Kissyan
Castro
Poeta a ladear-se a Cruz e Sousa e Alphonsus de
Guimarães, expoentes máximos do Simbolismo no Brasil, e em muitos aspectos a
eles transcendendo, José Américo Olímpio Augusto Cavalcanti dos Albuquerques Maranhão
Sobrinho, ou simplesmente Maranhão Sobrinho, é um daqueles poetas a quem até
hoje não lhe fizeram a devida justiça, quer por indigência exegética, quer por incompreensão
ou mesmo descaso. Salvo, talvez, o seu mais conhecido soneto “Soror Thereza”,
que vez ou outra é estampado em alguma antologia, continua a passar
despercebido do grande público leitor. De seus três livros publicados, somente
o primeiro – e isso após terem passados 90 longos anos – teve a graça de uma
reedição. E como se não bastasse, sua malograda existência continua envolta em muitas
incertezas e contradições. Uma das quais, a propósito, recai até mesmo sobre a
data do seu nascimento, alvo das hipóteses mais díspares.
A versão comumente aceita, e inclusive talvez pelo
próprio bardo, como o observa Olímpio Fialho, amigo de infância do poeta, é a
de que ele teria nascido em 25 de dezembro de 1879. Uma segunda versão é
apresentada pelo acadêmico Antonio de Oliveira e que a fixa como tendo ocorrido
antes, no dia 20 do mesmo mês (“Separata nº 82 da Revista das Academias de
Letras” – Rio de Janeiro, 1976). Embora este assunto não seja, a rigor, de
interesse primário, a maneira incontestável com que a questão é apresentada por
alguns, seja em artigos, livros ou antologias, e a coincidência, “feliz e
raríssima”, com o dia do seu falecimento, suscitaram-me dúvidas e obrigaram-me,
como conterrâneo que sou do autor de Papéis
Velhos, a que se lhe fizesse a devida retificação. Sendo assim, recorri logo,
já que me foi permitido o acesso, às fontes primárias, a partir das quais
chegaria a um consenso, pondo um fim ao equívoco.
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Maranhão Sobrinho
(Barra do Corda, 30/12/1879 – Manaus, 25/12/1915)
Hoje se completa o 133° ano de seu nascimento. |
De minhas incursões ao cartório local acabei por
encontrar, às folhas 062 do livro nº 01-A, o Registro de Nascimento do nosso
aedo barra-cordense, datado de 03 de fevereiro de 1880, tendo entre outros
nomes o de Vicente de Albuquerque Maranhão Filho, pai do referido poeta,
arrolado como testemunha. A data encontrada corresponde à versão oficial, com
exceção do dia. Maranhão Sobrinho nascera não no dia 20, nem 25, como supunham seus
biógrafos, mas no dia 30 de dezembro de 1879. Portanto, quando de seu
falecimento, a 25 de dezembro de 1915, o poeta estava, na verdade, às vésperas
de completar 36 anos.
Este achado, no entanto, não é recente. Tampouco
coube a mim o seu mérito. A nova data já se encontrava registrada no monumental
Barra do Corda na História do Maranhão
(Sioge, 1ª ed., 1994), graças aos esforços do emérito professor e pesquisador
Galeno Edgar Brandes. Pouco tempo depois, em 1997, a mesma data reaparece numa
nota de Jomar Moraes ao livro “Baú de Juventude”, reunião de crônicas
literárias de Josué Montello.
O que mais intriga, contudo, é que se Maranhão
Sobrinho de fato teve conhecimento da verdadeira data de seu nascimento,
preferindo antes assumir voluntariamente outra – neste caso, a do natalício do
Cristo, segundo a tradição cristã –, não estaria esta atitude vinculada de
alguma forma a uma pretensa aproximação com o Sagrado? Das suas concepções
estéticas seria ele a encarnação, a própria metáfora em carne e osso? É pouco
provável. Uma ideia que assume forma sensível, plástica, perde seu caráter
espiritual, tornando-se perecível. O que vai diretamente contra os pressupostos
simbolistas. Cinco dias que se interpunham entre ambas as datas, lhe acresceria
as “Cinco Chagas do Pesar”, de que fala em seu soneto “Mártir”? Não à toa, Maranhão
Sobrinho dizia-se um autêntico mártir da vida, por suas privações e até mesmo
misérias, não obstante reconhecesse que de outra maneira jamais poderia
alcançar o “gozo eterno”. É o que se evidencia, por exemplo, no poema “Caminho
do Céu”, no qual o autor nos segreda, numa abnegação quase estoica, que
“O céu é dado
aos mártires, agora,
vamos nós
dois, o mundo abandonando”
E em “Salmo da minha Bíblia”, confessa:
“Roxo martírio
que a mim mesmo imponho!”
E mais adiante:
“... leio o
Missal do meu Padecimento
eterno,
eterno, eterno, eterno, eterno...”
O infortúnio, longe de abatê-lo, fazia-o aspirar com
maior empenho, numa ambição catártica, ao dia da sua “Libertação”, chegando mesmo
a declarar: “Meu sonho límpido é morrer”.
E não demoraria muito a que se cumprisse o augúrio que a si mesmo impusera.
Às três da manhã do dia 25 de dezembro de 1915, morre, de cirrose hepática, em
Manaus, o “poeta maldito de Atenas”, deixando atrás de si numerosa obra,
dispersa em não poucos “papéis velhos”, muitos dos quais de embrulho, que
quiséramos não fossem roídos por outra traça, senão do Símbolo.
É possível, afinal, que o nosso poeta não lograsse
conhecer o dia exato de sua concepção, ou recusasse sabê-lo. Ou, na pior das
hipóteses, se negasse mesmo havê-la ocorrido, fato que inevitavelmente o
colocaria numa aproximação sacrílega com o “Rabino pálido” de quem tanto
ambicionara a sorte, como se vê neste “Judeu Errante”:
“Sabeis de onde
saí? Ninguém pode sabê-lo!”
E mais adiante, como se acabasse de cometer algum
delito e buscasse na infância aquelas rumas de algodão sob as quais podia
abrigar-se após alguma traquinagem, nos cumplicia:
“Ninguém pode
saber a lenda dos meus passos!”
Maranhão Sobrinho há quase um século está
“escondido”. Não entregue à sua lenda como o preferiríamos, mas exilado no mais
absurdo dos limbos. Cumpre assim redescobri-lo, resgatando-o de “debaixo da
pluma” do esquecimento, da alienação a que tem sido até hoje relegado.
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