coloca como
alerta nos objetos que são frágeis? Deviam espalhar esse aviso pelo planeta.
Não se deve tratar a Terra como se o planeta não fosse frágil.
Proponho
que se possa colocar esse alerta, esse aviso, em lugares como na sede da ONU,
Torre Eiffel, Coliseu, Parthenon, Grande Muralha da China, Monte Fuji, Uluru ou
The Rock na Austrália, Taj Mahal, Pirâmides do Egito, Praça Vermelha, Big Ben, Portão
de Brandemburgo e claro, no nosso Cristo Redentor.
Ainda
jovem, fui apresentado a Antoine de Saint-Exupéry. Na Aliança Francesa de Brasília
fui compelido a ler O Pequeno Príncipe. E dentre as várias
interpretações que me foram colocadas sobre a obra, achei que Saint-Exupéry
também tinha consciência dessa fragilidade de nosso planeta. Como todos sabem,
O Pequeno Príncipe narra a história de um principezinho, que viaja pelo
universo em busca de sabedoria. Na Terra ele encontra um aviador perdido no
deserto. Que seria o próprio Exupéry.
O
pequeno Príncipe é cheio de frases famosas e repetidas em várias situações. Mas
há uma que guardo com especial atenção. “quando o mistério é impressionante
demais, não ousamos desobedecer”. Provavelmente porque endossa essa minha
opinião. A de que Exupéry se preocupava com o planeta e seus mistérios perante
o Universo. E, portanto, com a fragilidade da Terra. “Attention fragile”, como
se diz em Francês.
Particularmente
não gosto de filmes de ficção científica. Podem ser muito assustadores. Mas
comecei o ano novo assistindo a um filme que me remeteu a essa fragilidade da
terra que tanto me assustou a vida toda. O polêmico filme Don’t look up!
Não olhe para cima! Trata-se da história de dois cientistas que descobrem um
corpo espacial sólido que está vindo em direção ao planeta. Obviamente, tentam
alertar autoridades e imprensa para que providências sejam tomadas. Porém, há
um jogo político de interesses em que a ciência não é levada a sério. Numa
época de pandemia, com tantos conflitos e debates intensos sobre o que é
ciência e o que não é, o filme assustadoramente parece que veio para criar
ainda mais polêmica. Não quero entrar no debate político. O que sei é que nosso
planeta precisa ser cuidado. O planetinha é frágil. Handle with care. Attention
fragile!
segunda-feira, 10 de janeiro de 2022
domingo, 9 de janeiro de 2022
quinta-feira, 6 de janeiro de 2022
A poesia é necessária?
Visão de
São Paulo à noite
Poema
Antropófago sob Narcótico
Roberto
Piva (1937-2010)
Na
esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há
místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um
silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul
de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror
em taças de maré alta
na rua
São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade
com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças,
meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma
floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não
se apoia em nada
eu não me
apoio em nada
sou ponte
de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias
simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos
verdes aplicados no corpo das praças
há um
sino que não toca
há anjos
de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem
glorificado
espectros
vibrando espasmos
beijos
ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras
tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os
malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo
Brama sentado em flor de lótus
Cristo
roubando a caixa dos milagres
Chet
Baker ganindo na vitrola
eu sinto
o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo
putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e
crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores
lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na
vitrina do horror
disparo-me
como uma tômbola
a cabeça
afundando-me na garganta
chove
sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas,
meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera
derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopeias libertas
ânsia
fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correrias de maconha em piqueniques
flutuantes
vespas
passeando em volta das minhas ânsias
meninos
abandonados nus nas esquinas
angélicos
vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as
colisões, o parto
e o Estrondo
terça-feira, 4 de janeiro de 2022
Um ano sem epidemias e terremotos
Pedro Lucas Lindoso
Terminamos
mais um ano ainda sob a pandemia do covid19. A humanidade nunca esteve livre de
pandemias e grandes desastres ecológicos. Principalmente nas formas mais
brandas que são as epidemias e os terremotos de menor escala.
Ao longo da história foram muitas as epidemias
que mataram milhões de pessoas. Epidemia
de varíola no Japão, a Peste Negra, cólera, tuberculose, Gripe Espanhola, e
outras. Mais recentemente a Pandemia de Aids (1980 até a atualidade); Pandemia
de Sars (2002-2004) e essa que nos assola, esse abominável Corona vírus.
E os
terremotos? Em 31 de janeiro deste ano que acaba, reflexos de um abalo sísmico
de 5,7 de magnitude, cujo epicentro foi registrado a cerca de 460 quilômetros
da capital da Guiana, Georgetown, foi percebido por moradores de Manaus.
Em
agosto de 2017 um terremoto no Peru atingiu 8.0 na escala Richter. A força do
tremor e a pequena profundidade facilitaram a disseminação de suas ondas. Isso
fez com que nós manauaras sentíssemos a terra tremer. Eu me encontrava no
quarto andar do Edifício Petrobras e senti o abalo. Desci as escadas correndo.
Foi a segunda vez que um terremoto me pegou em ambiente de trabalho.
Em
junho de 2008 eu me encontrava na Refinaria da Petrobras, aqui em Manaus. Dias
antes haviam mudado o mobiliário do escritório em razão de um estudo ergonômico
implementado pelo RH da companhia.
Quando houve o tremor eu inocentemente acreditei que se tratava de algum
dispositivo de relaxamento acoplado às novas cadeiras ergonômicas. Ledo engano.
A terra tremeu. Nesse dia os manauaras sentiram os reflexos de um forte
terremoto de magnitude 8 ocorrido no Peru, que causou muitas mortes por lá.
Mas o
primeiro terremoto a gente nunca esquece. O Jornal do Comércio está
republicando as primeiras páginas dos jornais de 1963. Em meados de dezembro
daquele ano houve um terremoto em que a terra tremeu por 30 segundos, conforme
a manchete do JC de 15 de dezembro de 1963.
Eu era
um garoto de seis anos de idade. Jamais esqueci. Morava na rua Henrique Martins,
em frente ao SESC. O Pessoal saiu do prédio gritando. Era por volta de oito da
noite e eu estava me preparando para dormir. Meus pais não estavam em casa.
Estávamos sob os cuidados de uma prima de meu pai. Prima Erzila gritava
histericamente, nos fazendo mais medo do que o abalo em si.
O JC
informava que “as pessoas que estavam no cinema Avenida e Odeon os abandonaram
aterrorizadas, assim como os moradores do IAPETC desceram para a Praça Pedro
II”.
O que
desejo para o Ano Novo? Um ano sem epidemias e terremotos. Afinal o Brasil irá
comemorar 200 anos de sua independência.