Amigos do Fingidor

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Lábios que beijei 23


Zemaria Pinto
Olga


Beleza não era exatamente o forte de Olga, embora feia não fosse. Pequena, roliça, bunda e peitos fartos, cabelos crespos cheios – o que depois chamariam de “black power” –, a janela de Olga ficava bem em frente à minha, separada pelo movimento lento da ensolarada rua de barro. Aos poucos, fomos nos tornando íntimos e acendendo o desejo do encontro dos corpos. A primeira vez deu-se num quarto sórdido, a cama manchada do sangue de Olga. Inexperientes, nossos encontros eram sempre muito tensos, especialmente quando tentávamos reproduzir o que conhecíamos apenas de sugestões.  A lembrança de Olga e sua coma me vem envolta em uma bruma da qual ela emergirá com o sol das tardes de outubro, para me doar sua juventude e me amar sem pressa.

domingo, 29 de junho de 2014

Manaus, amor e memória CLXVI


Huebner, autorretrato.
Puta selfie...
Semana passada, postamos aqui um reclame do fotógrafo alemão George Huebner, e nos lamentamos pelo fato de suas fotos circularem sem a devida identificação de autoria.

Acontece que Huebner, além de fotografar a cidade e pessoas, tem um trabalho etnográfico extraordinário.

Ele colaborou com ninguém menos que Theodor Koch-Grünberg.

Claro que, até então, eu não sabia nada disso. Salvou-me do vexame e forneceu material para este "Manaus, amor e memória" superespecial a querida, amada, idolatrada, salve! salve! Clara Nihil, antropóloga, estudiosa desses alemães malucos que andaram por aqui há mais de cem anos.

Olha o Huebner aí, Clarinha!!!

Huebner com amigos.

Huebner em trabalho de campo.
Se alguém lembrou de outros alemães malucos,
Werner Herzog e seu Fitzcarraldo, está na trilha.
Índia do Pará.
Grupo de bindiapás.
Jovem de tribo não identificada.
Índios macuxis e uapixanas com o tuxaua macuxi Ildefonso.
Jovem bindiapá.
Grupo de pauxianas.
Índia pauxiana.
Chefe macuxi.
Meninas marqueritare.
Jovens carajás.
Traje de dança dos carajás.
Casal de tribo não identificada.
Jovens uapixanas.
Jovens canelas.
Jovens uapixanas.
Jovem macuxi.

(Com exceção das duas primeiras fotos, sobre as quais não há registros, as demais foram tiradas entre 1895 e 1910.)


sábado, 28 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria


Josephine Wall.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

As mulheres de Sergio Cardoso: cem anos de solidão


Zemaria Pinto



A leitura dos originais de O teatro urbano de mulheres de Lazone, de Sergio Cardoso, reavivou-me o debate sobre texto teatral ser ou não literatura, tão antigo quanto o teatro e a literatura. Polêmica similar ocorre entre letra de música popular e poesia, outra velha e boa discussão.
É preciso observar que o texto dramático guarda total homologia com a prosa de ficção, mantendo uma estrutura básica, formada por enredo, fábula, personagens, ambiente e tempo. Entretanto, o texto dramático alicerça-se na fala das personagens; sem fala nãotexto dramático, mas pode haver teatro. Dito de outra maneira: um texto dramático formado só de indicações cênicas não é literatura, mas pode ser teatro.
Conclusão: teatro é sobretudo espetáculo, com ou sem falas, mas o texto de teatro, se o há, é, sim, literatura. E mais ainda quando transformado em livro: se no palco ele, o texto, é apenas um dos componentes do espetáculo – e nem sempre o mais importante –, no livro ele é absoluto, transferindo ao leitor as funções de encenador, figurinista, contrarregra, iluminador, ator...
O teatro urbano de mulheres de Lazone reúne 12 textos de Sergio Cardoso, todos, salvo engano, levados ao palco, experimentados no embate com o público. Olhando-os agora, em conjunto, podemos observar o trabalho paciente, quase artesanal, do autor, construindo um universo próprio, a mítica Lazone, à margem direita do rio das Sombras, com seu imponente teatro, suas galerias subterrâneas, sua “cidade flutuante” e seus dramas humanos e sobre-humanos, sempre numa atmosfera suprarreal.
Sergio trabalha sobre um fio de navalha: humor e tragédia se misturam, em cenas antinaturalistas, com uma agilidade cinematográfica. Não à toa, o cinema é uma referência constante, seja no nome das personagens seja nas inúmeras citações de títulos clássicos. Tudo potencializado, as situações criadas, de um humor amargo (o humor pode ser doce?), aproximam-se do dramalhão hollywoodiano das primeiras décadas do cinema falado, com pitadas de noir; mas algumas figuras monstruosas remetem ao expressionismo alemão. Os fantasmas, aliás, são outra recorrência – ora como um recurso de flashback ora como personagens, interagindo na trama, interferindo em seu curso.    
As mulheres de Lazone, criadas por Sergio Cardoso, reinventam a história da cidade de Manaus, desde a crise da borracha até a primeira década deste início de século, contemplando exatos cem anos de imaginação a serviço da fantasia, onde convivem em deliciosa desarmonia cobras-grandes, vampiros, tartarugas radioativas, mendigos, loucos, socialites, prostitutas, malandros, políticos corruptos, fantasmas diversos e toda uma fauna de criaturas aprisionadas no dia a dia da cidade. E a despeito da grande quantidade de personagens a transitar no palco, a solidão das protagonistas – muito mais que a geografia e a história comuns – é o fio que costura as peças, dando-lhes unidade, estabelecendo vasos comunicantes entre elas, como num corpo vivo, montando esse extraordinário painel da arte cênica amazonense.

Mundica, Gilda, Carmem, Dorothy, Mercedita e todas as outras são mais que meras criações da mente inquieta do também artista plástico Sergio Cardoso: são arquétipos de mulheres que pintaram, com tintas épicas, a história cotidiana, banal, medíocre, desta cidade abrasadora, à margem esquerda do rio Negro.

Obs: apresentação do livro O teatro urbano das mulheres de Lazone, de Sergio Cardoso. Manaus: Valer, 2013. 

Linguagens, vogais e consoantes



João Bosco Botelho
         

As evidências mostram que os elementos formadores das teorias pretendendo desvendar as linguagens, nas quais estão incluídas as que tratam da fantástica capacidade de escrever em muitas linguagens, tanto descrevendo o objeto visível quanto na ficção, estão contidos no cérebro. A coisa (ou as coisas) que estruturou as linguagens é física.
Se as áreas cerebrais responsáveis estão danificadas, não é possível a expressão das linguagens. Isso significa, sem nenhuma dúvida, que o conjunto formador que gera as linguagens não se dá sobre o nada. As estruturas nervosas responsáveis pela intercomunicação entre a memória, a linguagem, os sentidos e o social se ligam, no cérebro, por meio de bilhões de sinapses (ligações entre as células cerebrais ou neurônios). É a prisão mental de cada um! É a jarra de Pandora que construiu na oralidade e continua brotando, na linguagem escrita, os infortúnios e esperanças da humanidade.
Quando danificados nos traumas cranianos ou pela cirurgia, em animai de experimentação, alguns centros neurológicos específicos relacionados às linguagens alteram o comportamento emocional e emitem sons em desacordo com a necessidade daquele momento: expressões de sono, agressividade e medo ou fazer o animal assumir posição de cópula ou de choro. Sob essa comprovação, há de existir algum tipo de coerência funcional em nível celular, ligando o ser ao mundo, transcrito no ato de escrever. Logo, a capacidade individual de sentir e expressar as emoções nas linguagens, inclusive mentiras, nasceram em consequência das relações do ser no mundo.  
Vez por outra, o lento desvendar das complexas estruturas das linguagens avança apoiado no estudo dos achados acidentais. Nesse sentido, foram descritos dois casos clínicos, na literatura especializada, relacionados com os núcleos cerebrais da linguagem, atendidos por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e do Hospital Maggiore, Bolonha, na Itália.
No primeiro, um homem com 62 anos, depois de sofrer um derrame cerebral (ruptura de artérias ou veias no cérebro lesando maior ou menor quantidade de tecido), não conseguiu mais escrever as vogais; as palavras eram escritas em perfeita simetria com o pensamento expresso oralmente, porém só com as consoantes. O paciente não conseguia simbolizar as cinco letras. Essa publicação impõe a certeza de que a escolha dos caracteres, para compor a linguagem escrita, está contida em segmento específico do cérebro.
O segundo relato diz respeito ao paciente do sexo masculino, 32 anos, norte‑americano, também após isquemia cerebral (ao contrário do derrame, as artérias se contraem, determinando danos ao tecido encefálico), perdeu a familiaridade com a língua materna, o inglês, e passou a acrescentar vogais às palavras, resultando num sotaque escandinavo. A cura do distúrbio ocorreu na medida da recuperação da área cerebral danificada.
É precisamente nessa convergência, entre o físico presente na estrutura cerebral, oriundo de uma memória genético‑social, dando função à função, que ocorre a maravilhosa materialidade do real e do abstrato, capaz de nominar, desvendar, criar e transformar o objeto.

Por essa razão não existe discurso sem a linguagem impregnada do saber acumulado historicamente. Nesse contexto, as gramáticas são, na essência, ideológicas, porque expressam tipos diversos de posses do real, onde o uso de vogais e consoantes são partes da relação do ser no mundo. 

terça-feira, 24 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria


Ligeia.
Arantza Sestayo.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Nelson Rodrigues e o futebol




Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.


O futebol é passional porque é jogado pelo pobre ser humano.


O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada.


Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.


Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.



Garrincha não pensa. Tudo nele se resolve pelo instinto, pelo jato puro e irresistível do instinto.

domingo, 22 de junho de 2014

Manaus, amor e memória CLXV


George Huebner (1862-1935), alemão de Dresden,
com estúdios no Rio de Janeiro e em Manaus,
não creditadas porque o tempo encarregou-se de apagar sua autoria.

sábado, 21 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria

Gazell.
Gerald Brom.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Sobre poesia, poemas & poetas 3/3




Zemaria Pinto

                      
Criador de personas-poetas, pelo conceito de Eliot, Pessoa está mais para poeta dramático que lírico, revelando-se este no interior daquele. Para mim, cada heterônimo despe/veste máscaras diferentes a cada poema. Logo, Pessoa não é apenas Caeiro, Campos, Reis ou ele-mesmo, mas muitos, muitos outros: “Vivem em nós inúmeros (...) / Tenho mais almas que uma. / Há mais eus do que eu mesmo (...)”. Mário de Andrade pegou isso legal, também: “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta (...)”. Eliot conclui seu trabalho com uma constatação apaziguadora: “duvido que em qualquer verdadeiro poema apenas uma voz seja audível”.
O que eu quero propor, afinal, em comum acordo com o mestre britânico, é que o poeta lírico encarna, em cada poema ou grupo de poemas, uma personagem específica, que traz em si a carga de experiência do autor, mas não é ele. Para ficarmos no âmbito da literatura amazonense, quando Tenreiro Aranha escreveu, há duzentos anos, o antológico soneto da Maria Bárbara, vestiu a máscara da mulher assassinada, despedindo-se do esposo: a voz emissora era a da própria Maria Bárbara. Tenreiro Aranha, o poeta-cidadão, por outro lado, exprimia-se por ele mesmo, provavelmente, quando praticava aquele aulicismo sem-vergonha, que marca boa parte de sua obra conhecida, e não precisava fingir que fingia sentir o que não sentia. Aliás, aquilo nem é poesia.

Estas reflexões remetem-me a uma outra falsa crença: a inspiração. É desnecessário, por tudo o que já se disse, enfatizar o caráter falacioso desse fantasma, mas é preciso dizer em alto e bom som que sem muito trabalho não se fazem poemas, não se constrói poesia. As musas não têm escolhidos: somos nós, os poetas, que as escolhemos, que as buscamos incessantemente, através de muita leitura, pesquisa e exercício. O devaneio não é um atributo do poeta, mas sim de todo aquele que desenvolve um trabalho criador. E aqui não podemos esquecer Coleridge, para quem “a imaginação é a condição primeira de todo conhecimento”. A sinonímia poeta/profeta está presente no imaginário ocidental desde Sócrates, via Platão, para quem “é quando estão possessos e inspirados por um deus que eles recitam todos esses belos poemas”. As “antenas da raça”, na verdade, colocam-se à frente de seu tempo como profetas porque usam a imaginação com mais liberdade que os demais artistas. O poeta anda  nu  e  tem  plena  consciência  disso,  não  fosse  o sorriso  maroto  que  lhe  aflora  aos  lábios, denunciando  seu  estado  de  vigília permanente em pleno devaneio. Et tout le rest est littérature.

Linguagens e a consciência em si



João Bosco Botelho
         
Um dos produtos finais da interligação do cérebro à vida afetiva é reproduzido na consciência do ser em si mesmo, impondo a incrível condição de depositário e herdeiro das gerações anteriores, transmitida inicialmente pela oralidade e, depois, pela linguagem escrita.
A maior parte dos pesquisadores concorda que as linguagens se manifestam por meio de estreitas correlações do cérebro, em especial do neocórtex, com o objetivo de manter ativa a percepção do visível, sentido, enfim das emoções vividas na interpretação do ato apreendido.
Na dimensão macroscópica (órgão), os pontos cerebrais em torno dos quais se organizam as linguagens são: área de Broca, a área motora responsável pelo controle fonético da expressão, e a zona de Heschl, de natureza receptiva, onde a mensagem recebida é decodificada.
Os dois hemisférios cerebrais não participam igualmente desse complicado mecanismo. A dominância do esquerdo, como nas atividades manuais, é programada geneticamente. Por outro lado, sabe‑se que o hemisfério cerebral direito não é desprovido de função linguística. Apesar de não ter acesso à palavra, é capaz de manter a informação em torno de frases curtas e pode decifrar a linguagem escrita.
Sem que possamos estabelecer as causas, o hemisfério direito, mesmo anatômico e funcionalmente menos adaptado para exercer o domínio da linguagem, poderá substituir o esquerdo, no caso de uma lesão irreversível, antes da idade de cinco anos.
Talvez essa similitude que pode se expressar a partir da necessidade da linguagem suprimida por causas não congênitas (por exemplo após um trauma no crânio), esteja relacionada com certos aspectos moduladores do discurso que interagem os dois hemisférios cerebrais, traduzidos na linguagem escrita, com os advérbios. Do mesmo modo, é razoável pressupor, que a evolução genética determinou modificações, nos níveis celulares e moleculares, capazes de ajustar as funções cerebrais às necessidades sociais.
Essa afirmativa é incontestável em outras partes do corpo. Por exemplo, a diminuição gradativa da arcada dentária em função do menor uso do esforço mastigatório. A partir do uso do fogo, mais ou menos em torno de trezentos mil anos, ocorreu um conjunto de fatores, incluindo o cozimento dos alimentos, tornando‑os mais macios, ocasionando a redução da potência da musculatura mastigatória e, em consequência, do tamanho e número de dentes. Essa seria uma explicação dos terceiros molares ou sisos poderem permanecer inclusos.
Infelizmente, a maior parte do cérebro permanece desconhecida no nível molecular e dificulta o estudo nos moldes do método experimental.
Não é mais adequado pensar nas linguagens ligadas somente às trocas metabólicas físico‑químicas, no nível biológico‑molecular, ou na exclusiva origem social. É tempo de interagir a natureza, o social e a História com a genética. A força mental que impulsiona a repetição e molda a ficção é muito forte para ser exclusivamente sociocultural.
O conjunto das reações neurológicas e químicas ligando o ser ao objeto, construindo a consciência do ser em si, só será consolidado nas mentalidades ─ memorizado e reproduzido ─ quando estiver claramente elaborado em estreita consonância às necessidades pessoais requeridas no processo societário.
O ser é biológico e social: não existem seres sem as relações de trocas, essas não seriam possíveis sem eles. Logo, as ações apreendidas e interferindo na consciência em si, em especial as linguagens, devem estar contidas no mesmo processo. 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria


Arantza Sestayo.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Do escrever




                                                                                                 Tainá Vieira

Sêneca disse que devemos evitar somente ler ou escrever, pois se fizermos uma só coisa não saberemos administrar ou digerir.  Temos que dar tempo e espaço justo tanto para a leitura quanto para a escrita. A leitura exige que reflitamos sobre o que estamos lendo. A escrita requer tempo e aprimoramento. São duas ferramentas necessárias para construirmos a nossa própria casa de conhecimento e aprendizagem. É necessário lermos e muito, a leitura nos leva e nos traz o que mais precisamos realmente: a sabedoria. A escrita, não são todos que a praticam, no entanto a escrita tira-nos do cotidiano monótono e nos dá uma visão diferente do mundo. Podemos criar um novo mundo com nossas ideias e pensamentos.  Na escrita cada um é o dono de si. E isso é bom para o ser humano que vive preso num mundo convencionado por Deus e pelos restos dos mortais. Ainda que a escrita não seja uma tarefa fácil, ainda sim, vale a pena tentar.
Há momentos na vida da pessoa que escreve, não digo do escritor, porque eu não pertenço a essa categoria, tenho uma teoria para classificar ou especificar um escritor, há momentos que às vezes parece ficar tudo paralisado. As ideias estão na cabeça, tudo parece fluir e algo contagiante vibra por dentro, como se dessa vez aquele que escreve fosse criar, finalmente a sua obra prima. Ilusão! Aquele que escreve vai para a frente da máquina de escrever ou do computador, abre uma página em branco e passa horas olhando para ela, conversa e até sorri para ela e nada, suas mãos não param, vagam pelo espaço, mexem em tudo, um livro, um copo de café, um copo de água, ajeita um quadro, mas começar a escrever que é bom nada.
Para mim tudo é tão difícil, aí eu fico pensando como um escritor escreve, será que recebe um pensamento, por exemplo, ele sente vontade de escrever um conto ou um poema e começa a escrever e pronto? Ou passa horas tentando e tentando? Às vezes eu me pergunto, se escrever é um dom, a pessoa nasce com aquilo e vai desenvolvendo, se aprimorando. Na minha opinião, eu penso que a pessoa recebe sim algum tipo de ajuda para ser escritor. Sei lá, não é possível, conheço alguns escritos que são divinos, coisas que eu gostaria de ter escrito. Mas conheço outros, que eu faria mil vezes melhor, olha que nem sou escritora de verdade. Já desisti disso faz tempo, desde o primeiro dia que tentei escrever.
Deveria existir faculdade para escritores, pois todo mundo quer ser, mas por mais que se esforce jamais será considerado um bom escritor. Deveria ser sim, pois, uma pessoa nasce e tem vontade de ser médico, leva até o jeito, mas enquanto não for estudar medicina, essa pessoa não será medico, assim o escritor. É logico isso. Deveria ser assim!!! Eu conheço o Juquinha, ele é muito amigo meu, de verdade. Ele se diz poeta, só que na verdade, o Juquinha não sabe nem o que é uma estrofe. Ou contar as silabas poéticas, o que ele faz é uma frase em cima da outra e quando já está de bom tamanho, ele apresenta e chama de poema, e ainda vai para escolas ou bar, declamar os seus poemas, e o pior é que as pessoas adoram. E o Juquinha, mal sabe ler e escrever. E aí, é dom? Precisa da faculdade? Agora fiquei sem ação! Na verdade não fiquei, porque o Juquinha é um péssimo poeta, já falei de milhões de vezes isso pra ele, mas ele finge não me ouvir.

Na verdade, eu já conheci muitos escritores sim, mas escritores de verdade só alguns. É complicado explicar, a lógica não tem explicação. Isso faz parte da vida. Das teorias da vida.  Eu conheci o Luiz Bacellar, ele era poeta. E conheci mais uns dois da mesma terra do Bacellar.  Também já li Sêneca, Camões, Dante, Machado, Bandeira e outros.  Esse mundo da escrita é vasto, há muitos escritores para escolhermos e elegermos como os nossos favoritos, esses seres nos passam ensinamentos que valem a pena. Ler é essencial e que bom que existem esses escritores para lermos. Quando lemos seus escritos fazemos viagens inesquecíveis. Quanto à escrita, que bom que eles deixaram tudo escrito para nós, assim não tentamos copiá-los, pois é uma tarefa árdua e quase impossível.  Já a leitura, para quem gosta, é como amar e ser amado.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Lábios que beijei 22

Zemaria Pinto

Loura


Esqueci seu nome. Lembro apenas os cabelos louros claríssimos, o corpo de alabastro e as curvas acentuadas em não mais que metro e meio de altura. Nas tardes dançantes, entrávamos pela noite. Ao cabo, ela, de preto, o suor misturando-se à saliva dos beijos adolescidos, o desejo latejando, o tesão explodindo. Dois fins de semana. No terceiro não apareceu mais. Se ainda vive, lembra-se de mim? Não creio. 70 anos passados, sua lembrança ainda me persegue, como se a qualquer momento ela fosse voltar e terminar o que começou.   

domingo, 15 de junho de 2014

Manaus, amor e memória CLXIV


Mercado Grande.



sábado, 14 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria


Nude river fairy.
Kaylee Mason.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Sobre poesia, poemas & poetas 2/3



Zemaria Pinto

Se o leitor aceita que poema e poesia são vocábulos cujos significados se interpolam, mas jamais se cruzam, ainda que sejam partes da mesma gênese grega (poesia = fazer, poema = o que se faz), cito um exemplo bem mais prosaico do conservadorismo do dicionário: ao nomear o feminino de poeta como poetisa, diz que esta é uma “mulher que faz poesias”. Há uma evidente conotação pejorativa para a palavra poetisa. Há uma questão de eufonia também: todos sabemos que o feminino de Papa é Papisa, mas jamais conhecemos uma... Aliás, os dicionários tratam-na, adequadamente, como lenda. Por que não a adoção definitiva do substantivo poeta, comum aos dois gêneros, já usado em larga escala?
Mas não é só o dicionário que trama contra a poesia. Quando um crítico confunde, deliberadamente, a obra de um poeta com sua biografia, vendo reflexos desta naquela, ele cai numa armadilha secular, que pretende ver na poesia, unicamente, manifestações mentais limitadas ao “eu” do poeta.
No ensaio As três vozes da poesia, T. S. Eliot identifica-as da seguinte forma: a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém; a voz do poeta ao dirigir-se a uma plateia; a voz do poeta quando cria uma personagem dramática. Eliot referia-se, respectivamente, à poesia lírica, à épica e à dramática. Vamos nos ater unicamente, à questão da primeira voz − “a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém”.
Acontece que o ensaio de Eliot, na verdade uma conferência, apresentada em 1953, de certa forma, faz coro com a crítica empobrecedora que sempre achou que o poeta lírico fala somente de si mesmo, confundindo eu lírico com eu biográfico. Isso é de um reducionismo tão grave, que é preciso começar explicando o próprio “caso Eliot”: longe de se considerar um poeta lírico, menor, via-se, unicamente, como poeta épico e dramático, nessa ordem, o que facilitava enormemente sua visão distorcida de que todo o resto é poesia confessional.
O poeta lírico, é bem verdade, confunde ao escrever na primeira pessoa. Mas o “eu lírico” ou “eu poético”, a voz emissora do poema, deve ser visto pelo crítico/leitor como uma máscara (persona) do autor. O poeta alarga sua percepção do mundo e verbaliza em valores positivos e/ou negativos tal percepção, daí resultando o poema, que vai refletir sua experiência pessoal, pois é disso que se alimenta a literatura: da realidade recriada, transmutada, transfigurada.
Poesia é, pois, ficção. Do contrário será confissão, e a ninguém interessa a dor pessoal de ninguém. Poesia também é fissão, rompimento, fratura, fragmentação, reinvenção da linguagem. Equacionando, para gozo dos estruturalistas:

Poesia = (ficção + fissão) – confissão


Esse aparente jogo de fonemas enforma a obra de um dos maiores poetas deste século, o português Fernando Pessoa, gênio criador de personas-poetas, síntese do humano criador.

Sobre futebol – por que não?




Meu primeiro contato com a bola foi no saco.

(Aldir Blanc, poeta, cronista e compositor)


Clássico é clássico, e vice-versa.

(Jardel, artilheiro da Libertadores, em 1995, pelo Grêmio, e, em 5 temporadas, artilheiro do campeonato português, pelo Porto (4) e pelo Sporting)


O gol é o orgasmo do futebol.

(Dadá Maravilha, convocado para a seleção tricampeã pelo ditador Médici, jogou pelo Nacional de Manaus, na temporada de 1984)

As linguagens e o cérebro




João Bosco Botelho

           

Aceitar o prazer e recusar a dor estruturou o ponto comum de incontestável relevância no projeto da vida humana no planeta. O corpo está adaptado a essa determinante sócio genética! Incontáveis terminações nervosas mantêm as estruturas corporais atentas à dor e ao prazer. Pode‑se afirmar, sem receio de estar cometendo um exagero, que a vida humana não teria sido possível sem essa adaptação. Como fruto do processo de humanização, se formou no cérebro o neocórtex, a parte externa cerebral, adicionando ajustes entre o passado remoto e as emoções, atualizadas na temporalidade das relações sociais.

O neocórtex é um conjunto heterogêneo de áreas encefálicas, relacionado com o comportamento emocional e, desta forma, com a capacidade humana de reproduzir o ato ficcional. Entre as suas estruturas mais importantes, estão tronco encefálico, hipotálamo, tálamo, área pré‑frontal e sistema límbico. Desde 1937, graças aos estudos de James Papez, ficou demonstrado que as emoções estão relacionadas ao sistema límbico.

Mesmo com todos os progressos, até hoje, não foi possível separar a linguagem emocional (choro, riso, gestos, postura corporal, mímica do prazer e da dor etc.), de origem predominantemente límbica, da linguagem voluntária.

A cirurgia experimental em cães evidenciou definitivamente a importância do sistema límbico nas emoções. Após a retirada cirúrgica, os animais modificaram o comportamento: agressividade substituída pela passividade; comem alimentos antes recusados; incapacidade de reconhecer objetos e animais, como ferro em brasa e o escorpião, capazes de colocar a vida e risco; desordem na atividade sexual, procurando o ato sexual em outras espécies e de se masturbarem continuamente.

O hemisfério cerebral direito é o responsável pela apreensão visual e espacial, atividades musicais e reconhecimento da forma fisionômica. Assim, identifica e classifica por meio da forma visível, sem que o nome do objeto, nas linguagens, necessite ser expresso.

Em alguns macacos, a vocalização organiza‑se na face interna do lobo frontal. No rastro da ontogênese (formação do homem), esse controle se torna mais complexo e é possível localizar áreas mais especializadas responsáveis pelas linguagens: convexidade do córtex frontal, mantendo ligações com o nível rinencefálico, reticular peduncular, bulbo e órgãos fonadores.

Graças a essa interligação, entre outras determinantes, os humanos são capazes de reagir, seletivamente, ao sinal emitido pelos semelhantes e reproduzir, pela imitação, a mensagem ouvida. Por exemplo, quando ouvem a palavra "perigo", em milésimos de segundos, dependendo da ameaça, o corpo se prepara para enfrentar ou correr.

Como sequência, as linguagens oral e escrita guardam nas origens a profunda marca da vida afetiva, onde as emoções da dor ou do prazer sentidas ou na ficção são armazenadas numa memória ainda parcialmente escondida da compreensão da ciência.  

Um dos produtos finais da interligação dessas estruturas cerebrais com a vida afetiva é reproduzido na consciência de ser em si mesmo, impondo a incrível condição de depositário e herdeiro das gerações anteriores, transmitida, inicialmente, pela oralidade e, depois, na linguagem escrita.

A maior parte dos pesquisadores concorda que as linguagens se manifestam por meio incontáveis ligações cerebrais com o objetivo de manter atenta as emoções vividas na interpretação do ato apreendido.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria


Mermaid.
Pascal Blanché.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Da inimizade



                                                                                                                                           Tainá Vieira


Todas as manhãs, após todos saírem de casa, enquanto a empregada não chega, eu volto a dormir, mesmo depois de já ter feito a primeira refeição do dia. É quase como um rito. Pode parecer preguiçoso, mas só me sinto bem depois disso, antes, nem fale comigo, por favor.

Há umas duas semanas venho notando algo estranho que está literalmente me tirando o sono. Tenho recebido uma estranha visita na cama. Algo que eu gostaria muito que morresse, no entanto eu já tentei, já fiz de tudo e não consigo matar. A criatura é insistente demais, insistente e abusada, eu diria. Jamais imaginei que fosse ter como inimigo um dia, um minúsculo inseto chamado carapanã. Ô coisinha chata, meu Deus. 

São lá pelas 7:30 da manhã, o sol já invadiu a minha janela, isso deixa o quarto bem claro, já é possível ouvir o barulho dos trabalhadores do prédio e as vozes horríveis das vizinhas do bloco.  Como o ar-condicionado fica desligado nessa hora, é possível também sentir o cheiro de comida do almoço e os choros insuportáveis dos bebês passeando debaixo do bloco com suas babás horrendas. Não sei por qual motivo as patroas têm que escolher as babás mais feias para suas crias. Talvez elas não gostem de seus filhos e a todo tempo queiram assustá-los, por isso as babás são feias. É possível também, vez ou outra, ouvir o barulho dos caminhões de carga e descarga etc. Nessa hora o movimento já é grande. Isso lembra até O Cortiço, a diferença é que o Aluísio construiu um Cortiço para os pobres e aqui onde morro, as pessoas não são tão pobres assim; muitos são, mas de espirito. Mas o mais irritante de tudo, não é o barulho produzido por esses miseráveis seres humanos, o mais irritante de tudo, são os passarinhos que começam a gritar às 5:00 da manhã. Nossa que coisa mais deprimente é ter que ouvir a cantoria sem melodia desses feios bichinhos de pena. Parece que estou sendo cruel demais, me dirão vocês, leitores. Tudo bem, isso até que dar para aguentar, o que não dá para aguentar é a perseguição de um carapanã.

Sim, é perseguição sim. Pois, vejam bem, já são duas semanas, tenho certeza de que é o mesmo. Estou sempre do mesmo lado da cama, na mesma posição. Ele vem de mansinho e grita, berra do mesmo lado do ouvido, ele só falta entrar no ouvido e tenho certeza que se entrasse ele comeria minhas entranhas, não sei porque me odeia tanto. E o pior é sempre a mesma coisa que ele berra, não sei descrever em notas o que ele canta, pois nem consigo traduzir de tanto ódio que tenho dessa aberração. Antes eu nem ligava, cobria a cabeça com o edredom, não o ouvia, ou talvez ele que não me via mais e ia embora, e no outro dia, lá estava ele de volta.  Na segunda semana peguei ódio mortal dele, assim que ele chegava e berrava eu pegava o travesseiro e saia atrás dele, já dei várias batidas no ar, batidas em vão, não consigo matá-lo. E esse carapanã é muito atrevido, mesmo sabendo que eu posso matá-lo a qualquer momento, ele volta, volta todo cheio de si e fica tirando sarro da minha cara. Hoje a porrada que dei foi tão forte e até vibrei, tive a certeza que o tinha  matado, aí não demorou muito, quando eu já estava deitada, ele vem, como um filho sapeca que assusta sua mãe.  Hoje foi a gota d’água, cheguei até a chorar de raiva. Ultimamente, tudo parece estar contra mim, tudo anda fora do meu controle. Me sentindo desse jeito, é possível que um carapanã me vença.  Mas ele não me vencerá, eu ei de destruí-lo antes.


Parece um absurdo. Mas eu não sou uma mulher má.  Eu apenas não sou amiga de animais, aves, insetos, crianças e todo resto dos seres vivos que produzem sons que me deixam demasiadamente irritada. Eu só queria poder dormir um pouco mais, sonhar um pouco mais. Pois só me sinto bem, quando estou deitada e sonhando, minha alma sai de meu corpo e me leva para os lugares que gostaria de estar realmente e só posso fazer isso dormindo e quando estou só. Aí vem esse maldito carapanã e atrapalha tudo.  Ele tornou-se o meu carma, meu inimigo principal. Preciso destruí-lo, antes que ele destrua os meus sonhos. Conto com a colaboração do destino, amanhã não sei se esse carapanã vai voltar ou sou eu que permanecerei para sempre no lugar do meu último sonho a que minha alma me levará. 

domingo, 8 de junho de 2014

Manaus, amor e memória CLXIII

O bonde na curva da Silva Ramos não tem importância nenhuma: vejam onde um motorista imbecil estacionou o automóvel...
Nada mudou nos últimos 70 anos! Eh, Manáos...


sábado, 7 de junho de 2014

Fantasy Art - Galeria


Boris Vallejo.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Sobre poesia, poemas & poetas 1/3



Zemaria Pinto
               

Poesia versus poema. De tão antigo, o tema pode parecer ao leitor menos atento um tanto esgotado. Nada mais enganoso. É recorrente escrever, e falar, que fulano lançou um livro de “poesias”, sicrano recitou suas “poesias”, fulaninha vai lançar um livro de “poesias” etc. Vá ao dicionário e constate: poesia é uma “composição poética de pequena extensão”. Até quantos versos, exatamente? − poderá perguntar o leitor cioso das precisões matemáticas e/ou linguísticas. Não sei. Mas, esqueçamos o que diz o dicionário e caminhemos um pouco por esse movediço e improvável terreno da teoria literária.
Poesia é o gênero literário, subdivisível nas categorias épica, dramática e lírica. Poesia é a experiência cósmica de um poeta, o conjunto de sua obra. Poesia pode ser também o coletivo do fazer poético em um determinado tempo ou espaço. O poema, por sua vez, é, para efeito didático, a unidade que enforma o todo da poesia: é a composição, um conjunto de versos dispostos de maneira arbitrária pelo poeta, obedecendo a cânones preestabelecidos, estando entre estes, inclusive, a desobediência a cânones preestabelecidos...
Poesia e poema são, portanto, dois animais distintos: este vive sem aquela tanto quanto aquela não precisa deste para ser. Um poema sem poesia, então? Claro, digno da lata de lixo mais próxima, mas um poema. E quantos poemas são perpetrados e quantos livros de poemas são editados sem poesia!... A contrapartida define um paradoxo insofismável: a poesia é um estado do ser, é contemplação mística, é o i/logismo a serviço do ir/racional − a poesia é. Ponto.
Há uma enorme carga de poesia em Grande sertão: veredas, em A paixão segundo GH. Há poesia num quadro de Van Gogh, num filme de Herzog, num pôr-do-sol no rio Negro, num fim de tarde em São Paulo, num passo de contradança, e, com o perdão da má palavra, também se encontra poesia num sorriso de criança. Já o poema, o poema-coisa, o poema-com-poesia, traduz em palavras aquilo que o artista-poeta discerniu no ser da poesia: a poesia traduzida em música, a poesia das imagens, a poesia que inventa línguas, remove palavras e fundamenta a linguagem.
A didática do dicionário, não tenho mais nenhuma dúvida, é um instrumento ideológico de coerção à poesia: ao tentar reduzir o geral dando-lhe a mesma definição, e, por extensão, as mesmas deformações do específico, procura, em verdade, eliminar ou esquecer o caráter arquetípico primordial da poesia − porque é através da palavra que o homem se aproxima do Ser e de si mesmo. Ignorar essa relação é frustrar todo o acúmulo de conhecimento produzido, desde Aristóteles às mais recentes discussões sobre o caráter intersemiótico da poesia.
No mais, é como escreveu o poeta mexicano Octavio Paz: “se o homem se esquecesse da poesia, se esqueceria de si próprio. Voltaria ao caos original.”


Sábado na Academia, o teatro de Márcio Souza



Linguagens e as memórias sócio‑genéticas



João Bosco Botelho


          Um dos aspectos mais intrigantes e fascinantes é como ocorreu, no corpo, desde tempos imemoriais, o processo de adaptação que culminou no acervo, guarda e reprodução dos conhecimentos historicamente acumulados por meio das linguagens.
Na realidade, o maior obstáculo do pesquisador continua sendo estabelecer as correlações entre a forma e a função, no sistema nervoso central, em níveis macroscópico (órgão), microscópico (célula), ultramicroscópico (molécula), atômico e subatômico. Dito de outro modo, se o ser humano é capaz de falar e escrever se torna obrigatório existirem áreas anatômicas e funcionais, nos níveis acima mencionados, responsáveis pelas linguagens.
Os entraves aumentam na razão direta do avanço dos estudos na direção da menor estrutura. O desconhecimento fica mais denso a partir da molécula, portanto ainda muito distante da unidade massa‑energia, no interior do átomo, objetivo maior da investigação científica.
A convicção de um evoluir temporal impõe de modo contundente o estudo das mudanças corporais estendidas no tempo. Assim, sob a guarda da anatomia, no nível macroscópico, e da fisiologia do sistema nervoso central (SNC), é possível ensaiar por meio da paleopatologia a análise das impressões determinadas pelo cérebro dos hominídeos, os antepassados muito distantes, na face interna dos crânios fósseis.
As transformações sofridas na forma do SNC há milhares de anos, e, consequentemente, o modo como o órgão se mantinha, em contato com os ossos do crânio, estão também com a atual capacidade de falar e de escrever.
Alguns antropólogos, como Calvin Wells, afirmam que as moldagens endocranianas dos Pithecanthropus (Homo erectus que viveu em torno de 300.000 anos) evidenciam as marcas das áreas identificadas como responsáveis pela linguagem falada. Nesse sentido, é razoável pensar que esse antepassado já possuísse algum tipo de fala.
Os atos de falar e de escrever estão unidos em complexa ponte, envolvendo a maior parte do SNC com a vida de relação, principalmente certos segmentos do córtex responsáveis com a capacidade de imaginar e representar a ficção, isto é, a coisa não percebida na materialidade espacial.
Um dos principais alicerces da ponte entre o passado muito antigo, contido no cérebro primitivo, oriundo da filogenia comum, e o cérebro atual, resultante do processo evolutivo é a insubstituível polaridade entre a dor e o prazer. Fugir da dor e buscar o prazer continua sendo a mais forte das ordens genéticas da espécie. Os animais de qualquer espécie se organizam com o objetivo de evitar a dor de qualquer natureza e ativar, sempre que necessário, as fontes naturais produtoras de prazer. Entre as mais importantes estão a sexualidade e o alimento, ambos acompanhados de incontáveis derivações simbólicas e representações metafóricas.
As contradições contidas nos dramas sociais, provocados pela luta em torno da sobrevivência dos antepassados humanoides, induziram, pouco a pouco, modificações na forma do corpo e, especificamente, na do SNC, ajustando as metas das novas funções: sobreviver com mais prazer e menos dor.

Aceitar o prazer e recusar a dor alicerçou o projeto da vida humana no planeta. Todo o corpo foi adaptado a essa determinante sócio‑genética. Incontáveis terminações nervosas livres mantêm todas as estruturas corporais atentas à dor e ao prazer. Pode‑se afirmar, sem receio de estar cometendo um exagero, que a vida humana não teria sido possível sem essa adaptação.