Yuehui Tang. |
sábado, 30 de junho de 2012
quinta-feira, 28 de junho de 2012
A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 3/12
Zemaria Pinto
Máscara lírica e dor estética
O termo “máscara lírica” pretende romper
com a relação autor-eu lírico: nos poemas expressionistas, o poeta-autor
Augusto dos Anjos dá lugar a uma personagem (persona – máscara), para se expressar como tal, na sua inteireza e
integralidade de máscara, sem nenhum vínculo físico com o poeta-autor, embora
às vezes descreva-se fisicamente como o próprio e até use o seu prenome. A esse
poeta-autor Hugo Friedrich chama de “eu empírico”, num contraponto ao eu lírico
(1991, p. 37). A máscara lírica é, portanto, resultante do embate entre o eu
empírico e o eu lírico, irrompendo como um desdobramento do segundo – é outro
eu lírico, muito diferente do primeiro e, principalmente, do eu empírico. Este,
entretanto, mantém o controle do processo criativo, pois a máscara lírica é um
ato deliberado de criação do poeta-autor.
No caso de Augusto dos Anjos, podemos
dizer que o eu empírico é o próprio poeta-autor, manifestando-se por si mesmo,
em poemas como os dois primeiros sonetos ao pai ou o sentimental “Ricordanza della mia gioventú”. O eu
lírico, por sua vez, é uma personagem do autor, que se manifesta com
equilíbrio, porém com um sentimento de evasão, sempre melancólico; é o caso de
poemas da segunda fase, como “Uma noite no Cairo”, “A ilha de Cipango” e o
encantador “Vandalismo”. A máscara lírica, por fim, é uma segunda personagem,
capaz de se expressar de uma forma totalmente diversa de ambos, característica
dos poemas expressionistas de Augusto dos Anjos.
A “dor estética” é o conceito que
orienta a máscara lírica, definido no poema de abertura do Eu, “Monólogo de uma sombra”. Essa dor estética tem desdobramentos
e exigências: a desindividualização ou anulação do eu; a negação do sentimento
amoroso; o repúdio a qualquer forma de prazer. A melhor definição para a “dor
estética” seria fornecida por Fernando Pessoa no seu conhecido paradoxo sobre o
“fingimento” do poeta: é a dor forjada com arte, a dor “fingida” – não
necessariamente sentida. Esse fingimento é um véu sobre a máscara lírica.
A dor estética tem um fundamento
ideológico na filosofia de Schopenhauer e no budismo. Para melhor entendermos
o conceito, podemos simplificar o pensamento
de Schopenhauer da seguinte forma : a vida do homem oscila entre
o sofrimento e o tédio ; o prazer
é apenas uma cessação
provisória do sofrimento. Schopenhauer só vê saída para o homem na contemplação
estética , na prática
ética da justiça
e da caridade e na vida
ascética , longe
dos prazeres mundanos (PADOVANI;
CASTAGNOLA, 1990, p. 394-398). A doutrina
budista, neste ponto, não difere muito de Schopenhauer, podendo ser resumida da seguinte
forma : a vida
é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo ; é preciso
suprimir o desejo para
acabar com o
sofrimento. O ideal budista
é o Nirvana , estágio
de não-sofrimento atingido somente pelos iluminados (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 76-82).
terça-feira, 26 de junho de 2012
segunda-feira, 25 de junho de 2012
O que há num nome?
Pedro Lindoso*
“What's in a name? That which we call a rose by any other word would
smell as sweet.”
“Que é que há num nome? O
que chamamos rosa
Teria o mesmo cheiro com
outro nome.”
William Shakespeare, in Romeu e Julieta
Raimunda Silva nasceu em
Parintins, terra dos bumbás Caprichoso, da cor azul, e Garantido, vermelho.
Raimunda, ou Rai, como prefere ser chamada, desde sempre teve problemas com
nomes. O seu próprio nome, como todo brasileiro sabe, rima com palavra africana
que denomina uma parte do corpo humano a qual a natureza genética favoreceu a
nossa heroína com especial fervor.
Raimunda
é filha de “Seu” Raiovaque e Dona Pro Rep. Sofre todos os constrangimentos possíveis ao ter que explicar
a origem dos nomes de seus amados genitores. Raiovaque foi batizado assim
porque seu saudoso pai, avô de Raimunda, achava que as pilhas Ray o Vac eram as
melhores do mundo. Ora, as pilhas da marca Ray o Vac fazem parte da história e
da vida de muitos brasileiros, há décadas. As famosas amarelinhas. Mas dar nome
a um filho de Raiovaque é fazer com que a criança tenha desvantagem na vida já
na pia batismal. Sua mãe, Dona Pro Rep. nasceu no dia da Proclamação da
República. Na folhinha do calendário estava abreviado Pro de proclamação e Rep.
de república. Como o dia era feriado, provavelmente a santa seria de grande prestígio.
Daí, batizaram a pequena parintinense de Pro Rep. Santa ignorância.
Dona Pro e seu Rayovaque sempre foram pais dedicados, gente da melhor
qualidade. Raiovaque e Dona Pro Rep logo cedo resolveram investir na educação
da filha Raimunda, que de tanta chacota, com ajuda de amigos e professores,
ficou definitivamente conhecida como Rai.
Rai, ainda garota, começou
a estudar Inglês. A língua inglesa é de grande utilidade em Parintins,
principalmente na época do festival folclórico. A cidade se enche de turistas
do mundo todo. Rai ficou empolgadíssima com a oportunidade de aprender Inglês.
Sempre se preocupou em estudar muito. Acreditava um dia alçar novos rumos, em
direção a Manaus ou até mesmo o Rio de Janeiro e Miami.
Os sonhos de menina, já bem escolarizada e
ávida por livros, eram incrementados
pelas informações que não paravam de aportar a Parintins. Tudo por conta do boi
bumbá. Navios e aviões vindos de todos os lugares do planeta, via Manaus,
sempre traziam novidades, cultura e conhecimento.
No primeiro dia de aula de
Inglês, o professor saudou a turma com um sonoro “hi”. Rai achava que era com
ela e disse “presente professor”. Risada geral. Pensou em trocar o apelido para
Raí. Lembrou-se do famoso jogador de futebol e desistiu. Os nomes pareciam
entraves em sua vida. Mas a menina não desanimou. Estudou com afinco. Os
americanos acham engraçado que a moça se chame Rai, que soa como “hi”, que, todos
sabem, é “oi” em Inglês.
Atualmente, Rai fala
Inglês razoavelmente bem, além de ser uma linda cunhã poranga, a moça bonita da
tribo. Dizem ter sido sondada para se apresentar como cunhã poranga do boi ou
rainha do folclore, itens apresentados pelas belas garotas de Parintins,
durante o famoso festival.
Teria que ser do
Caprichoso, é claro. Fervorosa brincante do boi Caprichoso, não usa
absolutamente nada de vermelho, cor do Garantido. Tudo é azul. Só toma
Coca-Cola porque em Parintins há dois “outdoors” da Coca-Cola. Um em azul do lado do
Caprichoso e outro em vermelho do lado
do Garantido.
Raí formou-se em Letras no campus avançado da
universidade federal, lá em Parintins mesmo. E tem “notebook”, doado por um
gringo que quase a raptou, com juras de amor. Não fosse ela uma cabocla sabida,
alfabetizada e muito consciente do que quer da vida.
Depois não gostou do nome
do gringo. Chamava-se Raymond, apelidado de Ray. Era muita confusão. E ainda
por cima, lembrava o constrangedor nome de seu querido pai, inspirado nas
pilhas Ray o Vac. Ah! Os nomes. Sempre atormentando a vida da Rai.
Um dia, Rai apaixonou-se
por um rapaz do boi Garantido. A rivalidade entre os bois de Parintins
extrapola os dias de festa. O rapaz tinha sobrenome de família fundadora do boi contrário ao seu. Enamorou-se
de um brincante do boi inimigo. Com sobrenome de família de boi inimigo. Prenúncio
de tragédia. Amor impossível. Por coincidência, à época, estudava Romeu e
Julieta na faculdade. Memorizou com afinco a fala de Julieta, que aqui vamos
transcrever, na tradução de Fernando Nuno, para a editora Objetiva:
“É só seu nome que é meu inimigo:
Mas você é você, não é Montéquio!
Que é Montéquio? Não é pé, nem mão,
Nem braço, nem feição, nem parte alguma
De homem algum. Oh, chame-se outra coisa!
Que é que há num nome? O que chamamos rosa
Teria o mesmo cheiro com outro nome;
E assim Romeu, chamado de outra coisa,
Continuaria sempre a ser perfeito,
Com outro nome. Mude-o, Romeu,
E em troca dele, que não é você.
Fique comigo.”
A frase “Que é que há num nome? O que chamamos rosa/Teria
o mesmo cheiro com outro nome;” resumia a sua história, a sua vida. Mas
Raimunda era muito prática. Não seria uma Julieta cabocla. Nem pensar. Melhor
apaixonar-se por Shakespeare.
Houve por bem esquecer seu Romeu caboclo. O
rapaz só queria saber de dança do boi e nada de leitura. Hoje, sem dúvida, a
culta parintinense é a pessoa que mais conhece literatura na cidade. É um
fenômeno. Sem nunca ter saído de Parintins já leu Machado de Assis, Eça de
Queiroz e avança especializando-se em literatura brasileira contemporânea. Tem
preferência pelas escritoras Rachel de Queiroz, Clarice Lispector e Lígia
Fagundes Telles. Por último, encantou-se com os trabalhos de Nélida Piñon.
Ocorre que ficara grávida do pretendente a pajé do Garantido. Aquele que só
queria saber de ser dançarino de boi, e de boi inimigo. Resolveu assumir a
gravidez ocultando-a do namorado, na solidão de moça moderna. Mesmo porque
seria constrangedor que um filho de uma cunhã do Caprichoso, tivesse um pai
pajé do Garantido. Melhor mesmo ficar como filho do boto, muito comum na
região. Resolveu que seu filho se chamaria Daniel. Acabaria com as chacotas de
nomes em sua família. Entretanto, nasceu uma linda menina. Pesquisando a vida de
Nélida Piñon, soube que Nélida é anagrama de Daniel, avô da escritora. Por fim
batizou a filha de Nélida Piñon da Silva, na certeza de que sua princesa não
vai sofrer agruras com o nome escolhido. Será?
Jorge Tufic
IV
- ARTE POÉTICA (do “biotipo” ao mágico)
Rainer
Maria Rilke teria sido o último “biotipo” de poeta, segundo um modelo
contemplativo zelosamente recortado daquela Europa de fins do século XIX,
quando o tropo da rosa adquire força
total, em oposição à máquina do progresso e do barulho. Mas nada parece constar
a esse respeito desde Homero aos românticos ocidentais, e destes ao
parnasianismo. Do romantismo, no Brasil, ficara o protótipo Castro Alves –
gravata de nó saliente, bigode afilado e torcido nas pontas, cabeleira farta,
perfil apolíneo –, como do parnasianismo ficara Bilac. Tanto um quanto o outro
espelhando, na descontenção e na contenção dos gestos, a marca registrada de
sua escola. Não há, contudo, registro oficial de um biotipo exato de poeta; e
mesmo Nero, empunhando e dedilhando pateticamente a lira – este símbolo
clássico da Poesia – não conseguiu mais do que o ridículo de atiçar contra Roma
o fogo sagrado dos deuses.
O
poeta simplesmente é. Ele nunca se define por obra de um biotipo qualquer, por
circunstância de um protótipo (que no mínimo pode simbolizar uma escola) ou por
uma escritura de versos, ou seja lá por que meio ou forma de comunicação verbal
ou não-verbal se faça representar em sua breve ou prolongada travessia. Quanto
ao modo particular de vestir, alguns deles, no propósito majestoso de lançarem
moda ou apenas se distinguirem dos outros, criam seu próprio traje, o qual, em
última análise, servirá unicamente para identificar a pessoa, a menos que ela
ostente um decalque onde se leia o conteúdo da embalagem. Entre simbolistas e
dadaístas franceses, essa “extravagância” chegou mais longe, com a retórica do
cágado e dos cabelos pintados de vermelho. Mas tudo era feito com o só
propósito de atrair curiosos.
domingo, 24 de junho de 2012
Manaus, amor e memória LXIII
Da esquerda para a direita, os poetas Elson Farias, Thiago de Mello e Farias de Carvalho, jograleando... |
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Thiago de Mello
sábado, 23 de junho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 2/12
Zemaria Pinto
Fases e recepção
A poesia de Augusto dos Anjos tem duas
fases distintas: a primeira, composta por poemas de extração simbolista e
parnasiana, com resquícios de romantismo; e a segunda, onde estão os poemas expressionistas
do Eu. Mas essa distinção ainda é insuficiente,
porque ambas as fases podem ser subdivididas. Assim, estabelecemos quatro fases
na poesia de Augusto dos Anjos, conforme a cronologia de produção dos poemas
estabelecida por Zenir Campos Reis (1977, p. 30-37)[i]:
1ª
fase: de 1900 a 1903;
2ª
fase: de 1903 a 1906;
3ª
fase: de 1906 a 1912;
4ª
fase: de 1912 a 1914.
Dos 58 poemas da edição original do Eu, 13 pertencem à segunda fase, representando
o aprendizado e o amadurecimento do poeta – entre os 19 e os 22 anos. São
poemas que podem ser distribuídos entre as estéticas então em voga:
simbolistas, parnasianos e mesmo românticos. Os outros 45 poemas pertencem à
terceira fase, o âmago do Eu. Os
poemas da quarta fase foram chamados, a partir da 3ª edição, de “Outras poesias”.
Os demais compõem os “Poemas esquecidos”.
A produção da terceira fase – os outros
45 poemas do Eu – é constituída de
trabalhos cuja maioria é marcada por
uma expressão até então desconhecida na literatura brasileira[ii].
Entendamos “expressão” como uma combinação não apenas de fala e linguagem, mas,
sobretudo, de imagens e ideias, harmonizando forma e conteúdo de maneira
inusitada. A partir de determinado ponto numa hipotética linha do tempo –
localizado em junho de 1906, com a publicação de “Queixas noturnas”[iii]
–, Augusto dos Anjos dá uma guinada na sua expressão poética. É como se o eu
lírico desse lugar a um outro – sua máscara lírica. Sua poesia adquire um tom
mais agressivo, abordando temas como o “novo homem” e “uma nova humanidade”.
Essa nova expressão, inominada, dá o tom da maioria daqueles 45 poemas.
Desqualificar essa dificuldade de
enquadramento foi a estratégia utilizada por boa parte da crítica, considerando
irrelevante, mero didatismo ou mesmo uma grande bobagem qualquer classificação[iv].
Outra parte, baseada em alguns daqueles 13 poemas e em poemas que o autor
certamente rejeitaria[v],
classifica-o como simbolista. Augusto dos Anjos foi ainda chamado de parnasiano
e até de art-noveau.
Para explicar aquela poesia tão
original, o “infortúnio crítico” de Augusto dos Anjos, no dizer de Eduardo
Portela (1994, p. 65), aponta-lhe patologias diversas – físicas, morais,
sociais –, inferidas a partir da combinação entre leitura equivocada e
desinformação biográfica: esquizofrenia, tuberculose, ateísmo, materialismo,
individualismo, extravagância, ceticismo, pessimismo, satanismo, egocentrismo,
pobreza pecuniária.
Uma parcela quase insignificante – do
ponto de vista quantitativo – viu na expressão poética de Augusto dos Anjos
marcas, vestígios, indícios da estética expressionista: Gilberto Freyre, Anatol
Rosenfeld, Massaud Moisés, Lêdo Ivo, Luiz Costa Lima, Ivan Junqueira, Sérgio
Martagão Gesteira. E aqui entramos nós.
[i] A propósito, todas as datas de
publicação citadas, salvo eventual indicação em contrário, foram obtidas em Augusto dos Anjos: poesia e prosa (REIS,
1977).
[ii] Enfatizamos maioria porque alguns poemas, poucos, ainda podem ser classificados
como parnasianos e simbolistas.
[iii] O poema “Queixas noturnas”,
inaugural do novo modo de escrever, foi publicado pela primeira vez no dia 03
de junho de 1906, no periódico O Comércio,
da Paraíba.
[iv] Órris Soares chega às raias da
violência: “A que escola se filiou? – A nenhuma. [...] Isso de escolas é
esquadrias para medíocres.” (1928, p. XIII).
[v] Os “Poemas esquecidos”, de
interesse mais histórico que literário.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Olhar de viés
João
Sebastião
Em nome de quem...
Dentre
as minhas muitas obrigações cotidianas está a de ouvir discursos. Ouço dezenas
deles ordinariamente. Discursos vazios, desconexos, ridículos, improfícuos,
infames. “Bom dia a todos e a todas”: alguém tentou me explicar que isso faz
parte do discurso politicamente correto, que procura não discriminar os gêneros.
Mas a discriminação está na gênese do milenar discurso patriarcal. Seria preciso
mudar a genética, antes de mudar a gramática.
Agora,
se tem uma coisa que me irrita mais que encontrar cabelo em pamonha, me indigna
mais que o cinismo em público e me provoca vômito, como misturar mastruz com
leite, é ouvir de alguma figuraça, dirigindo-se a uma mesa onde outras
figurinhas palitam as unhas, entediadas, o bordão: – Dr. Sacripanta de Tal, em
nome de quem eu saúdo os demais membros da mesa. BLEARGH!!!
Já
ouvi governador falar isso mais de uma vez! Presidente de Academia de Letras, trocentas vezes!
Vereadores, deputados, senadores – a maioria, analfabetos funcionais –, esses
nem me espantam.
Mas
eu fico doente se ouço um colega professor, curtido e mal pago, talvez mal
alimentado, repetindo a bobageira. Estive num evento, recentemente, em uma
conceituada universidade federal... Não, não foi na UFAM, embora já tenha
ouvido a besteira, muitas vezes, lá também. Eu dizia que estava em um evento, com
uma mesa cheia de professores, o reitor, o representante da Capes e o capescete.
E seis discursos foram feitos, dos quais dois ignoraram solenemente a sonolenta
mesa, mas quatro (dois terços!), inclusive a coordenadora do evento (uma
espécie de pop star acadêmica) e o reitor repetiram a cantilena:
–
Magnífico reitor Professor Nulidade da Silva, essa pessoa linda e maravilhosa, em
nome de quem eu abraço carinhosamente os demais membros da mesa.
–
Professora Sirigaita Rotunda, em nome de quem eu cumprimento os demais membros
da mesa.
Saí
de lá enjoado, o estômago querendo devolver a lagosta moqueada, temperada com
cachaça de engenho e meia dúzia de Heinekens, do almoço. Caramba, estragar
lagosta por causa de uns ogros... Fui ao boteco da Maga, botar mais umas
Heinekens na carcaça e ouvir blues. Precisava esquecer aquela overdose de “em
nome de quem”. Não consegui. Tanto que estou aqui, leitor, dividindo contigo
minha angústia. Querido leitor do momento, na pessoa de quem eu saúdo todos os meus
três ou quatro eventuais futuros leitores...
Curso de Arte Poética
Jorge Tufic
Diante
de alguns impasses que mudaram os focos de leitura, chegamos a considerar que a
única saída para o consumo imediato de poesia, segundo a teoria PROCESSO, com
“a técnica já criando nova linguagem universal”, é a semiótica. Aqui, a
funcionalidade informacional “é mais importante do que a funcionalidade estética”;
e o fato de encarar ou não os objetos-poema como poesia, torna-se uma questão
secundária ante a eficiência de construir sempre novas estruturas baseadas em
cada nova experiência. “O poeta procura letras nos objetos”, escreve Wladimir
Dias-Pino, em cujo livro, “Processo: Linguagem e Comunicação”, divulga as
inúmeras opções e/ou operações de montagem dialética, aproveitando, com isso,
um vasto laboratório de consumo e codificações extraídas ao cotidiano, prosaico
ou poetizável. Decerto foi este o último movimento de vanguarda na poesia
brasileira, projetando-se além do ideograma dos concretistas e do pop. Numa só
frase: “o lúdico transformando em didático/consumo popular.”
Considerar,
acreditar, para entender. Em última análise, há um longo caminho percorrido
entre a inquietação lógico-verbal e o poema visual, gustativo, manipulado ou
descartável. Os intervalos de crise dizem menos respeito à poesia do que ao
suporte. As artes plásticas nos dão este exemplo, guardadas as devidas
proporções. Pois é na poesia que o vivente das coisas se depara com maior
desafio, quando a maioria dos recursos tradicionais foram praticamente
exauridos no uso e no abuso da imagética, na orgia embriagadora de que pouco se
aproveita no cômputo geral. Para nós, contudo, desde que a poesia não seja o
assunto do poema, nem deixe transparecer, tanto quanto possível, dicotomia com
a prosa, distinguindo-se desta pela crispação daqueles significados paralelos
de que nos falam os semiólogos, qualquer forma utilizada pelo poeta deve ser
respeitada e avaliada pela crítica. Afinal de contas não será a palavra, o
logos, a única alternativa de sobrevivência na voragem de um mundo
racionalmente explicado?
domingo, 17 de junho de 2012
sábado, 16 de junho de 2012
quinta-feira, 14 de junho de 2012
A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 1/12
Zemaria Pinto
[Augusto dos Anjos] desidealizou o conceito de gosto
para dessacralizar a linguagem e, com isto, verbalizar despreconceituosamente a
experiência humana.
(Eduardo Portela)
O animal conhece a morte tão-somente na morte; já o
homem se aproxima dela a cada hora com inteira consciência e isso torna a vida
às vezes questionável, mesmo para quem ainda não conheceu no todo mesmo da vida
o seu caráter de contínua aniquilação. Principalmente devido à morte é que o
homem possui filosofias e religiões.
(Schopenhauer)
Augusto
dos Anjos, poeta expressionista?
O primeiro a apontar a
aproximação de Augusto dos Anjos ao Expressionismo foi Gilberto Freyre, em
artigo de 1924, eivado de equívocos históricos e de avaliação, porém, com uma
observação pioneira: “Havia em Augusto dos Anjos alguma coisa de um moderno
pintor alemão expressionista. Um gosto mais de decomposição do que de
composição” (1994, p. 78). Quarenta e cinco anos depois[i], é
Anatol Rosenfeld quem volta ao assunto, lançando as primeiras luzes para a
compreensão do autor pelo viés expressionista, ao aproximá-lo dos poetas
alemães Gottfried Benn, Georg Heym e Georg Trakl, contemporâneos de Augusto dos
Anjos:
Há naturalmente diferenças
profundas, de forma e substância, entre cada qual desses poetas de uma só
geração e, em especial, entre os três alemães e o brasileiro. Mas há, sem que
se queira fazer de Augusto dos Anjos um expressionista (movimento do qual
dificilmente pode ter tido notícia), coincidências notáveis. (2006, p. 264)
Ora, não “ter tido
notícia” do movimento expressionista não tira de Augusto dos Anjos o mérito de,
a seu modo, ser parte integrante dele, desenvolvendo processos expressionistas
inéditos, em paralelo com o que faziam os poetas europeus. De qualquer forma, o
que nos interessa é a utilização de elementos teóricos do Expressionismo,
comuns em Augusto dos Anjos e na primeira geração expressionista alemã, que
começa a aparecer em 1910, quatro anos após o início da produção expressionista
do autor paraibano.
Objetivos
O que pretendemos
demonstrar: primeiro, fugindo do lirismo confessional, e baseado em um conceito
pinçado em Schopenhauer, a dor estética, o autor forjou uma personagem, a sua
máscara lírica; segundo, a finalidade desta era denunciar a degradação pela
qual passava a humanidade, por meio de poemas que subvertiam as noções então
aceitas de beleza; por último, como consequência desse processo, Augusto dos
Anjos aproximou-se de tal forma dos expressionistas alemães – antes deles –,
que é absolutamente aceitável classificá-lo como um poeta expressionista. Em
outras palavras, justificando o título do nosso trabalho, Augusto dos Anjos
inventou uma variante expressionista, calcada especialmente na deformação da
realidade, buscando uma representação não aristotélica, inserida em uma forma
fragmentada e contrastante – dentro do padrão geral, de “uma poesia marcada
menos por um estilo comum do que por atitudes comuns” (SHEPPARD, 1999, p. 313).
E aqui não se trata apenas de uma “sensibilidade expressionista”, termo que
poderia ser usado em relação a Euclides da Cunha, por exemplo, mas de um corpus e uma Ideia expressionistas. Sem
temer o grotesco ou o kitsch,
extraindo beleza do “mau gosto” e da matéria em decomposição, Augusto dos Anjos
registrou, de modo singular, a vida brasileira no limiar do século XX.
[i] 1969 é o ano de publicação do
texto em livro. Na 30ª edição do Eu,
de 1965, Francisco de Assis Barbosa cita Rosenfeld, com detalhes (p. 315).
Aliás, o próprio Rosenfeld afirma, no prefácio de seu livro, que aqueles
estudos haviam sido publicados, “na sua grande maioria, em periódicos
brasileiros, no decurso dos últimos quinze anos” (2006, p. 11).
OBS1: Comunicação apresentada ao I CONALI - Congresso Nacional de Literatura, realizado em João Pessoa, de 03 a 06 de junho de 2012, comemorando o centenário de publicação do Eu. Publicada nos anais do I CONALI.
OBS2: Trata-se de uma versão resumida da dissertação de mestrado em Estudos Literários do autor, apresentada a 11 de abril de 2012, na UFAM.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Ruínas de Pau d'Arco
Zemaria Pinto
No último dia 05 de junho, levado pelo amigo escritor Hildeberto Barbosa
Filho, fui conhecer as ruínas do engenho Pau D'Arco, onde nasceu e viveu grande
parte de sua curta vida o poeta Augusto dos Anjos, celebrado em um Congresso
Nacional de Literatura promovido pela UFPB, de 03 a 06 de junho, lembrando os
100 anos da edição do Eu.
Não entrarei em detalhes. Das dezenas de fotos que fiz, ficaram estas duas: o pé de tamarindo e a casa de Guilhermina, que, restaurada, é um acanhado memorial do poeta.
E ficam, para sempre, os poemas pelos quais eles – o tamarindo e Guilhermina – serão lembrados.
Não entrarei em detalhes. Das dezenas de fotos que fiz, ficaram estas duas: o pé de tamarindo e a casa de Guilhermina, que, restaurada, é um acanhado memorial do poeta.
E ficam, para sempre, os poemas pelos quais eles – o tamarindo e Guilhermina – serão lembrados.
O pé de tamarindo, imortalizado por Augusto dos Anjos, fica nos fundos casa construída em lugar da casa onde nasceu e viveu o poeta. |
Debaixo do tamarindo
No
tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como
uma vela fúnebre de cera, Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje,
esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda,
como uma caixa derradeira, O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando
pararem todos os relógios
De
minha vida e a voz dos necrológiosGritar nos noticiários que eu morri,
Voltando
à pátria da homogeneidade,
Abraçada
com a própria EternidadeA minha sombra há de ficar aqui!
A casa da ama de leite Guilhermina, restaurada, é o que resta além do Tamarindo. |
Ricordanza della mia gioventú
A
minha ama de leite Guilhermina
Furtava
as moedas que o Doutor me dava. Sinhá-Mocinha, minha Mãe, ralhava...
Via naquilo a minha própria ruína!
Minha
ama, então, hipócrita, afetava
Susceptibilidades
de menina:“– Não, não fora ela! –” E maldizia a sina,
Que ela absolutamente não furtava.
Vejo,
entretanto, agora, em minha cama,
Que
a mim somente cabe o furto feito...Tu só furtaste a moeda, o ouro que brilha...
Furtaste a moeda só, mas eu, minha ama,
Eu furtei mais, porque furtei o peito
Que dava leite para a tua filha!
Curso de Arte Poética
Jorge Tufic
Quanto aos defensores do verso, da
metáfora, a estes caberia também um avanço mais arrojado em suas pesquisas. Os
estudos dedicados ao assunto muito contribuíram para isso. A análise estrutural
“descobriu” um outro Rimbaud por trás da aparente obscuridade de seus quartetos
(“A estrela chorou rosa no coração de tuas orelhas, /O infinito rolou branco de
tua nuca a teus rins, /O mar perolou ruivo em suas mamas vermelhas, /E o homem
sangrou negro em teu flanco soberano”). Eros e Tânatos se irmanam, então, para
uma análise permanente do texto aberto, atribuindo mais importância aos
símbolos que engendram o conteúdo da mensagem poética, do que propriamente aos
valores relativos da forma em que foram vazados. Abre-se, pois, o leque das
confluências e as divergências parecem reduzir-se, na medida em que umas e
outras correntes de ideias terminam por encontrar-se no mesmo sistema de
fragmentação (ou destruição, como preferem os semiólogos) do discurso ou da
estrutura, verbal ou não-verbal, do objeto “poético”, sem que, tampouco, se
tenha chegado à conclusão do que seja este objeto ou do que seja este poético.
Em “Sísifo”, livro de poemas de Marcus Accioly, há uma sequência de fundo
“didático” que começa por estabelecer a diferença entre prosa e poesia, entre o
lírico e o épico, entre o antigo e o moderno; a sequência prossegue com animais
& pássaros, com a natureza, e termina com a “linguagem” das estrelas, um
desfecho no qual as palavras se desarticulam, os fonemas invadem o espaço do
objeto que tentam “segurar”, e, de tudo, restará ao final a “linguagem da água /
no silêncio”, onde a palavra silêncio, escrita e repetida quarenta e quatro
vezes, com todas as suas letras entre parêntesis, resulta numa superfície
compacta, num daqueles signos polivalentes que chegam a demonstrar as funções
referidas: água, vento, moléculas, átomos, silêncio.
Assim
posto, tanto faz o poeta saturado de tradicionalismo abandonar o verso, como o
poeta do verso persistir em sua necessidade, desde que ambos estejam empenhados
na “localização” da poesia (e note-se que Rimbaud, autor do quarteto citado, é
um poeta do século XIX), os efeitos reais não levam a outra coisa, a menos que
o agente, embora limitado por sua época, consiga reafirmar o ethos da liberdade criadora através de
arrojadas metáforas, a exemplo de Sousândrade. As palavras de ordem são de
Pierre Albert-Birot: “A arte começa onde a imitação acaba”. Ou: “Procurai outra
coisa, sempre outra coisa; porque procurar é viver e encontrar é morrer”. A
poesia está em tudo, desde que o viver a reconheça. Nós estamos na Era da
Máquina, mas raros se apercebem disso. A nostalgia bucólica, o cravo na lapela,
já não comovem o Ral do progresso científico. O homem semiótico está aí mesmo:
“...pensar profundamente é pensar o mais longe possível do automatismo verbal”
(Paul Valery).
domingo, 10 de junho de 2012
Manaus, amor e memória LXI
sábado, 9 de junho de 2012
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Amazônia: literatura e cultura
Zemaria Pinto
Derivado do III Colóquio Internacional Poéticas do Imaginário, este livro vem
reafirmar o sucesso de um evento de grande magnitude que não se deixa cair no
erro da repetição de velhas fórmulas. Antes, o primado aqui é a originalidade.
O desafio começa logo no título – Amazônia:
literatura e cultura. Qual Amazônia? Todas. Porque a Amazônia só pode ser
pensada a partir de sua diversidade: continental.
Como afluentes do grande rio que a
navega ao meio, os assuntos se expandem e se multiplicam nas mais diversas cores
e direções: da literatura à história, a produção cultural amazônida está aqui
repensada desde as manifestações orais – ancestrais – até a contribuição/contaminação
imigrante, passando pela viagem que essa cultura faz para fora de si mesma.
Não
citarei nomes para não explicitar preferências por um ou outro texto, pois no
final eles se completam, formando um grande painel desse caldeirão cultural
amazônico. Mas é preciso registrar a
presença luminosa de Astrid Cabral – a professora falando da poeta. Discorrendo
sobre seu processo de criação, ela nos dá uma lição de simplicidade: “Parto rumo à aventura do desconhecido, em busca do que só
existe misteriosamente dentro de mim, de modo vago e amorfo, porém, em luta
para emergir.” Aula magna.
Obs: orelha do livro Amazônia: literatura e cultura, organizado por Allison Leão, reunindo as conferências apresentadas no III Colóquio internacional de Literatura, realizado pela UEA, nos dias 16 a 18 de maio passado.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Curso de Arte Poética
Jorge Tufic
O quanto dissemos, no entanto, ao
desembocar nas teorias extremamente provocadoras do século XX, com seus mitos
tecnológicos e o pretendido “discurso de ninguém”, amplia-se numa sequência de fatos
ligados à conquista da fotografia, do cinema, das artes plásticas, e conduzem à
nova ciência de ler o mundo, que tem na Semiologia o seu ponto de apoio. Assim,
o campo ainda mal definido do poético excita os pesquisadores a testarem a
saturação verbal do Ocidente, opondo-lhe ou impondo-lhe o ícone utilizado no
Oriente. A ocorrência de uma ruptura com a tradição ocidental torna-se, deste
modo, inevitável com os trabalhos de Fenollosa, cuja influência sobre Ezra
Pound resulta numa poética de estrutura gráfica, como a de Mallarmé. Umberto
Eco: “A Poética, no sentido mais lato da palavra, se ocupa da função poética
não apenas da poesia, onde tal função se sobrepõe a outras funções da
linguagem, mas também fora da poesia, quando alguma outra função se sobreponha
à função poética.”
A
liberdade criadora atinge o seu clímax. Renova-se o vocabulário com o
dia-a-dia, as gírias vão sendo aproveitadas, os padrões castiços cedem ao
incremento de novas experimentações no domínio da sintaxe, com o pronome
oblíquo iniciando períodos, entre muitas outras, inclusive a busca de recursos
poéticos nos falares indígenas. Acirram-se as polêmicas entre os epígonos do
concretismo, do neoconcretismo e os defensores do verso, os sinólogos, como eram considerados por
Fenollosa. É nesse estágio, precisamente, que uns e outros se aprofundam em sua
teoria a respeito do objeto poético ou objeto da poesia, estes procurando
estabelecer uma forma que pudesse distinguir a prosa da poesia, revalorizando a
função da metáfora, e aqueles colocando a poesia como “antiliteratura”, estando
mais relacionada com as artes (pintura, música etc.), do que com a sintaxe
lógico-discursiva da prosa. Entre os defensores do verso estão, naturalmente,
os poetas da geração de 45. Alguns poemas concretos, explorando ainda o valor
da palavra em seus diversos níveis (prosódico, sintático, semântico), os
poemas-objetos e a poesia/processo, afirmam em definitivo a posição de uma
vanguarda atuante, já repercutindo em outros países da América e da Europa.
OLHO POR OLHO, de Augusto de Campos, é um exemplo de clareza e eficácia. O
próprio autor explica que o mesmo “não necessita de ‘chave léxica’ explícita
porque se compõe de signos extraídos da realidade cotidiana: uma esteira de
olhos arrancados a personagens conhecidos conduz a um triângulo formado por
sinais de trânsito, de significação universal (...). Esse poema
'inqualificável' tem, pois, uma semântica visível a olho nu.”
domingo, 3 de junho de 2012
sábado, 2 de junho de 2012
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