Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

O rio Amazonas

Elson Farias


Rio, lavras tua gula,

comedor de terra e espuma,

trazes os teus peixes todos,

sol ardente sobre lâmina.

 

Manhã clara consumada,

hereditária da chuva,

água tranquila na cuia

do verão que te saúda.

 

Noite nova sobre as árvores,

sombras nos ombros da lua,

os duendes antigos vivos,

mulher deitada na grama.

 

Não és um rio caduco,

mas uma fera atiçada.

Contra a fome te concentras

como o fixo olhar da garça.   

  

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Servidores para bem servir

Pedro Lucas Lindoso

 

Dia 28 se outubro se comemora o dia do servidor público.  Antigamente, no Brasil, se chamava de funcionário público aos que se dedicavam ao ofício de trabalhar pelo e para o estado, o município e a união. O termo ainda é bastante usado. Era como os servidores eram chamados sob a égide da Lei n° 1.711/1952 que teve vigência até 1990.  Com o advento    o da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que revogou aquele antigo estatuto, a data comemorativa foi mantida. Data que foi instituída em 28 de outubro de 1939, durante o governo de Getúlio Vargas.

Nos Estados Unidos, os cidadãos americanos têm o costume de sempre agradecer aqueles que servem ao seu país. E que os servem por tabela, é claro. Principalmente, os que atuam na defesa, segurança e outros serviços perigosos ou insalubres. Não temos esse hábito. Possivelmente porque nossas elites sempre acharam dispensável agradecer aqueles que os servem. Desde os escravos até os barnabés.

Chamávamos de barnabé. Aqueles politicamente incorretos ainda os chamam assim. O servidor público mais humilde e hierarquicamente inferior. É pejorativo. Em inglês, não há o equivalente. Também não há equivalente em francês ou outras línguas. Exceto o nome bíblico. São Barnabé ou Barnaby. A origem do termo está no carnaval de 1948. Uma marchinha onde se precisava rimar com a letra E de extranumerário. Daí surgiu o barnabé. Eternizada na voz de Emilinha Borba, a marchinha dizia: Quadro extranumerário/Ganha só o necessário/Pro cigarro e pro café/ Quando acaba seu dinheiro/Sempre apela pro bicheiro/Pega o grupo do carneiro/Já desfaz do Jacaré/ O dinheiro adiantado/ Todo mês é descontado/Vive sempre pendurado/Não sai desse tereré./ Todo mundo fala fala/Do salário do operário/ Ninguém lembra o solitário/ Funcionário Barnabé/ Ai Ai Barnabé/Ai Ai funcionário letra É./ Ai Ai Barnabé/ Todo mundo anda de bonde/Só você é que anda a pé....

A maioria dos barnabés de hoje são terceirizados.  Por empresas e cooperativas. Na França a terceirização é proibida. Chama-se de merchandage. No Reino Unido, a Família Real se considera a serviço do povo Inglês. São então servidores!

Desejo a todos os brasileiros que assim  o desejarem,  possam fazer um bom concurso e se tornarem servidores bem remunerados. Para bem servir. Feliz ponto facultativo aos servidores. Aliás um bom e merecido feriadão.

 

domingo, 27 de outubro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCIV

 

Rua ligando o bairro de Santo Antônio a São Jorge. Década de 1960.

sábado, 26 de outubro de 2024

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Estudo I

Alcides Werk (1934-2003)

 

Este o lugar em que me entrego. Eu, que

sempre fui cuidadoso com meu sangue,

aqui vejo-o embeber-se em solo estéril

– sacrifício vazio a um deus extinto.

 

Gosto de frequentar esta taberna,

onde me sirvo do meu próprio vinho,

nem perguntam quem sou. Meu companheiro,

que antes cantava e me aplaudia, agora

 

embuçado em silêncio me observa

como se eu lhe devesse algum milagre.

Na meia-luz da tasca entra uma lua

 

que inventa novas sombras nas paredes.

Dos meus olhos de espanto e de tristeza

vai caindo um poema sobre a mesa.



terça-feira, 22 de outubro de 2024

Manaus, com respeito e carinho

Pedro Lucas Lindoso

 

No próximo dia 24 de outubro estaremos comemorando mais um aniversário de nossa querida Manaus.

Sempre que a data se aproxima eu me lembro de minha saudosa mãe. Eu a visitava quando fazia escalas em Brasília. Num certo outubro disse-lhe que Manaus estaria fazendo trezentos e tantos anos no dia 24. Ela, espantada, me disse:

– Mas eu me lembro do centenário da cidade! Foi no ano em que me casei!

De fato, meus pais, José e Amine Lindoso, se casaram em oito de dezembro de 1948. Na Igreja de Nazaré. Pouco mais de cinquenta metros de onde minha mãe morava.

Ela não estava totalmente errada. Em 24 de outubro de 1848 Manaus juntamente com Santarém, no Pará, eram elevadas à categoria de cidade. O nome dado ao local foi Cidade da Barra do Rio Negro. Ainda éramos Grão Pará. Mas, logo em 1850 o Amazonas tornou-se província.  Novos tempos. Novas percepções. Naquela mesma década a cidade passou a se chamar Manáos. Reforma ortográfica já no século 20 que transformou páos e náos em paus e naus. E Manáos virou Manaus.

É certo que há vários milênios já se comia jaraqui por aqui. É certo também que   na segunda metade do século 17 os colonizadores chegaram na terra dos Manaus e dos Barés.

Minha mãe também não estava errada. Naquele ano de 1948 quando ela se casou comemorou-se cem anos do decreto que elevou Manaus da categoria de vila à categoria de cidade.

Assim, conservou-se o 24 de outubro. Já o ano da fundação, ocorrida na segunda metade dos anos 1600 foi consenso entre historiadores e “experts” que o melhor ano seria 1669.

O importante é celebrar nosso amor pela cidade. No meu saudosismo, queria uma Manaus com mais paralelepípedos e menos asfalto. Mais árvores e menos igarapés poluídos.

Sou de uma época em que os embates políticos se davam em comícios.  Palcos eram armados nas ruas e praças. Mais importante do que as farpas, difamações e vitupérios mútuos, era uma boa oratória. O falar bem era decisivo. Tínhamos eleições mais respeitosas. Manaus mais civilizada. Manaus com mais respeito e carinho. A cidade precisa desse presente de aniversário. Respeito e carinho.


domingo, 20 de outubro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCIII


Montagem da cúpula do Teatro Amazonas.

 

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Paisagem aquática

Almir Diniz (1929-2021)

 

Imaginei-me poeta

quando me vi remar sonhos

na igarité das ideias

singrando o líquido dorso

dos lagos de minha infância:

– o do Rei e o Marajá –

bordados de canarana

e lendas de cobra-grande

e ilhas de matupá

de bubuia contra o vento

nas asas do meu momento.

 

De passagem, as oiranas

povoadas de ciganas

compunham a valsa da vida

no dolente baticum

dos remos tangendo notas

nas falcas do casco leve

feito de louro-gamela,

fendendo o doce mistério

da ternura adolescente,

na corrente e nos sonidos

dos paranás dos meus idos.

 

No remanso e no rebojo

o meu remo garimpava

salpicos de melodia

vertendo brilhos difusos

que iam tingir de prata

os fornos esmeraldinos

da deusa vitória-régia

repletos de jaçanãs,

falenas, socós, intãs,

de aruás e de magia

a semear poesia.

 

A viagem dos cardumes,

demandando corredeiras,

em fúria reprodutiva

desabrochava em minha alma

uns pendões de melodia

permeando de perfumes

as flores da inspiração

nos domínios da ilusão,

nos teclados da estesia.

Dos frisos das piracemas

nasciam belos poemas.

 

Imaginei-me um esteta,

pintor nativo, um aedo,

quando vinha a primavera,

ouvindo do passaredo

suaves canções nativas

de japiins, sabiás,

canários e curiós,

rouxinóis, uirapurus

saudando manhãs de luz,

a alma de sons vestida,

os olhos tecendo a vida.

 

O sol vindo desatava

clarões de rara beleza

tingindo de luz nenúfares,

sensitiva, mururés,

e os curvos pendões dourados

de arroz-brabo e canarana

atraindo a passarada

ao repasto matinal.

Então o vento lançava

chuva de grãos saciando

a piracema passando.



terça-feira, 15 de outubro de 2024

Professores

 Pedro Lucas Lindoso 


Dia 15 de outubro. Como todos os anos, é dia de saudar os professores.

Sou de uma família de professores. Meu pai, José Lindoso, foi professor. Não se furtava em explicar e ensinar aos filhos. Sempre com desvelo e alegria. Nosso maior mestre. Em tudo e por tudo.

Tive a felicidade de ter tido muitos e inesquecíveis professores. E também a alegria de ensinar. E ter tido a oportunidade de ter muitos alunos inesquecíveis também.

Há um autor da Literatura Medieval Inglesa chamado Geoffrey Chaucer. Foi ainda filósofo e diplomata.  Autor da obra Os Contos de Canterbury (The Canterbury Tales, em Inglês). O primeiro grande clássico da literatura mundial composto em língua inglesa.

Nesse fantástico livro há vários contos narrados por personagens. Eles são peregrinos em uma viagem de Southwark, em Londres, até a Catedral de Canterbury. O objetivo é visitar o túmulo de São Thomas Becket.

Dentre esses personagens o meu preferido é o monge (“the monk”). Os contos de nosso monge são trágicos, na verdade. Ele relata vários acontecimentos mas é interrompido pelo cavaleiro sob o argumento de que estava cansado de tristezas.

O meu afeto pelo monge reside no fato de que ele é professor. E, como eu, um apaixonado por livros. Tinha muito orgulho de sua vasta biblioteca. Na Idade Média, antes do advento da prensa de Gutemberg, os livros eram raros e caríssimos. Dos peregrinos, incluindo um reitor e um advogado, o monge era o que possuía mais livros. Tinha seis livros. Uma verdadeira riqueza para aquela época!

O monge deveria ser o que hoje seria um estudante de pós-graduação, que estuda e leciona. De suas falas a que eu jamais esqueci diz: “I gladly learn and I gladly teach”, cuja tradução livre seria: “Eu aprendo com alegria e ensino com alegria”.

Para os professores se tornarem inesquecíveis e que eles também possam se lembrar de alguns alunos é preciso que se ensine e se aprenda com alegria.

Para tal, os professores precisam de qualificação, respeito, dignidade e bons salários.

Feliz dia aos professores e seus alunos. Com alegria!

 

domingo, 13 de outubro de 2024

Manaus, amor e memória DCXCII


Eduardo Ribeiro, com a Catedral ao fundo.

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Do urutau

Max Carphentier

 

Vivendo de morrer do amor perdido,

a alma da cunhã, presa na lua,

às vezes desce sobre a noite, e canta

com o nome de urutau, ave das sombras,

em que se encarna pra sofrer nos ramos.

É que Tupã um dia a condenara,

por ter sido infiel, a errar nas trevas,

penando como fazem as flautas tristes.

E vem nesse cantar da lua à terra

toda mágoa dos olhos que interrogam

o céu sobre o pesar do amor sozinho,

como o pesar que sofre essa cunhã

que, se um falaz amor tarde traíra,

do verdadeiro amor cedo partira.

 

 

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Tipos de eleitor

Pedro Lucas Lindoso 


As pesquisas eleitorais deviam analisar melhor o perfil do eleitor a ser entrevistado. Vejamos alguns tipos.

Há o eleitor em que ele próprio é candidato. Se for candidato a um cargo majoritário como prefeito, por exemplo, é claro que votará em si mesmo. Agora, sua escolha para vereador é uma incógnita. Nem ele sabe. Com certeza vai votar em candidato de sua legenda. Mas já prometeu seu voto para pelo menos cinco.

Quem é servidor público e trabalha nas eleições está, muitas vezes, mais interessado nas folgas que vai ter no trabalho, do que em quem vai ser o próximo prefeito.

O eleitor que é filiado a um partido de esquerda vai votar na certeza de eleger seu candidato. Faz boca de urna e veste-se de vermelho, põe um boné do MST e vai à luta. Geralmente é fiscal do seu partido.

O eleitor de direita é mais discreto. Mas também faz boca de urna e pede votos de forma reversa. Pede para não votar em comunista.

Idosos que votam opcionalmente têm seus motivos. Gostam de votar e exercer a cidadania. Ouviram falar que o voto faz prova de vida junto ao INSS. Outros acreditam que a Justiça Eleitoral pode informar a abstenção à Previdência. Podem achar que morreram e ter o benefício suspenso.

Sem contar os idosos que vão votar para sair de casa e participar da muvuca eleitoral.

Um adolescente me contou que tirou seu título porque participou de um projeto em sua escola. E também para impressionar a namorada.

Há os revoltados. Vão votar para não ter o salário suspenso. E votam em branco.

Há os conscientes. Votam com prazer e acreditam na importância do voto e da Democracia.

Há o eleitor corrupto. Mas fiel. Recebeu duzentos reais para votar em determinado candidato. E cumpre com sua palavra. Mas há o corrupto infiel. Recebe dinheiro até de mais de um candidato e vota em outro. Há o infiel ingrato. Recebe dinheiro e vota em branco.

Existem ainda, claro, os que financiaram campanhas e pretendem contratos ou empregos no Poder Público.

 Por fim não podemos esquecer os eleitores do Distrito Federal. Não há prefeitos nem vereadores em Brasília. Estão dispensados neste pleito. E você, caro leitor? Em que tipo de eleitor você se enquadra?

 

domingo, 6 de outubro de 2024

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Os que andam com os mortos - entrevista ao Entretextos

 

Zemaria Pinto fala a Dilson Lages Monteiro sobre
Os que andam com os mortos 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A poesia é necessária?

 

Da dor maior

Ernesto Penafort (1936-1992)

       

líquida é esta noite

em que te encontras distante.

líquida, também,

é esta vontade minha

de te ter nos braços

e amar com toda a força

da minha existência de homem.

     

belo seria

o momento em que pudesse

de um só golpe sorver-te

mesmo através dos poros

deste corpo que pulsa por ti.

     

o cântico dos cânticos

não é mais belo do que tu.

e cantar-te, nesta hora,

é para mim o privilégio

que dilata meu coração,

que pulsa por tua vontade,

     

líquida é esta noite

em que também me umedeço,

orvalhecendo-me por ti,

como se fosse o produto

de um céu sem deuses,

como se fosse o único astro

de um firmamento fechado.

 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Idalina e os garçons

Pedro Lucas Lindoso

 

Minha respeitável e veneranda tia Idalina é uma pessoa queridíssima. Moradora de Copacabana, há anos. Todos a conhecem. Os feirantes a veneram. O rapaz da farmácia tem grande consideração por ela. A moça da banca de revista faz todas as suas vontades. Na época em que se usava cheques trocava os cheques de titia por dinheiro sem reclamar.

Há uma turma que fica apavorada ao vê-la: os garçons. Exceto o Joaquim. Um rapazinho louro, filho do português dono do self-service no qual ela sempre vai. É que ela lhe dá generosas gorjetas.

Os problemas de Idalina com os garçons é antiga. Em Portugal, fez “psiu” para o garçom.  Para piorar, chamou-o de moço. Era um senhorzinho que lhe passou uma reprimenda:

– Não sou gato para ouvir “psiu”. Tampouco sou moço.

No que titia, que não leva desaforo para casa nem para o Brasil, respondeu-lhe.

– Está se vendo que o senhor é um velhote. E mal educado.

Mas os problemas de tia Idalina com garçons não fica só nas diferenças culturais. É que titia é muito exigente.  E sempre tem um senão a fazer. E ao fazer algumas exigências confunde os garçons e os cozinheiros.

Certa vez fomos a uma pizzaria. Havia quarenta tipos de pizza. Titia criou a pizza quarenta e um. Pediu uma portuguesa sem cebola com milho, ervilha e aspargos.

Numa pastelaria havia vinte tipos de pastéis. Inclusive de frango com catupiri. Ela quis um só de frango. Sem catupiri. Veio com catupiri. Ela reclamou. O moço disse que todos os de frango tinham catupiri. E pronto.

Ela quase teve um troço. Mas acabou comendo com catupiri mesmo.

Na volta de Portugal, pela TAP, o comissário perguntou-lhe:

– Frango ou carne, senhora.

Titia pediu bacalhau. No que o comissário desculpou-se. Só serviam bacalhau na classe executiva.

Tia Idalina comentou que os portugueses eram sistemáticos. Custava servir um bacalhauzinho para ela?!

Nos restaurantes, as exigências são variadas. Carne ao ponto. Mas bem passada. Picanha sem gordura. E por aí vai.

Ah! Essa titia! Terror dos garçons de Copacabana e adjacências. Mas, mesmo assim, amada por todos.