domingo, 31 de janeiro de 2016
sábado, 30 de janeiro de 2016
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
elegia temporal
Zemaria
Pinto
o
sangue que me vem quente
e
lento
do
ventre me recorda
tua
ausência
e
flui feito o choro
represado
há
tanto tempo
desenhando
impressões vermelhas
na
frialdade branca do vaso
(a
meus pés
um longo fio de cabelo
desenha
um possível ponto de interrogação)
Foi um Chico que passou em minha vida...
Paulo Sérgio Medeiros
Nosso
primeiro contato foi selado com um forte aperto de mãos, daqueles típicos de um
cearense cabra macho. Confesso que me intimidei tanto com aquela saudação
sisuda, que no estalar dos ossos quase ouvi um sonoro “O que tu queres com
minha filha?”
Na
verdade aquele forte encontro de palmas foi um forte encontro de almas e não
uma intimidação como havia deduzido lá no jurássico ano de 1991. Chico Branco
era uma pessoa de alma grande e logo percebi que por baixo daqueles cabelos
pratas existia um coração de ouro.
Ele
gostava de prosear e a nossa prosa dominical era sempre muito agradável, ainda
que ele estivesse em estado de felicidade etílica. A conversa fluía e o cara
conversava absurdamente sobre tudo apesar do pouco tempo de estudos formais o
que não o impediu de diplomar os sete filhos. A sabedoria estava impregnada em
sua pele.
Os anos
foram se passando e os filhos foram se casando. Vieram então os filhos dos
filhos. Por que usei a expressão filhos dos filhos e não netos? Porque seu
Chico tratava todos como verdadeiros filhos. Essa era outra grande qualidade
dele, olhar para o próximo sem distinção de cor, credo e conta bancária, o que
me causava até uma certa inveja branca. Porém, com o meu filho havia uma
relação muito além de avô e neto. Uma relação admirável. Então, meus amigos,
como diz o ditado popular “quem meu filho beija, minha boca adoça”. Se eu já
gostava do velho, passei a admirá-lo ainda mais.
Recebi
a notícia do seu falecimento no trânsito. Meu filho estava do meu lado e com a
voz embargada sussurrei pra ele: Júnior, ele acabou de falecer. Afaguei sua
cabeça e continuei: Perdeu o teu avô. Ele, num choro represado, falou: Perdi um
amigo. Foi muito duro ouvir isso. E o coração ficou ainda mais dilacerado ao
ouvir da Larissa, aos prantos, minha filha de nove anos, a seguinte frase: Não
é fácil perder um avô. E pra mim... Pra mim era a perda de um segundo pai.
Bom,
acho que isso que acabei de relatar sintetiza muito bem quem foi seu Chico. Ele
pode muito bem agora, lá no Reino dos Céus, parafrasear o personagem de um
filme e bater no peito e cravar: Missão dada é missão cumprida!
Fica
aqui registrado no plano terrestre o seu legado de honestidade, generosidade,
companheirismo e solidariedade. Dizem por aí que enquanto a pessoa permanece
viva em nossos corações ela não morre. Sendo assim, ele continuará perenemente
vivo em nossas vidas.
Foi um
Chico que passou em minha vida...
Evolucionismo como escolha na medicina
João Bosco Botelho
A genialidade da teoria de Darwin, na época da
publicação, desvinculada dos saberes da genética, embutia o pressuposto de as
mudanças impostas ao corpo, ditadas pela adaptação ao meio e à sobrevivência
dos seres, serem repassadas à descendência.
De certa forma, as idéias de Darwin fomentaram
a leitura evolucionista de Jean Baptiste
Lamarck. Esse notável botânico francês negou a imobilidade dos seres vivos e os
organizou como numa escada rolante, das formas menores e mais simples às
maiores e mais complexas. Também acreditou que a mudança dos corpos era regida
pelas necessidades de cada ser vivente, por meio do uso e do desuso das funções orgânicas e dos sentidos natos e que essas
transformações seriam herdadas pelas novas gerações.
Contrariamente
ao pensamento corrente, Darwin não descreveu a teoria evolucionista. O maior
mérito desse cientista foi enfatizar um modelo particular de seleção natural,
para explicar a transformação das espécies. Esse modelo, dito seletivo,
compreende certo período de tempo, durante o qual podem ocorrer variações morfológicas,
produzidas aleatoriamente entre os seres vivos.
Ao contrário, o modelo de Lamarck tem dois
componentes: o primeiro, voltado ao organismo em si mesmo, no qual todos os
organismos vivos possuem a tendência de evoluir do menos para o mais complexo;
o segundo, relacionado ao meio ambiente, no qual todos os seres vivos sofrem a
influência da natureza circundante e graças a essa interação ocorre a
diversidade das espécies.
O exemplo da girafa pode, perfeitamente,
contribuir para diferenciar os dois modelos.
No de Darwin, seletivo, em todos os animais
podem ocorrer variações em todos os sentidos, sem interferência da natureza
circundante. Assim, somente as girafas com o pescoço mais longo poderão alimentar-se
de forma mais adequada e, consequentemente, se reproduzir;
No de Lamarck, pressupõe-se a relação entre a
necessidade da sobrevivência-reprodução e a mudança da forma do corpo.
Para a biologia molecular, os seres vivos são
constituídos por dois tipos principais de moléculas: os ácidos nucleicos (AND e
ARN) e as proteínas. Cada proteína é elaborada a partir de um gene. Esse gene
é, inicialmente, recopiado em ARN (transcriptação), para, em seguida, a partir
da cópia, estruturar a síntese da proteína (tradução). Dessa forma, a biologia
molecular está estruturada sob esse dogma fundamental que sustenta como sendo
unidirecional na elaboração das proteínas, isto é, só o gene determina a
síntese das proteínas e nunca o contrário. Contudo, é possível que esse
mecanismo não esteja engessado e, contrariamente, possua certa plasticidade.
Considerando a infinita complexidade dos seres
vivos, é mais possível que a relação entre gene e proteína seja regida pela
plasticidade e não imobilizada pelo determinismo genético; isto é, os humanos
seriam produtos das relações entre a natureza circundante X os corpos X as
moléculas.
É desnecessário repetir a resistência às novas
idéias evolucionistas darwinianas, contudo a ruptura com o imobilismo do Gênese
bíblico estava claramente iniciada. Darwin
trouxe à baila as variáveis da seleção natural frente à capacidade de
sobrevivência do animal, ligadas às fontes de alimentos, em ambiente
específico, como o ponto fundamental das transformações biológicas. Na
dependência da comida disponível, os mais adaptados ao meio viverão e os
outros, menos aptos, serão eliminados pela seleção natural.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
terça-feira, 26 de janeiro de 2016
Sachê de ketchup e mostarda
Pedro Lucas Lindoso
Meu amigo Chaguinhas vai ser
avô pela primeira vez, em breve. Comprometeu-se de imediato a dar de presente o
carrinho de bebê da garotinha. Dr. Chaguinhas já foi informado de que é uma
princesinha que está a caminho e ficou todo prosa.
As especificações do tal
carrinho levantadas pelos pais da neném e o preço do produto no Brasil levaram
Chaguinhas a concluir que seria uma espécie de Carrinho-Ferrari.
Todos sabem que adquirir
carros no Brasil é muito mais caro do que nos Estados Unidos. Isso vale também
para carrinhos de bebê. Automóveis custam uma fortuna para se importar. Mas um
carrinho pode ser comprado por lá por um preço bem aquém do nacional.
Especialmente um carrinho “top” do tipo Ferrari, Mercedes ou Lamborghini. E
pode caber na cota de quinhentos dólares da Receita Federal.
Uma passagem para Miami, partindo
de Manaus, na promoção, é bem mais barato que ir ao Rio de Janeiro, ou ao Nordeste.
Mesmo com a alta do dólar, ainda vale a pena arriscar. O feriado de Finados foi
a oportunidade para Chaguinhas ir a Flórida a fim de comprar o tal supercarrinho.
Afinal, a netinha merece.
Aproveitou para conhecer o
Centro Espacial John Kennedy, da NASA, local onde são lançados os foguetes e
ônibus espaciais. Chaguinhas gostou do passeio e avisa que estão selecionando
astronautas para missão em Marte. Pensou em sugerir a inscrição de alguns de
seus poucos desafetos, mas seria um desserviço à Ciência Espacial e à
Humanidade. Mas avisa que quem quer ser astronauta e tiver perfil a
oportunidade é agora.
Meu amigo não gosta de “fast food". Mas gosta de cachorro
quente. Não aprecia muito o nosso kikão. Gosta do tradicional “hot dog”. Ou seja, pão quentinho de
massa fina com salsicha, ketchup e mostarda. E só. Ficou encantado com a
experiência.
Nada deixou Chaguinhas mais
admirado. Nem as estradas, a organização, a beleza dos prédios, as calçadas que
não temos, as ruas sem buracos, o meio-fio das avenidas. Nada superou a
experiência de, ao comer um “hot dog”,
abrir um sachê de ketchup e mostrada, usando os próprios dedos. As falangetas.
Aqui se precisa de uma tesourinha ou usar os dentes.
E concluiu: a diferença entre
o estágio de desenvolvimento do Brasil e dos Estados Unidos está na proporção
inversa da facilidade em se abrir com uso de dedos e falangetas, um simples
sachê de ketchup, mostarda ou maionese.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Livros para brincar
Tainá
Vieira
Eu tenho em casa um bebê de um
ano e quatro meses. Mas não é apenas um bebê que brinca, come e dorme. É um
bebê leitor. Maria adora brincar. Mas nada diverte tanto a Maria do que os
livros. E eu gosto muito de vê-la brincando com os livros. Primeiramente, ela
tira todos da estante, deixa-os no chão ou na cama ou no tapetinho dela, e
senta ou sobre eles ou ao lado, escolhe um e começa a folhear e ler, sim ela lê
e em voz alta ainda, na linguagem dela, claro, mas lê. Os meus livros que são mais sobre literatura
e não tem nenhuma figura, ela apenas lê. Os que ela mais gosta são dois
pequenos que têm a capa tipo de camurça e são nada mais nada menos que a Divina Comédia e Os lusíadas, e a Divina
Comédia está escrita em italiano, mas mesmo assim ela lê... Acho que ela já
os “leu”, cada um, mais de 10 vezes. Mas também ela já leu Grande Sertão: Veredas, Memórias
Póstumas de Brás Cubas, O mundo de Sofia, Maria ama filosofia.
Outro dia pegou o Curso de Linguística Geral, ela passou
uns três dias seguidos com ele, sempre que ela ia brincar com os livros, pegava
ele e começava a ler. Em um desses dias, ela pediu que eu lesse esse livro, sempre
que está cansada ela pede que eu leia para ela, foi aí que eu fiquei quase sem
ação. Apesar de ter lido e estudado esse livro, perdoem-me, não gosto dele.
Prefiro os romances, os poemas ou teóricos sobre literatura... Mas li umas
páginas dele para a Maria, ela ficou ouvindo atenta, não sei se entendeu. Outra
coisa que ela gosta muito é de ouvir poemas, acho que as rimas chamam a atenção
dela. É recomendável ler poemas para os bebês, na verdade, não apenas poemas, a
leitura tem de ser apresentada a criança desde cedo, o quanto antes melhor.
Desde o ventre, a Maria já ouvia muitas historias e poemas. Ela sempre pega o livro que tem a reunião dos
livros de Florbela Espanca; Maria está na fase romântica ainda, aquela de
encantamento e amor; no futuro lerá, com certeza, Baudelaire, Augusto dos
Anjos, Bacellar etc.
Os livros dela, claro, são
diferentes dos meus. Ela já tem uma pequena biblioteca. Os livros dela são mais
ilustrações do que textos, ela aponta as figuras, fala algo sobre elas, ri,
quando tem alguma coisa que ela já conhece e reconhece, por exemplo, o cachorro
e o carro, ela emite o som que os representa. Ela tem um livro que os textos
são canções e que ela ouve sempre essas canções e, quando eu leio, ela
reconhece a música e começa a cantar, ou pelo menos tenta cantar. Maria gosta
também de ouvir música, brinca ouvindo música, toma banho ouvindo música, janta
ouvindo musica. Eu já apresentei alguns ritmos para ela, mas ela sempre pede
para assistir uns vídeos de uma garotinha que canta ópera divinamente bem. São
quatros árias, no entanto a que ela mais gosta de ouvir é O Mio Babbino Caro, quando a música acaba ela pede pra
ouvir e ver de novo. Às vezes ela nem quer ver, ela pede pra eu colocar e vai
brincar, ela gosta de fazer outras coisas, mas a música tem que ficar lá, pra
ela ouvir. Sempre que saímos, eu levo uns dois livrinhos na bolsa, enquanto
esperamos a vez dela no pediatra ela fica lendo. Quando vamos para a casa da
tia dela e dormimos lá, sempre levamos livros. As leituras noturnas são
sagradas, às vezes ela nem deixa que eu leia para ela, pega o livro da minha
mão e lê. Que seja eterno o gosto pela
leitura e o amor pelos livros.
domingo, 24 de janeiro de 2016
sábado, 23 de janeiro de 2016
quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
negra
Zemaria Pinto
na praia eu vi
o sol
na água doce eu bebi
o sal
dos teus seios negros
na praia eu bebi
o sal
na água fria eu queimei
o sol
dos teus seios negros
as civilizações perdidas
o medo
teu corpo negro
no mato
jaz
vivo de amor
candente
terra fecunda
raiz brotando do chão negro
na negrura do horizonte
se reflete teu destino
eu traço o caminho vivo
eu vivo o caminho-espaço
no vazio do teu sonho
eu piso o caminho-vida
e em teu ventre me acalentas
no espaço das tuas pernas
há o último delírio
tua língua vermelha rasga a praia
teu grito afoga o rio
teus olhos vigiam o mundo
(1974)
Paulo Sérgio Medeiros
São raras as vezes em que
uso meu celular para fazer uma ligação. O WhatsApp trouxe no seu bojo a
economia tão sonhada por aqueles que ainda têm plano pós-pago, e, por que não,
os pré-pagos também? Aliás, acho que sou um dos poucos remanescentes a usar o serviço
pós-pago. Pois todas as vezes que tentei mudar meu plano, pela fé!, a OI me
dissuadiu da suposta ideia me oferecendo engodos já de meu conhecimento prévio.
Porém, para muitas
pessoas, essa economia pode custar caro. O WhatsApp é um cofre sem senha, cujos
segredos digitados ali estão a um clique de serem desvendados. No mundo virtual não há crime perfeito, há
print perfeito.
Antigamente os segredos
eram revelados, hoje em dia eles são printados. Segundo um amigo meu, o
aplicativo está mais para terreno minado do que para terreno de comunicação
fácil e rápida. Toda vez que a mulher dele se aproxima do telefone, ele, desesperado,
grita: Não toque nisso aí que pode explodir! Homem admirável, não? Quanta
preocupação com a integridade física da esposa, ou pelo prisma corporativista,
integridade física dele mesmo!
Os mais conservadores
acreditam que o WhatsApp é uma zona do baixo meretrício, uma Itamaracá virtual,
com muita putaria e tal. Pelo menos, por lá o sexo é seguro, seguro no sentido
de não se contrair doenças venéreas ou engravidamentos indesejáveis. Porque
quando as conversas clandestinas vazam o estrago é maior do que quando o
preservativo fura.
Já os mais religiosos
creditam a invenção ao coisa-ruim. É marido deixando mulher de lado, é mulher
deixando marido de banda, são famílias inteiras se debandando por conta das
tentações WhatsAppianas. Parafraseando
minha vizinha, zapzap é coisa do
capeta! Ou seria ele o próprio diabo?
Só sei que para mim o
aplicativo tem sido bastante afetivo, desculpem-me, ato falho, quis dizer,
bastante efetivo. Uso para fins profissionais e sociais. Uso com moderação,
embora minha ex-esposa discorde do meu ponto de vista. Viram? Ex-esposa... Fui
vítima do mal tecnológico do século. Nem os bons samaritanos escapam da
maldição do aplicativo.
Acho que minha vizinha
tem mesmo razão. Zapzap é coisa do
capeta!
Milagres judaico-cristãos rompendo as leis da física
João Bosco Botelho
Ao
longo da extraordinária construção da linguagem-cultura judaica, que admitiu o
milagre, ligado ao dom, pressupôs-se a possibilidade da fuga do conhecido, do
natural, do esperado. Essa ruptura é o motivo da aclamação e do júbilo!
A
estrutura da fé na liturgia judaica não é o simples milagre, mas sim a criação
como a existência concreta e a estrutura da moral e da ética.
De
modo geral, o mundo visível, mensurável, marcando a experiência empírica, e o
invisível, contido no espaço ficcional, onde o milagre é identificado, estão
presentes na teologia dogmática. O
primeiro, o mensurável, marcado à obediência das quatro forças fundamentais da
natureza (gravitacional, eletromagnética, pequena-força, grande-força); o
segundo, não mensurável, acima de todas as leis da natureza, por essa razão,
milagre.
No
Antigo Testamento, Deus Iahweh, estabeleceu o ritmo das estações, dos dias e
das noites, para orientar a semeadura, criou e determinou o curso eterno dos
astros, a dimensão e o íntimo de todas as coisas, as leis do céu e o poder da descendência.
Entretanto, os frutos do saber só seriam concedidos junto à obediência.
A
herança do judaísmo observa duas tendências na leitura dos milagres. A primeira
admite a Bíblia cheia deles, devendo constituir fonte de reflexão à pequenez do
homem. A segunda está relacionada com as interpretações místicas, contidas no
Zohar (Livro dos Esplendores, escrito em torno do século XII, na Espanha).
Nesta última, os rabinos não aceitaram a necessidade do sinal, porque existe harmonia
absoluta entre o Criador e a sua obra.
Os
primeiros padres da cristandade fizeram outra fantástica reconstrução teórica dos
sinais do AT. Os milagres de Cristo, em particular os das curas, descritos pelos
quatro evangelistas, assumiram grande importância na apologética da nova
religião.
Séculos
depois, o tomismo entendeu a importância do milagre, na fé, como fato
extraordinário produzido por Deus. Os anjos bons e os santos poderiam ser
agentes na promoção dos acontecimentos situados à margem das leis naturais. Por
outro lado, distinguiu o milagre do prodígio. Este último, simples simulacro,
não era fruto do poder divino. Fundando o juízo de valor, Thomás de Aquino
dividiu os milagres em absolutos ou de primeira ordem e relativos ou de segunda
ordem. Só reconheceu os primeiros como verdadeiros porque superaram em si
mesmos todas as idéias da natureza criada. Só Deus poderia assumir a autoria.
Os relativos seriam determinados mediante as forças do universo sensível, ligadas
à antidivindade.
O
milagre apologético, sempre de primeira ordem, é aquele que serve de louvor.
Deve ser perceptível e confirmar a origem divina da revelação. Tem particular interesse
o aspecto físico, porque é observável nos corpos. Logo, a cura de uma doença,
considerada fatal e irreversível, pode ser entendida como milagre, um sinal de
Deus.
A
abordagem tomista foi duramente criticada por diversos filósofos. Voltaire, no
Dicionário Filosófico, tomou a argumentação dos físicos para contestar. Afirmava
ser falso pensar no milagre como transgressão das leis matemáticas, criadas
pela divindade, porque são coerentes e imutáveis.
Espinoza
também recusou a veracidade do milagre. Apoiado na premissa de que era
impossível a intervenção extraordinária para mudar o curso da criação
transcendente, reafirmou o engano da prática milagrosa.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
Transformer
Mauri Mrq
Nessa
vida tem gente pra tudo, deixa ele, ele é desse jeito, o que fazer, as suas
razões comandam a velha estória do posso ou não posso, devo ou não devo. O
estranho nesse momento foi o susto que tomei com a revelação, o inusitado, pelo
menos pra mim, e o fato de tudo ter se dado a contento na sua realização
familiar, o que não impede de estarmos estupefatos. Cada momento de suspense,
ao se realizar o feito dentro da imprevisibilidade, até me deixou também
conformado, mas vamos lá. Espero que ele possa ultrapassar esse período da vida
sem muito transtorno, o que acho muito difícil, o preconceito é grande,
inclusive o meu. Porque, dizer que estava represado em seu ser uma capa
feminina, e o que é pior, sem experiências boiolísticas, com um casamento
feliz, filhos lindos, inclusive com um cachorro sorridente que me lembrava
sempre o cachorro do Roberto Carlos, sendo que o do Rei sorria latindo e o do
Ariovaldo só esboçava um sorriso largo. Se bem que minha mulher dizia que
aquilo não era sorriso, porque ela uma vez viu o Loto no fundo do quintal
comendo as florezinhas de jambu e ele ficava anestesiado e abobalhado, bem, mas
não vem ao caso, com a transmutação do seu dono. O que me deixa encafifado é
que, na nossa juventude, ele era o que mais gostava do “Freak le boom boom” da
Gretchen. Hoje fico pensando se ele já não pensava em ter aquele rabo pra
remexer. Engraçado, a filha da Gretchen virou homem e ele cortou o pau e
colocou no lugar uma vulva virgem. Nesse primeiro momento tá tranquilo, os
filhos, dessa nova geração, pelo visto não ficarão traumatizados, e a mulher
aproveitou o ensejo e tá namorando um porteiro do condomínio deles. Agora,
acostumar a chamar o Ariovaldo, a quem chamávamos de Ari, de Valda, e manter a
rotina de jantar nos finais de semana sem a ex-mulher dele, que pelo visto vai
virar a musa dos porteiros, que todos vão querer comer, vai ficar complicado. A
minha mulher está preocupada e quer encerrar esses jantares, porque vai ficar
ela e o meu amigo, que agora é amiga; ele era muito tímido e virou uma trans tímida; creio que se fosse uma bicha
tímida seria pior, e acha que como o Ari, agora Valda, não é vulgar, vai ter
dificuldade em se relacionar no meio em que se inseriu, ou seja, tá difícil.
Acho que vou seguir os conselhos da minha mulher para fazermos uma viagem e
ficarmos um pouco afastados da Valda – vamos aconselhá-la a procurar uns sites
de relacionamento de trans, porque
ela, a minha mulher, tem medo que o Ari, a Valda, nesse novo momento, convivendo
comigo, acabe querendo estrear seu new
periquito comigo – e acho que tem fundamento, confio mais na intuição feminina.
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
Sem ar-condicionado
Pedro Lucas Lindoso
Sou de um tempo em que não
se falava de Halloween nem de bruxas. Tampouco se acendiam velas em abóboras.
Jerimum era feito para se comer e só. Os filmes de Hollywood eram no “farwest”,
ou faroeste. Não havia esses horripilantes filmes de terror. As sextas-feiras 13
eram vistas com leve cautela para evitar-se algum azar, mas não eram sinônimos
de terror, fantasmas e assombrações.
Nos dias de hoje, a meninada
se aterroriza vendo esses enlatados de baixa categoria, com bruxas,
assombrações, exorcismos de araque e sustos fabricados com efeitos visuais. Esses
sim, muito bem elaborados e de técnica ultramoderna.
Tinha-se medo do bicho
folharal, do curupira e de uma tal de mulher de branco.
Do curupira não se tinha muito
medo porque ele só aparecia na floresta. Agora o bicho folharal se escondia no
fundo do quintal para proteger as plantas e as árvores, segundo me diziam. E eu
o temia, e muito. A mulher de branco
passeava pela calçada do cemitério que dá para o Boulevard, indo até a Praça
Chile. Era de arrepiar. Medos de meninos que não conheciam internet, nem jogos
eletrônicos ou filmes de terror.
Em Recife, terra de minha
mulher, temia-se o velho da venta quebrada e o “papa figo" que comia o
fígado de meninos.
Mas nessa temática de medo e
morte havia uma coisa aqui em Manaus que superava todas as produções
hollywoodianas. Mais aterrorizante que qualquer filme de Drácula, vampiro,
exorcista, sexta-feira 13, “walking dead”,
zumbi e outros do gênero.
Estou me referindo à TUMBA!
Assim a meninada se referia ao carro fúnebre. Geralmente estacionado em frente à
Santa Casa. A garagem do carro TUMBA era ao lado da Capela da Santa Casa. Em frente havia o Necrotério.
Quando morre alguém há
sempre uma carreata que segue o carro fúnebre (ou rabecão) até o cemitério. Hoje
há os clássicos Caravan, Omega
Suprema, a veterana Kombi, e outros adaptados. O caixão é colocado no
veículo onde é conduzido respeitosa e discretamente até a morada final.
Mas a TUMBA não. A TUMBA
metia medo. Era toda preta. Tinha uns enfeites dourados. Havia uns pingentes e
berloques que adornavam um majestoso, porém tenebroso, dossel também em dourado.
As cortinas eram roxas. O caixão era exposto. O defunto ia nesse horripilante
carro aberto, sem direito a ar-condicionado. E o medo?
segunda-feira, 18 de janeiro de 2016
Prosa & Panela – 10
Tainá Vieira
Saber cozinhar é tão bom.
Mas é mais maravilhoso ainda quando se cozinha com dedicação e amor. Já disse
isso várias vezes e volto a afirmar. Cozinhar para o bebê parece uma tarefa bem
fácil, há pessoas que dizem isso, mas eu afirmo que não é. Como não é preciso
usar muito tempero, gordura etc. Dizem que é bem mais fácil cozinhar uma comida
para um bebê do que uma comida para um adulto, que quando se trata de sopa de
legumes, por exemplo, basta descascar tudo e colocar pra ferver com agua com um
mínimo de sal ou mesmo sem, e pronto. Seria muito fácil se fosse assim. Mas não
é.
Cozinhar para o bebê requer
paciência e muita atenção; digo isso para aquelas pessoas que não entopem seus
filhos de produtos industrializados, cheios de corantes. Nos supermercados
vendem sopinha pronta, é só aquecer em banho-maria e pronto já é um almoço ou
jantar do bebê. É claro que existem produtos que, às vezes, são necessários, no
caso, a fórmula infantil, que seus produtores e médicos dizem ser similar ao
leite materno. Meu bebê tomou fórmula até um ano e três meses, depois passou a
tomar o leite integral. Mas a questão aqui não é o leite e sim a comida.
Ao completar seis meses o
bebê já pode comer sopinha salgada e doce. As mães sempre iniciam o cardápio
com canja ou sopa de legumes, com um pouco de carne; comigo foi assim. Os
pediatras indicam o músculo bovino, é bem molinho e contem colágeno. Sei que
preparar uma sopinha sem condimento, com o mínimo de alho, o mínimo de cebola –
esses itens são essenciais para uma comida saborosa – é bem difícil, porque à
medida que vamos provando temos a vontade de encher de tempero, pois fica muito
sem gosto. Mas o segredo é deixar tudo bem cozido, bem molinho para o caldo
ficar um pouco cremoso com os próprios ingredientes. E também vamos passar no liquidificador,
porque até os oito meses, mais ou menos, o bebê ainda não consegue mastigar
bem. E temos que ter muito cuidado com os engasgos. Primeiro, refoga a carne
toda cortadinha no mínimo de alho e cebola, sem sal, sem óleo ou manteiga, mas
como eu amo muito o meu bebê, eu sempre usava o mínimo de azeite. Tudo fica
perfeito e saboroso com azeite. Acrescenta água fervente, cenoura e batata. A
batata vai dissolvendo à medida que vai cozendo, e isso vai deixando o caldinho
grosso. É recomendável substituir a batata comum pela batata doce. Quando tudo
já estiver bem cozido, pode colocar a couve e cebolinha pra dar um gostinho
delicioso. Uma sopa de legumes para um adulto leva muitos outros legumes, como
abóbora, repolho, beterraba etc., bem diferente da sopinha do bebê, sobre a
qual temos que ter muito cuidado para não colocar muitos alimentos ao mesmo
tempo, por varias questões, uma delas é a reação alérgica. E os pediatras e
nutricionistas recomendam apresentar um alimento de cada vez ao bebê.
A canja também é simples: a
parte do frango recomendável é a sobrecoxa e o peito. Pode fazer a canja com a
sobrecoxa inteira, com o osso ou toda cortadinha; a sobrecoxa dá um gosto à
canja ao contrário do peito de frango. Eu sempre usei a sobrecoxa. Usa-se
também cenoura, batata, cebolinha e arroz. Serve como almoço ou jantar do bebê
um purê de batata ou cenoura, sem manteiga. Pode usar a formula infantil para
preparar o purê. Caldinho de feijão, sem condimento: prepara-se o feijão com o
mínimo de cebola e alho; pode colocar folhas de couve e até batata pra cozinhar
junto; depois de pronto é só coar na peneira que vai sair um caldinho grosso e
delicioso; os bebês amam caldinho de feijão. Quando o bebê já tem um ano, já
pode fazer feijão com carne, sopa de lentilha com beterraba, carne moída com
purê, e até espaguete – bebês amam espaguete.
O peixe é um alimento que não se pode excluir da dieta do bebê, é muito
saudável e saboroso. Aqui em casa o bebê ama peixe com purê ou arroz, além de peixe
com caldo. Os pediatras sugerem fígado bovino ou de galinha, mas como eu amo
demais o meu bebê; eu jamais dei. Eu não gosto de fígado e tenho certeza de que
o meu bebê também não iria gostar...
Maçã raspadinha, suco de
laranja coado – a laranja lima é a mais recomendável – banana amassada, essas
são umas das comidinhas doces que servem como lanches ou sobremesas para o
bebê. Nada daquelas sopinhas doces que vendem no supermercado. Pode dar também
a famosa vitaminada, e sempre pensamos no trio mamão, banana e maçã. Só uma
pequena observação: a banana e a maçã prendem o intestino, por isso eu sempre
faço de banana com mamão ou de maçã com mamão, jamais os três juntos; é muito
sofredor ver um bebê com o intestino preso. Lá para os dez meses é que já
podemos introduzir outros alimentos na dieta do bebê, como uva, abacate e suco
de maracujá bem fraquinho. O morango, só depois de um ano ou mais que é
recomendável pelo fato de ter muito agrotóxico. Eu adoro gelatina e meu bebê
passou a comer comigo, mas só depois dos oito meses, o pediatra disse que não
tinha problema. Quanto aos mingaus, há nos supermercados muitos produtos que
dizem serem bons para preparar mingau para o bebê e, pra falar a verdade, hoje
em dia muitas mães nem preparam mais mingau como antigamente para os seus
filhos. Eu sou da época de antigamente, mas jamais dei mingau dessas massas que
dizem ser para fazer mingau, eu sempre fiz mingau de farinha de aveia, que é
mais saudável, e até hoje o meu bebê toma, não todo dia, pois vario o café da
manhã: um dia mingau, outro dia suco com tapioca, que é saudável, ou
vitaminada.
Enfim, há vários tópicos e
questões e cuidados sobre uma alimentação saudável para o bebê, que levaria
inúmeros parágrafos, mas vamos ficar só com o básico, porque aí entraria numa
discussão mais profunda e até cientifica e eu não tenho tanto conhecimento para
dialogar assim. Me baseio apenas em minha própria experiência, que, é claro,
não foi perfeita como nada é neste mundo, no entanto vou me esforçando para
tentar fazer o melhor que posso. Essa questão da alimentação de uma criança
varia de pais para pais. Mas tenho certeza que cada mamãe e cada papai tenta
fazer o melhor que pode para a sua cria. Quem ama seu filho quer o melhor para
ele, isso inclui uma alimentação saudável e isso dá trabalho, exige paciência,
mas nada se compara ao bem-estar da sua criança... Eu espero que o meu bebê
jamais sinta o gosto da fome como milhares de crianças sentem neste mundo de
miséria e eu sempre clamarei aos deuses para jamais permitirem que o meu bebê
se alimente com uma sonda de alimentação em um hospital.
domingo, 17 de janeiro de 2016
AAL sob nova direção
Rosa Mendonça de Brito comandará a Academia Amazonense de Letras no biênio 2016-2017. A foto registra a transmissão do cargo de Armando de Menezes para a nova presidente. |
sábado, 16 de janeiro de 2016
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
Legado
Zemaria Pinto
eis um pedaço de mim,
exposto
feito carne putrefata
eis um pedaço de mim,
ferida
aberta em pus, necrosada
eis um pedaço de mim,
retrato
de todo o horror do passado
eis um pedaço de ti,
devolvido
para que não esqueças de mim
(1978)
nós e os outros
paulo sérgio medeiros
nosotros hibridismo de nós e os outros
no ato de um julgamento de uma atitude não condenamos a nós o polvo de nossos
mecanismos de defesa condena sempre os outros transferir ferir esses outros
desumanos é cinicamente mais fácil julgar a nós nos outros outros e nós híbrido
atroz nós e nossos nós nó cego nós cegos no pecado da negação não nos navegamos
com o receio da onda quebrar no caudaloso recife de corais de nossa fragilidade
mergulhar nos outros o caldo da alma na vida alheia esse espelho sem aço na
praia dos outros a areia é quase sempre mais alva para alguns nem doer dói
surfar na onda do venha a nós para outros no entanto o vosso reino é um
calabouço de angústias lhes deteriorando nos cactos de seus relacionamentos um
texto assim mesmo sem distinção de maiúsculas ou minúsculas sem pontuação sem
respiração caótico confuso tal qual nós tal qual os outros
O curador divino e a serpente: luta mágica pela vida
João Bosco Botelho
O
mais importante curador divino na Grécia antiga foi Asclépio, filho de Apolo,
considerado, durante vários séculos, o deus da Medicina. Os doentes que recuperavam
a saúde nos templos desse deus grego tornaram públicos os agradecimentos por
meio de esculturas especificando o nome do doente e a cura milagrosa obtida.
Existem duas particularmente bem documentadas: o caso da cegueira de Phalysios
e o das varizes de outro paciente anônimo.
Muitos afrescos retratando Asclépio contêm a serpente enrolada no bastão.
A associação da cobra à medicina já estava presente na sociedade babilônica, mil
anos antes da pólis grega. Na Babilônia de Hammurabi, o deus da cura
Ningishzida, da região de Lagash, era representado por duas serpentes enroladas
numa vara de madeira.
A
imagem de Asclépio ligada ao réptil dava força aos desprotegidos. Curadores e
enfermos veneravam-no, nas cidades gregas. Milhares de peregrinos doentes e
deserdados marchavam em procissões, para suplicar nos altares as graças da saúde
e da fartura.
É
possível estabelecer duas imagens simbólicas, ligando a serpente ao ensejo de
recusar a morte. A primeira, ao fato de poder viver acima e abaixo da terra,
mediando dois mundos diferentes, em estreito vínculo com a localização
subterrânea do mundo invisível. A outra, mais importante, está fincada na
crença do renascer, por meio da renovação periódica da pele.
Na
Babilônia, a epopéia de Gilgamesh, relacionada com os grandes feitos desse rei,
em torno dos anos 2750 a.C., o herói, cansado depois de inúmeras peripécias na
busca da planta que proporcionaria a vida eterna, ao acordar, na beira do rio,
vê o vegetal ser comido pela serpente, e, impotente, resta-lhe admirar o
renascer do bicho e o convencimento da inevitabilidade da morte.
Na
Índia antiga, no Rig Veda (I 79,1), escrito entre 1700 e 1100 a.C., os Adityas são
descritos como descendentes da serpente porque, ao perderem a pele velha, eles
venceram a morte e adquiriram a imortalidade. Esse extraordinário texto, conhecido
como Livro dos Hinos, é o documento mais antigo da literatura hindu.
Esse
extraordinário elo entre os curadores com a serpente é uma das heranças metafóricas
arcaicas mais interessantes empurrando a luta atávica contra os limites da vida.
O poder do curador, representado pela serpente, é o símbolo vivo desse
enfrentamento, para modificar o determinismo irremovível da morte.
Asclépio conquistou fama inimaginável; possuía a
delicadeza do tocador de harpa e a habilidade agressiva do cirurgião. Todos os
doentes que não obtinham cura em outros oráculos procuravam os serviços desse
deus curador. Muito mais cirurgião, ele criou as tiras, as ligaduras e as
tentas para drenar as feridas. Na famosa trilha de curas extraordinárias,
ressuscitou alguns mortos e por essa razão foi fulminado por Zeus com os raios
dos Ciclopes. Zeus matou Asclépio porque temia que a ordem natural fosse
mudada.
Asclépio, sempre ligado à serpente, se tornou o maior dos curadores do
panteão grego; era celebrado em grandes festas públicas, no dia 18 de outubro.
Após a conquista da Grécia pelas legiões romanas, foi mantida a narrativa
teogônica entre curadores divinos e a serpente: rebatizaram Asclépio de Esculápio.
Após a cristianização do império romano, o dia 18 de outubro, ligado aos
curadores divinos greco-romanos, renasceu associado ao nascimento de Lucas, o
apóstolo-medico Lucas, e se manteve até hoje como o Dia do Médico.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
terça-feira, 12 de janeiro de 2016
Há um rato em nossa casa
Pedro Lucas Lindoso
Há sempre um ar de sisudez e
silêncio no Departamento Jurídico de uma grande empresa do Distrito Industrial.
De repente chega Dra. Ruth, advogada e esposa do gerente jurídico e desabafa:
– Há um enorme rato alojado
na cozinha de nossa casa. Ninguém consegue matá-lo.
Dra. Ruth e Dr. Mauro vivem em
sofisticado condomínio com um dos maiores IDH (índice de desenvolvimento
humano) de Manaus e quiçá do planeta. A propriedade é mensalmente objeto de eficiente
sistema de desratização. Assim, a presença do ratão foi considerado um grande
mistério.
Suspeita-se que o ardiloso,
guloso, atrevido, perspicaz, estrategista e folgado roedor chegou à mansão na
aparelhagem de um Buffet de pizzas. Mas não há provas.
O fato é que no domingo o
ratão deu o ar da graça. Apareceu na lavanderia. Depois sumiu. Novamente começa
a deixar vários vestígios de que havia se alimentado fartamente. Vestígios
encontrados na sala e em um dos quartos e principalmente na área da cozinha. O
pânico se instala.
Finalmente Dr. Mauro
localizou o intruso roedor na área da cozinha. Começou aí uma guerra, à la Tom
e Jerry, entre Dr. Mauro e o “big rat”.
Sim, porque “mouse” é denominação de
pequeno roedor. Aquilo é o que os americanos definem como “rat - a large long-tailed rodent”.
Dr. Mauro armou as seguintes estratégias para
eliminar o “big rat”: 1 –
trancou as portas da cozinha; 2 – instalou uma babá eletrônica para vigiar
o ratão; 3 – armou ratoeiras e armadilhas de acordo com sites da internet.
Espantou-se com a enorme
variedade de sugestões de ratoeiras: ratoeira de pet, ratoeira elétrica,
ratoeira americana, ratoeira adesiva de papel, repelente de ratos ultrassônico,
ratoeira clássica e uma interessantíssima armadilha com balde.
Optou por instalar as duas últimas.
Passou o feriado de
segunda-feira monitorando o ratão, pela câmera da babá eletrônica. O big rat conseguiu pegar a isca da
ratoeira clássica e sair ileso. Subiu no balde, comeu a isca e não se afogou.
Mauro sentiu-se o próprio gato Tom, caçando o rato Jerry.
No dia seguinte foram
contratadas duas firmas de desratização. Tudo em vão. À tarde, um funcionário
do condomínio conseguiu finalmente capturar o ratão.
A boa notícia chegou ao
casal pelo WhatsApp. Com foto e tudo. Finalmente o casal de “advogatos” pode
relaxar e fazer seus recursos jurídicos e pareceres com tranquilidade.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
Prosa & Panela – 9
Tainá Vieira
As tardes de domingos são
sempre nostálgicas para mim. Lembro-me da vida que tive na cidadezinha onde
nasci e passei a adolescência. Geralmente, aos finais de semanas a casa de
minha mãe-avó ficava cheia, seus filhos e netos vinham reunir-se e celebrar a
vida. E, claro, a comilança era farta. De início, logo cedo, eu ia com meu
pai-avô comprar o pão, pão caseiro, não existe coisa melhor do que pão caseiro,
manteiga e café, logo pela manhã. Também havia tapioca fresquinha que vinha
direto da roça da família; pamonha, doce de cupuaçu e doce de manga, que é uma
delícia. A casa onde passei a primeira fase de minha vida tinha um quintal imenso,
com muitas árvores cheias de frutas: manga, goiaba, abacate (adorava comer
abacate com sal e farinha) – e lembro-me também que havia uma árvore de canela;
sempre que adoecia minha mãe-avó me dava chá de canela com farinha de tapioca.
Sou capaz de sentir agora aquele cheirinho de chá de canela, tão aconchegante
como o colo da avó.
Havia também capim santo, ou
capim cidreira, minha mãe-avó adorava tomar chá. Quando ela morreu, meu pai-avô vendeu a metade
do terreno e foram junto algumas árvores e plantas. Havia um jardim, simples,
mas um jardim, no muro da frente da casa feita de madeira que era bem simples
também. Tinha uma trepadeira que se espalhava pela frente toda da casa, era tão
bem cuidada que deixava o muro lindo; lembro-me também de rosas brancas no
jardim.
Havia várias plantas, minha mãe-avó
trocava mudas de plantas com as vizinhas. Lembro-me de uma senhora magra, bem
magrela, uma velha que tinha a cara enrugada, ela era tão magra que meu pai-avô
dizia que ela não saia de casa quando ventava porque o vento podia levá-la
embora, do mesmo jeito que levava as folhas das mangueiras que enfeitavam as
ruas e os quintais; quase todos os vizinhos tinham mangueira no quintal. Essa
velha magrela era muito amiga de minha mãe-avó e sempre que era o tempo da
manga, elas faziam doce de manga lá em casa, mas eu não gostava do trabalho que
dava: tinha que colher a manga da árvore, muita manga mesmo, e deixar
amadurecer; depois tirava a casca e ralava para colher a polpa, era bem
artesanal o processo. Por último, ia
para a panela no fogo para apurar, ou melhor, transformar aquela polpa com
açúcar em doce. Tinha que passar horas mexendo aquilo até ficar pronto, e mais,
era no fogão de barro, à lenha. Dava muito trabalho, mas o resultado era
fantástico.
Há muito que não como doce
de manga, eu deixei de gostar da manga em si, mas o doce, ah, como eu queria
uma colher agora. Outro dia li um livro chamado A cozinha das Escritoras, que fala um pouco sobre a biografia
gastronômica de 10 grandes autoras da literatura mundial; entre elas está
Virginia Woolf, que teve uma relação de amor e ódio com a comida. Ela adorava
comer maçã, assim como as demais autoras. Comiam tudo de maçã e com maçã. As
escritoras tinham uma relação de amizade com a maçã, certamente porque a maçã é
feminina, suave e elegante, e, também quando elas ficavam entediadas ou tristes
iam colher maçã para comê-las. Agora, porque falei em maçã? Tudo a ver, é fruta,
afinal, e tão saborosa quanto a manga, que fez parte da minha vida. Comer,
chupar manga, se lambuzar toda comendo manga, era reconfortante. Não tinha macieira
na minha cidade, e, para falar a verdade, nunca vi uma árvore de maçã.
O almoço dos finais de
semana tinha um cardápio variado. Minha mãe-avó tinha quatro filhas e elas
moravam cada uma em lugar diferente, e quando vinham visitar os pais sempre
traziam algo para comer. É muito comum isso por lá. Era peixe, carne de porco
ou caça do mato, não me lembro de ser proibido comer caça do mato, até uns 15
anos atrás. Peixe assado na folha da bananeira ou galinha à cabidela, não
parece comida bem familiar? Ou que tal um leitão assado? Tartaruga, nossa, como
aquilo era divino. Sarapatel, comida com sangue, exótico e maravilhoso. E
piranha assada na brasa ou caldo de piranha caju; dizem que o caldo do peixe
piranha é afrodisíaco, deve ser, têm certas comidas que excitam, ou melhor, as
comidas dão prazer, não importam suas origens, ou quem as coma.
Só descobri isso depois;
meus pais-avós não deviam saber disso. Enfim, era muita comida, eu e meus
primos e meus irmãos adorávamos caldo de cana e cupuaçu, comíamos e brincávamos
com os caroços jogando uns aos outros ou atirávamos no muro do quintal. Tudo
isso faz parte minha história. E tantas outras comidas que vou lembrando aos
poucos. (Há dias que quero apresentar caldo de caridade para a minha filha, mas
não tenho em casa a farinha da minha terra, dizem que é a melhor que há, e eu
concordo). E para o jantar, sopa de peixe ou mojica – outro dia eu passo a
receita, quando for contar a minha relação nada interessante com os peixes – por
ora, vou tomar o meu café e lembrar mais um pouco sobre as comidas que minha mãe-avó
fazia. Devia ser proibido avó morrer
antes dos setenta anos.
domingo, 10 de janeiro de 2016
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